Opa! Esqueci, de novo.
Agora, vai!
Uma coisa que vocês já mencionaram e eu, como já fui estudiosa de literatura africana (não consigo dizer que ainda sou. Estou longe da Academia desde 2012, quando defendi o Mestrado), reafirmo: é extremamente difícil termos acesso aos livros dos autores africanos cujas obras são escritas em Língua Portuguesa.
Atualmente, temos, sim, uma quantidade maior de livros do Mia Couto (Moçambique), Luandino Vieira (Angola), Ondjaki (Angola), entre outros, publicados no Brasil. Mas temos outro entrave: a quantidade de autoras africanas publicadas no Brasil ainda é ínfimo. A Paulina Chiziane (moçambicana) também conseguiu a atenção da Companhia das Letras. Mas temos o caso da Orlanda Amarílis (caboverdiana), por exemplo, que tem três excelentes livros de contos, mas não foi publicada no Brasil. Tenho uma amiga que estudou a obra dela, no Mestrado, e teve de lidar com cópias. E ela escreve maravilhosamente bem. O primeiro conto dela que li foi "A Casa dos Mastros", que é poderosíssimo. Fiquei uma semana obcecada por cada detalhe desse conto. Escrevi sobre ele, na iniciação científica. Desde então, minha leitura mudou, bastante. Reli-o, no ano passado, e minha interpretação dele se bandeou por outros caminhos.
No ano passado, vi uma defesa de doutorado, on-line (sim, é o tipo de coisa que fiz durante o isolamento social

; eu acredito que o conhecimento seja um trem lindo demais da conta, e sempre acho bancas divertidamente instrutivas. A MINHA NÃO FOI DIVERTIDA, PORQUE EU ESTAVA MUITO NERVOSA, mas aposto que foi instrutiva para quem tava assistindo hahahahahah) em que a moça fez um diálogo bacana entre os contos: "I Love my Husband", de Nélida Piñon, "A casa dos mastros", de Orlanda Amarílis, e "Marido", de Lídia Jorge. Todos os professores que estavam na banca admiraram a coragem da moça, por escrever uma tese sobre três contos. (Btw, não conheço o conto da Lídia Jorge, mas AMO os outros dois). A ideia da moça foi a de usar a lusofonia como um operador de leitura que articulasse as identidades das personagens femininas subjugadas pela opressão colonial e patriarcal. Nesse ponto, o fato de eu não conhecer o conto da Lídia Jorge me prejudicou, porque eu queria poder fazer a análise das fraturas da subjetividade feminina no país que nos colonizou.
Ah, sim, ainda sobre a dificuldade de termos acesso aos livros dos autores que escrevem literatura africana em língua portuguesa, o livro que analisei na minha dissertação ainda não foi publicado no Brasil. Ele saiu pela Editorial Caminho, em 1999 (ano horrível: morreu João Cabral de Melo Neto e o Galo perdeu o título Brasileiro para o Corinthians

) e nunca que sai outra edição. Também tive de trabalhar com cópia. Aliás, nenhum dos três livros do Suleiman Cassamo tinham sido publicados no Brasil, naquela época. Ele tem um livro de crônicas, um de contos e o romance-novela-palestra, que foi meu objeto de pesquisa. Li os três, mas tudo por cópia. Durante muito tempo, eu vivia caçando na internet, para ver se conseguia comprar
Palestra para um morto, porque sempre me deixou angustiada o fato de eu não ter o livro sobre o qual me debrucei por tanto tempo (eu me apaixonei pelo livro ainda na graduação; minha iniciação científica foi em Literatura Africana). Mas, mesmo que eu tenha encontrado sites que vendessem para o Brasil, quando eu fazia a conversão do Euro para o Real, ficava muito caro, e eu acabava desistindo. Outras vezes, quando eu olhava, estava esgotado.
E eu tenho certeza de que queria falar algo realmente interessante quando me perdi falando sobre a dificuldade de encontrar os livros. Ah, sim: os autores africanos de língua portuguesa foram bastante influenciados pelos nossos autores modernistas. Mas isso também é motivo de querela na Academia; porque nunca se consegue delimitar, ao certo, por qual Modernismo cada autor foi influenciado.
O livro que analisei, por exemplo, tinha um capítulo/ciclo chamado: "Tinha uma mulher no meio
do destino, no meio do destino havia uma mulher". Nesse caso, Suleiman Cassamo pode ter se apropriado ironicamente do poema "No meio do caminho", de Carlos Drummond de Andrade – publicado, inicialmente, em 1928 – não somente para aludir ao fato de que a Beatriz do romance (sim, eu dei um jeito de encontrar um intertexto com
A Divina Comédia, porque eu amo esse livro.
Pedro Páramo foi fácil, porque o Suleiman dedica o romance ao Juan Rulfo), que se chamava Biana, tivesse cruzado o caminho do narrador de
Palestra para um morto, mas sim para questionar a implicação de uma mulher, e não uma pedra, estar no meio do caminho. (eu fiz minhas interpretações malucas na dissertação; falei de subalternidade sem citar teoria feminista, usei apenas o texto que estava analisando e o dicionário de símbolos para sustentar a minha argumentação. Funcionou, mas não sei como. hahahahaha).
Ainda sobre o lance das influências dos escritores brasileiros na literatura africana, é inegável que o Luandino Vieira, que conheceu a literatura de Guimarães Rosa quando estava preso (foi preso político; fez parte do movimento de luta pela libertação de Angola); teve a escrita profundamente influenciada pelo estilo do escritor mineiro. Muitos dos autores africanos que lemos, e costumamos dizer que foram influenciados por Guimarães, foram, mas indiretamente, porque eles foram influenciados pelo Luandino. (Usei a palavra "influenciado" umas mil vezes, mas tô com preguiça de reformular o que escrevi).
Eu vou parar de falar, porque empolguei (acho que ainda amo muito o tema hahahahaha), e tentar sugerir algo que ainda não tenha aparecido no tópico. Tô com preguiça de olhar, se eu repetir alguma indicação, não me odeiem.
Para tentar sugerir obras de gêneros que eu acho que ainda não foram mencionados, tem o
E se Obama fosse africano?, que é um livro de ensaios do Mia Couto. Adoro esse livro, embora minha percepção sobre a oralidade tenha se distanciado, bastante, de muito o que o Mia fala, em alguns desses ensaios. Mas isso é normal; minha percepção sobre a oralidade está bastante diferente da que eu tinha quando falei sobre oralidade na minha dissertação. O livro vale pela tônica poética do Mia Couto, que acaba fazendo com que a leitura dos ensaios seja prazerosa.
Sobre poesia, a maioria dos poetas que fizeram parte dos movimentos pela independência, tem uma quantidade imensa de poemas de cunho político e tudo o mais, mas aí entra a questão da dificuldade de termos essa literatura em mãos. Por outro lado, os poetas contemporâneos, mesmo que timidamente, já aparecem nas prateleiras das nossas livrarias. O Ondjaki, por exemplo, que é bastante conhecido pelos seus maravilhosos romances (
Quantas madrugadas tem a noite e
Os transparentes acho que saíram pela Companhia das Letras), tem o delicioso
Há prendisajens com o xão (o segredo húmido da lesma & outras descoisas), que é um livro de poesias (saiu pela Pallas).
O angolano é apaixonado por Manoel de Barros, e emula, abertamente, o estilo do poeta brasileiro. Quando escreveu o livro, Manoel de Barros ainda era vivo, então, Ondjaki mandou um exemplar para ele, junto com uma carta. A resposta foi bem a cara do Manoel de Barros, mesmo. Ele até falou algo como "há exageros", mas foi bastante gentil. Inclusive, ainda sobre o lance do nosso Modernismo ter influenciado autores africanos, Manoel de Barros disse para Ondjaki: "há em você a consciência plena de que poesia se faz abandonando as sintaxes acostumadas e criando outras. são as palavras que guardam a poesia, não os episódios. palavra poética não serve para expressar ideias - serve para cantar, celebrar".
Uma poeta angolana que é muito maravilhosa, mas que eu acho que tem pouca coisa publicada no Brasil, é a Ana Paula Tavares. É possível comprar
Amargos Como Os Frutos, uma antologia poética, que saiu pela Pallas Editora. Essa mulher escreve maravilhosamente bem, gente. E ler a sua poesia é um exercício para que possamos fugir daquela interpretação caricata que já fazemos, de antemão, da literatura africana: "mãe terra, blá blá blá". Quando digo que é um exercício é porque a interpretação imediata que a gente acaba fazendo é essa, mas se a gente sair da superfície e mergulhar nos poemas dela, consegue ver outros tons interpretativos.
Como eu disse, queria indicar gêneros que ainda não haviam figurado por aqui, né? A Ana Paula Tavares tem um livro de crônicas,
Um rio preso nas mãos, publicado pela editora Kapulana. Sou suspeita para falar porque eu AMO crônicas, mas ela escreve de um jeito único.
Do moçambicano Luís Carlos Patraquim, temos, também de poemas, o livro
O cão na margem, que saiu pela Kapulana. Ainda em Moçambique, a Kapulana também publicou
Sangue Negro, o único livro da Noémia de Sousa, conhecida como "mãe dos escritores moçambicanos".
Ah, eu falei sobre o Luandino Vieira, mas não citei o livro dele que é um clássico da literatura angolana, né?
Luuanda, livro de contos. Depois, eu falo mais sobre o livro (não falarei, agora, porque o post está enorme, e eu sei que vou editá-lo umas mil vezes porque, sempre que for relê-lo, vou encontrar erros). LEMBREM-ME DE FAZER ISSO.
E sobre o Suleiman Cassamo, hoje, diferentemente da época em que eu estava no Mestrado, é possível encontrar um livro dele para comprar no Brasil (não, não o romance que analisei):
O regresso do morto, livro de contos, que também saiu pela Kapulana.
Vou parar, por aqui, com as indicações, porque romance todo mundo já indicou, né?