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Eu conseguiria me divertir com o assalto constante de beligerância e homoerotismo do mesmo jeito que eu consigo me divertir num show de metal, mas a verdade é que o Zack Snyder é incompetente. O filme funciona de uma forma puramente visceral em
momentos (esp. os momentos onde a sensibilidade fogo-e-enxofre vai ao auge, e música histericamente épica no décimo-primeiro volume acompanha recriações de quadros da HQ em planos em câmera lenta), mas não funciona como um filme, como
narrativa; não tem muito ritmo, suspense ou antecipação, e foi uma adaptação medíocre tanto em termos de excesso de fidelidade à fonte quanto em termos de falta de.
Vamos desenvolver isso; o excesso de fidelidade se torna um problema nas cenas de batalha: na HQ você automaticamente abstrai o minimalismo da arte, completando o que não está sendo mostrado com a própria imaginação, enquanto no filme tanto a obsessão por recriar quadros do original quanto a decisão de filmar tudo em um estúdio pequeno na frente de uma tela azul contribuem pra criar a sensação geral de que você está vendo "os 30 de Esparta" -- a partir do momento em que os espartanos começam a sair da entrada do desfiladeiro pra decepar membros simplesmente não dá pra acreditar que está acontecendo uma batalha ali; não há uma representação visual competente da falange espartana segurando o grande número dos persas, parece que o Xerxes manda só uns 10 soldados de cada vez, número que obviamente dois (2) espartanos podem facilmente trucidar com uma mão (ou duas) nas costas. Novamente, alguns
momentos funcionam, mas em termos de narrativa a coisa é uma bagunça (o que nos leva a...)
A falta de fidelidade, por sua vez, se torna um problema a partir do momento em que grande parte das sensações de progressão de tempo (narrativa? alguém?) e desenvolvimento das personalidades dos soldados é aniquilada pelo descarte de várias cenas em favor da subtrama retardada da Rainha, que foi completamente inútil e me puxava o tempo todo pra fora do filme. Digo, WTF. Cadê as cenas do Dilios contando histórias à luz das fogueiras (certo, alguém resolveu ser esperto e jogar o flashback da infância do Leônidas pro começo do filme)? Cadê a evolução do Stelios (aka Stombo) como soldado? Ao invés disso a gente é obrigado a aturar cenas mal dirigidas envolvendo um político corrupto e a Rainha Gorgo fazendo um discurso constrangedor ("Freedom isn't free OMG!!!!111")
Ironicamente, a parte mais poderosa é o começo, e isso inclui os créditos de abertura, com trovões fazendo o cinema tremer e relâmpagos rasgando a tela, iluminando o logo do filme (sendo que logo em seguida seus ouvidos são martelados pelo que parece ser uma cidade inteira cantando no coral de uma igreja). Esses momentos isolados + a presença de algumas das cenas mais badass da HQ -- como aquela do Leônidas PWNANDO os Árcades ("Spartans, what is your profession?") -- salvam a coisa do desastre, mas definitivamente não foi o suficiente.
P.S.: Alguém me explica quem é esse Raul. Eu não lembro dele na HQ. Obrigado.