Em 2012, Christian Werner divulgou trechos da sua tradução ainda inédita da
Odisseia, em sua maioria do canto IX, ao longo de um artigo científico; se de lá para cá houve mudanças nos versos, não o sabemos. Mas dá para ter uma ideia do que esperar com a edição completa da Cosac Naify. Para quem já leu o trabalho tradutório do Werner nas edições do Hesíodo pela Hedra, não deve haver nenhum estranhamento.
Seguem os trechos colhidos
daqui e postos em ordem:
Vamos, que também meu retorno muita-agrura eu narre,
o que Zeus me enviou quando eu de Troia voltava.
Levando-me de Ílion, o vento achegou-me dos cícones,
de Ismaros; lá eu saqueei a cidade e os matei.
Da cidade tendo tomado as esposas e muitas posses,
dividimos para eu ninguém deixar sem sua parte.
(Od. IX, 37-42)
E à terra dos ciclopes, soberbos, desregrados,
chegamos, eles que, confiantes nos deuses imortais,
árvores não plantam com as mãos nem aram,
mas, sem semear-se e arar-se, isso tudo germina,
trigo, cevada e videiras, que produzem
vinho de grandes uvas que a chuva de Zeus lhes fomenta.
(Od. IX, 106-111)
Os outros, vós aqui ficai, meus leais companheiros;
mas eu, com minha nau e meus companheiros,
vou verificar esses homens, de que tipo eles são,
se desmedidos, selvagens e não civilizados,
ou hospitaleiros, com mente que teme o deus.
(Od. IX, 172-176)
Após chegar no antro, contemplamos tudo,
cestos abarrotados de queijo, cercados repletos
de ovelhas e cabritos: separados por categorias,
encerrados, à parte os mais velhos, à parte medianos,
à parte filhotes. Todas as vasilhas transbordavam de soro,
e baldes e tigelas, fabricadas, com as quais ordenhava.
Lá os companheiros suplicaram-me para, primeiro,
pegar algum queijo e voltar, e depois,
celeremente, até a nau veloz cabritos e ovelhas
dos cercados arrastar e navegar pela água salgada;
mas não obedeci (e teria sido muito mais vantajoso)
para poder vê-lo, esperando que me desse regalos.
(Od. IX, 218-229)
Estranhos, quem sois? Donde navegastes por fluentes vias?
Acaso devido a um negócio ou à toa vagais
tal como piratas sobre o mar? Esses vagam
arriscando suas vidas, dano a gentes alheias levando.
(Od. IX, 252-255)
Nós, vê, de Troia, após vagar longe do curso – aqueus –,
devido a todos os ventos por grande abismo de mar,
ansiando ir para casa, por outra rota, outros percursos,
viemos; assim, talvez, Zeus quis armar um plano.
Tropa de Agamêmnon, filho de Atreu, proclamamos ser,
desse cuja fama, agora, sob o páramo é a maior:
grande cidade devastou e tropas dilacerou,
muitas. Nós, porém, chegando, esses teus joelhos
alcançamos, esperando nos acolheres bem ou mesmo
dares um regalo, o que é costume entre hóspedes.
Mas respeita os deuses, poderoso; somos teus suplicantes.
Zeus é o vingador de suplicantes e hóspedes,
o dos-hóspedes, que respeitáveis hóspedes acompanha.
(Od. IX, 259-271)
És tolo, estrangeiro, ou vieste de longe,
tu que me pedes aos deuses temer ou evitar.
Os ciclopes não se preocupam com Zeus porta-égide
nem com deuses ditosos, pois somos bem mais poderosos;
nem eu, para evitar a braveza de Zeus, pouparia
a ti ou teus companheiros se o ânimo não me pedisse.
(Od. IX, 273-278)
“Mas dize-me onde aportaste a nau engenhosa,
algures no extremo ou perto, para que eu saiba”.
Assim falou, testando-me, e eu, mui arguto, percebi;
respondendo, disse-lhe com palavras ardilosas:
“Minha nau despedaçou Poseidon treme-solo;
contra rochedo lançou-a nos limites de vossa terra,
rumo ao cabo levando-a; vento trouxe-a do mar.
Mas eu, com esses aí, escapei do abrupto fim”.
(Od. IX, 279-286)
Assim falei, e não me respondeu com impiedoso ânimo,
mas, de súbito, sobre companheiros estendeu as mãos,
e, tendo dois agarrado, como cachorrinhos ao chão
arrojou-os: miolos escorriam no chão e molhavam o solo.
Após cortá-los em pedaços, aprontou o jantar;
comia-os como leão da montanha, e nada deixou,
vísceras, carnes e ossos cheios de tutano.
(Od. IX, 287-293)
Mas após percorrer, no mar, distância duas vezes maior,
então quis chamar o Ciclope; em volta, companheiros,
com fala amável tentavam conter-me de todos os lados:
“Implacável! Por que queres provocar o varão selvagem?
Agora mesmo projetou projétil ao mar e levou a nau
de novo à costa, e já pensávamos lá perecer.
Se ele ouvir o som ou a fala de alguém,
despedaçará nossas cabeças e as tábuas da nau
ao projetar rochedo pontudo: tão longe arremessa”.
Assim falaram, mas sem convencer meu ânimo enérgico,
e, respondendo, disse-lhe com ânimo rancoroso:
“Ciclope, se a ti algum homem mortal
interpelar sobre o ultrajante cegamento do olho,
afirma que Odisseu arrasa-urbe te cegou,
o filho de Laerte, que tem sua casa em Ítaca”.
(Od. IX, 491-505)
Incrível, de fato alcançou-me velho dito divino.
Havia aqui um adivinho, varão belo e grande,
Telemo, filho de Eurimo, que, superior na adivinhação,
envelheceu adivinhando para os Ciclopes;
afirmou-me que tudo isso se completaria no futuro,
que, nas mãos de Odisseu, eu perderia a visão.
Mas sempre um herói grande e belo esperei
que aqui chegasse, investido de grande bravura;
agora a mim um pequeno, um nada, um fracote
o olho cegou, após me subjugar com vinho.
(Od. IX, 507-516)
Pego teus joelhos, Odisseu; tem-me respeito e piedade.
Para ti, no futuro, tormento haverá se um cantor
matares, eu que para deuses e homens canto.
O que sei vem de mim; deus, em meu juízo, enredos
de todo o tipo plantou; convém junto a ti cantar
como a um deus. Assim não almejes degolar-me.
Também Telêmaco isto poderia dizer, teu caro filho,
que eu nem de bom grado nem com aspirações tua casa
frequentava para cantar aos pretendentes após os banquetes;
muito mais numerosos e fortes, guiavam-me sob coação.
(Od. XXII, 344-353)
@Bruce Torres
@Mavericco
@-Jorge-
@Spartaco