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Ilíada, Odisseia e Eneida: lê-las, hoje, porquê?

Béla van Tesma

Nhom nhom nhom
Colaborador

Ilíada, Odisseia e Eneida: lê-las, hoje, porquê?​

Por Frederico Lourenço, 5 de setembro de 2022, às 14:08 [Facebook]

Um novo ano lectivo está prestes a começar. E, mantendo uma tradição de séculos e de milénios, haverá uma nova geração de estudantes que contactará pela primeira vez com as três grandes obras literárias da Antiguidade Clássica, quer sob a forma de adaptações para jovens (Ensino Secundário), quer em tradução do texto integral (Universidade), quer na língua original (estudantes de Estudos Clássicos nas Faculdades de Letras de Coimbra e Lisboa).

Homero e Vergílio são a base, ainda hoje, do cânone literário na Europa e nas Américas. Mas tratando-se de um autor grego que viveu há 2700 anos e de um romano que morreu há mais de 2000 anos, poderemos perguntar: qual é a relevância de estarmos ainda de volta destes textos?

São poemas longos. Dão trabalho a ler. Falam de realidades remotas no tempo; e estão cheios de personagens nas quais não nos revemos e que, em vários casos, suscitam a nossa desaprovação moral: uns mentem; outros são supremamente egoístas; quase todos se mostram indiferentes ao mal que fazem a outrem. Quanto às poucas personagens admiráveis, essas sofrem e morrem. É poesia épica, dita «heróica». Mas que heróis são estes – e o que nos podem eles ensinar sobre a vida, sobre a morte, sobre o amor, sobre nós mesmos?

Já ensino estes textos há mais de trinta anos na universidade. E é absolutamente claro para mim que o seu principal valor pedagógico está na complexidade e na subtileza com que nos apresentam a realidade humana. Na Ilíada, na Odisseia e na Eneida não há pessoas delineadas à base de clichés e de blá-blá estereotipado: há seres humanos que são obrigados a reagir em situações extremas; e as suas reacções estão marcadas (para o bem e para o mal) por aquilo que o ser humano é – e não por aquilo que, idealmente, deveria ser. São três lições cortantes de realismo.

Mas são poemas fáceis de tresler e de reduzir à cabotinice dos lugares comuns. Na Antiguidade, por exemplo, acreditava-se que o estudo da Ilíada fazia bem à educação dos jovens, porque Homero lhes ensinava virtudes masculinas e militares.

No entanto, se lermos com atenção este poema tão belo quanto chocante, damo-nos conta de que o primeiro poema heróico da literatura grega já evoluiu para lá do heróico: é pós-heróico. Dir-se-ia que é já uma revisitação crítica da mundividência militarista. E a conclusão que nos impõe é que a guerra não é uma coisa gloriosa, mas sim uma coisa vazia que, trazendo um sofrimento indizível, não serve de nada.

Quem transmite claramente essa tomada de consciência é nada menos do que Aquiles, o «maior» herói da literatura antiga. No Canto 9 da Ilíada, ele exprime a sua decepção total com a guerra. Ele diz que a guerra traz a morte, indiferentemente, a corajosos e a cobardes. Sendo o objectivo da guerra a obtenção de riqueza, Aquiles não tem dúvida de que não há riqueza que pague uma vida humana. «Pois extorquíveis são bois e robustas ovelhas / e adquiríveis são trípodes e flavos cavalos; mas que a vida / de um homem volte de novo, depois de lhe passar a barreira / dos dentes, isso não é possível por extorsão ou aquisição»: Ilíada 9, 406-409).

Como herói, Aquiles encarna um heroísmo que deixa bastante a desejar. Imaginemos, em termos actuais, um futebolista da Selecção Nacional que, despeitado com a desconsideração sofrida da parte de um colega, declarava publicamente o seu desejo de que os adversários da Selecção ganhassem todos os jogos do campeonato. A palavra mais chocante da Ilíada ocorre logo no segundo verso do poema, ao falar-se da cólera de Aquiles que tantas mortes causou aos GREGOS (Aqueus). Então o seu dever como soldado não era causar a morte de Troianos? Que opinião teríamos nós de um futebolista que só marcava auto-golos para favorecer o adversário?

Como se vê, os problemas que estão em causa na Ilíada são complexos. Não nos permitem dar respostas fáceis. Porquê? Porque o ser humano é o que é. Não deixa de ser significativo que as únicas personagens masculinas que nos suscitam admiração no poema morrem: Pátroclo e Heitor. Por outro lado, que deslumbramento nos suscitam as personagens femininas! Andrómaca, Hécuba, Helena. Cada uma delas um milagre de caracterização viva, verosímil e (sobretudo) humana. Quando ouvimos Andrómaca na Ilíada, pensamos que afinal o ser humano sempre presta para alguma coisa.

A Odisseia tem, em comum com a Ilíada, o facto de as personagens mais admiráveis serem femininas (Penélope, Nausícaa, Calipso). Odisseu é, sem dúvida, um homem de grande inteligência, mas dificilmente veríamos neste rei das mentiras um paradigma moral a seguir. O poema encanta-nos pela arte da narrativa e pela naturalidade com que situações extremas e situações comezinhas se seguem umas às outras em catadupa vertiginosa. A história narrada tem uma força simbólica esmagadora, porque todos nós desejamos a nossa Ítaca: todos queremos o nosso lugar seguro, em prol do qual estamos dispostos a fazer todos os sacrifícios. A coisa mais bonita que vemos na personagem de Odisseu é essa vontade de regressar a casa: o lugar do casamento com Penélope e o lugar do amor do pai (Laertes) e do filho (Telémaco).

Na Eneida, Vergílio dá também grande realce a Eneias na relação com o pai (Anquises) e com o filho (Ascânio). O amor, no entanto, é um lugar mais inseguro na Eneida: não encontramos o casamento feliz de Heitor e de Andrómaca, nem o de Odisseu e de Penélope. Eneias e Dido conhecem-se quando ambos já são viúvos – e vivem, como é sabido, um amor problemático que traz a morte a Dido e sofrimento continuado a Eneias. Tal como a Ilíada sabota a mensagem militarista por meio de um herói (Aquiles) que não acredita na guerra e manda à m**** o código de honra militar, a Eneida acaba por sabotar a mensagem nacionalista, mostrando quanto é preciso sofrer e morrer para que uma Pátria possa impor-se no mundo através do imperialismo e da submissão forçada de outros povos.

Estes temas, hoje – no nosso mundo em que existe a guerra, em que o imperialismo está mais forte do que nunca, e onde a mentira parece ela própria (graças a «fake news» e «alternative facts») ter-se tornado a Imperatrix Mundi: estes temas, hoje, não podiam ser mais actuais.

E a forma como são tratados na Ilíada, na Odisseia e na Eneida – isto é, com complexidade e com subtileza (em vez da polarização idiota que é o veneno do modo como a realidade é hoje discutida) – é imensamente pedagógica, não só para os jovens que estão prestes a contactar com estas obras na escola e na universidade, como para todo o público em geral. Porque estas epopeias assumem a realidade humana, a realidade política e a realidade histórica como algo que não se pode visualizar em traços simplistas, a preto e branco. As cores da experiência humana são infinitas. A vida é desafiante e complexa. E não há respostas prontas, plastificadas, para nada.

E tudo isso materializado em poesia genial. Haverá leitura melhor?​



E vocês, já garantiram seus épicos para a leitura?
Arranjem qualquer edição/tradução e entrem para o nosso time!
(Só não vale marcar auto-golos, hein? :lol: )
 
A coisa mais bonita que vemos na personagem de Odisseu é essa vontade de regressar a casa: o lugar do casamento com Penélope e o lugar do amor do pai (Laertes) e do filho (Telémaco).

Para mim, a mais bonita é a passagem de Argos.

Hummm... Aquiles.
Acho que já escrevi isso por aqui, mas Aquiles era uma prima-dona. Um pirralho vaidoso e filhinho da mamãe.
Heitor era o verdadeiro herói.
 
Última edição:
Confesso que durante muito tempo eu relutava ler esses clássicos, mas nada que o teatro, esse espaço cênico maravilhoso não abrisse as portas e os olhos.
 

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