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"Por que não lemos literatura em língua portuguesa?"

Uma coisa é fato, se não fosse a popularização da Internet, eu não teria lido, ouvido e visto quase nenhum livro, música, filme ou peça de teatro (afinal pra ser totalmente justo não vou me restringir unicamente a leitura pois esse problema está presente nas demais manifestações culturais e artísticas e é sempre interessante também conhecê-las) dos demais países colonizados por Portugal.

Mas ainda assim, eu só tenho acessado a cultura desses países no nosso idioma, porque espontaneamente vez ou outra eu vou atrás, porque se dependesse da escola o estímulo é zero e a nossa mídia de um modo geral pouco ou quase nada estimula permitindo um escasso espaço de divulgação.
 
Fui procurar livros do Vergílio Ferreira, considerado um dos maiores escritores portugueses do século XX. O cara, inclusive, dá nome a um prêmio literário importante por lá. E atualmente parece que não tem nada do cara editado aqui no Brasil.
Vergílio Ferreira e Manuel da Fonseca só encontro em sebos mesmo. Mário de Carvalho e Dulce Maria Cardoso a Companhia publicou alguns, Lídia Jorge e José Cardoso Pires tem pela Record... Sinto falta de ver mais livros da Inês Pedrosa, que a Alfaguara começou, daí veio a Leya e parou. Depois quero ver a Alexandra Lucas Coelho com Deus-dará e terminar A sibila, da Agustina Bessa-Luís. Ah sim, e terminar de colecionar os Herberto Hélder! :lol:
 
Faz sentido, Fúria. :think:
Imagino que existam outros fatores, mas isso que você colocou faz sentido pra mim sim.

Inclusive, você tem uma autora portuguesa como a Dulce Maria Cardoso, que vivia em Angola e quando houve a independência, foi expulsa do país em 1975 junto com cerca de 300 mil portugueses - os chamados "retornados" - que tiveram que regressar a Portugal. Desse ponto de vista, há um vínculo geracional muito próximo.

Outra autora "retornada" que vale a pena é a Isabel Figueiredo, moçambicana.
 
Vergílio Ferreira e Manuel da Fonseca só encontro em sebos mesmo. Mário de Carvalho e Dulce Maria Cardoso a Companhia publicou alguns, Lídia Jorge e José Cardoso Pires tem pela Record... Sinto falta de ver mais livros da Inês Pedrosa, que a Alfaguara começou, daí veio a Leya e parou. Depois quero ver a Alexandra Lucas Coelho com Deus-dará e terminar A sibila, da Agustina Bessa-Luís. Ah sim, e terminar de colecionar os Herberto Hélder! :lol:

Outra autora "retornada" que vale a pena é a Isabel Figueiredo, moçambicana.

Valeu demais pelas dicas, Bruce!
Alguns dos que você citou (Alexandra Lucas Coelho, Inês Pedrosa e Isabel Figueiredo) eu nunca nem tinha ouvido falar. Bom ter essas referências, pra ir atrás depois. :yep:
Do Vergílio, você leu alguma coisa? Recomenda algum em particular?

"A Sibila", da Agustina, vai ser a minha próxima leitura, assim que terminar o livro do Mussa.
 
A Inês Pedrosa tem muita coisa publicada aqui no Brasil já. Eu nunca li mas tenho uns três (da época em que colecionava os Alfaguaras kk). Só não me desfiz ainda porque o Bruce falou bem. Daí fui postergando. :hihihi:
 
entrando no meio da conversa e com preguiça de ler o restante, vou dar meu pitaco mesmo assim.
Dos patrícios só li Valter Hugo Mãe com um livrasso muito bom O filho de mil homens .. só recomendo!!
 
entrando no meio da conversa e com preguiça de ler o restante, vou dar meu pitaco mesmo assim.
Dos patrícios só li Valter Hugo Mãe com um livrasso muito bom O filho de mil homens .. só recomendo!!
Li esse também e gostei bastante.
Dele eu li também o Homens Imprudentemente Poéticos. Assim, eu até gostei, mas não tanto. Aliás, já até despachei esse livro pra troca no Skoob.
 
Não fiz um post com indicações aqui, né? Ainda bem que a minha dissertação de mestrado não é sobre o livro de um autor moçambicano. Ufa!
 
Não fiz um post com indicações aqui, né? Ainda bem que a minha dissertação de mestrado não é sobre o livro de um autor moçambicano. Ufa!

Cadê as indicações? :dente:

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Um livro de que gostei muito foi A Cidade e as Serras, do Eça de Queirós. Comprei, na verdade, porque eu tinha lido há pouco tempo "A Ilusão Americana", do brasileiro Eduardo Prado. E tinha lido em algum lugar que o Eduardo Prado e o Eça eram amigos próximos e que o Jacinto, protagonista do romance, teria sido inspirado nele. Aí, numa dessas, num grupo de Facebook da Faculdade de Direito da Usp, um veterano anunciou que estava vendendo ele. Comprei na hora.

É uma edição da Ateliê Editorial, que eu achei realmente muito boa, com notas de rodapé para termos que caíram em desuso, que facilitaram muito a leitura. Eu gostei muito do livro, foi uma leitura prazerosa, que me descansou e firmei o compromisso de que iria atrás de mais coisas do Eça pra ler. Até hoje não li mais nada dele e, sem ter lido mais nada dele, ando com uma baita vontade de reler A Cidade e as Serras...
 
Cadê as indicações? :dente:
Opa! Esqueci, de novo. :oops:

Agora, vai!

Uma coisa que vocês já mencionaram e eu, como já fui estudiosa de literatura africana (não consigo dizer que ainda sou. Estou longe da Academia desde 2012, quando defendi o Mestrado), reafirmo: é extremamente difícil termos acesso aos livros dos autores africanos cujas obras são escritas em Língua Portuguesa.

Atualmente, temos, sim, uma quantidade maior de livros do Mia Couto (Moçambique), Luandino Vieira (Angola), Ondjaki (Angola), entre outros, publicados no Brasil. Mas temos outro entrave: a quantidade de autoras africanas publicadas no Brasil ainda é ínfimo. A Paulina Chiziane (moçambicana) também conseguiu a atenção da Companhia das Letras. Mas temos o caso da Orlanda Amarílis (caboverdiana), por exemplo, que tem três excelentes livros de contos, mas não foi publicada no Brasil. Tenho uma amiga que estudou a obra dela, no Mestrado, e teve de lidar com cópias. E ela escreve maravilhosamente bem. O primeiro conto dela que li foi "A Casa dos Mastros", que é poderosíssimo. Fiquei uma semana obcecada por cada detalhe desse conto. Escrevi sobre ele, na iniciação científica. Desde então, minha leitura mudou, bastante. Reli-o, no ano passado, e minha interpretação dele se bandeou por outros caminhos.

No ano passado, vi uma defesa de doutorado, on-line (sim, é o tipo de coisa que fiz durante o isolamento social :rofl:; eu acredito que o conhecimento seja um trem lindo demais da conta, e sempre acho bancas divertidamente instrutivas. A MINHA NÃO FOI DIVERTIDA, PORQUE EU ESTAVA MUITO NERVOSA, mas aposto que foi instrutiva para quem tava assistindo hahahahahah) em que a moça fez um diálogo bacana entre os contos: "I Love my Husband", de Nélida Piñon, "A casa dos mastros", de Orlanda Amarílis, e "Marido", de Lídia Jorge. Todos os professores que estavam na banca admiraram a coragem da moça, por escrever uma tese sobre três contos. (Btw, não conheço o conto da Lídia Jorge, mas AMO os outros dois). A ideia da moça foi a de usar a lusofonia como um operador de leitura que articulasse as identidades das personagens femininas subjugadas pela opressão colonial e patriarcal. Nesse ponto, o fato de eu não conhecer o conto da Lídia Jorge me prejudicou, porque eu queria poder fazer a análise das fraturas da subjetividade feminina no país que nos colonizou.

Ah, sim, ainda sobre a dificuldade de termos acesso aos livros dos autores que escrevem literatura africana em língua portuguesa, o livro que analisei na minha dissertação ainda não foi publicado no Brasil. Ele saiu pela Editorial Caminho, em 1999 (ano horrível: morreu João Cabral de Melo Neto e o Galo perdeu o título Brasileiro para o Corinthians :cry: ) e nunca que sai outra edição. Também tive de trabalhar com cópia. Aliás, nenhum dos três livros do Suleiman Cassamo tinham sido publicados no Brasil, naquela época. Ele tem um livro de crônicas, um de contos e o romance-novela-palestra, que foi meu objeto de pesquisa. Li os três, mas tudo por cópia. Durante muito tempo, eu vivia caçando na internet, para ver se conseguia comprar Palestra para um morto, porque sempre me deixou angustiada o fato de eu não ter o livro sobre o qual me debrucei por tanto tempo (eu me apaixonei pelo livro ainda na graduação; minha iniciação científica foi em Literatura Africana). Mas, mesmo que eu tenha encontrado sites que vendessem para o Brasil, quando eu fazia a conversão do Euro para o Real, ficava muito caro, e eu acabava desistindo. Outras vezes, quando eu olhava, estava esgotado.

E eu tenho certeza de que queria falar algo realmente interessante quando me perdi falando sobre a dificuldade de encontrar os livros. Ah, sim: os autores africanos de língua portuguesa foram bastante influenciados pelos nossos autores modernistas. Mas isso também é motivo de querela na Academia; porque nunca se consegue delimitar, ao certo, por qual Modernismo cada autor foi influenciado.

O livro que analisei, por exemplo, tinha um capítulo/ciclo chamado: "Tinha uma mulher no meio
do destino, no meio do destino havia uma mulher". Nesse caso, Suleiman Cassamo pode ter se apropriado ironicamente do poema "No meio do caminho", de Carlos Drummond de Andrade – publicado, inicialmente, em 1928 – não somente para aludir ao fato de que a Beatriz do romance (sim, eu dei um jeito de encontrar um intertexto com A Divina Comédia, porque eu amo esse livro. Pedro Páramo foi fácil, porque o Suleiman dedica o romance ao Juan Rulfo), que se chamava Biana, tivesse cruzado o caminho do narrador de Palestra para um morto, mas sim para questionar a implicação de uma mulher, e não uma pedra, estar no meio do caminho. (eu fiz minhas interpretações malucas na dissertação; falei de subalternidade sem citar teoria feminista, usei apenas o texto que estava analisando e o dicionário de símbolos para sustentar a minha argumentação. Funcionou, mas não sei como. hahahahaha).

Ainda sobre o lance das influências dos escritores brasileiros na literatura africana, é inegável que o Luandino Vieira, que conheceu a literatura de Guimarães Rosa quando estava preso (foi preso político; fez parte do movimento de luta pela libertação de Angola); teve a escrita profundamente influenciada pelo estilo do escritor mineiro. Muitos dos autores africanos que lemos, e costumamos dizer que foram influenciados por Guimarães, foram, mas indiretamente, porque eles foram influenciados pelo Luandino. (Usei a palavra "influenciado" umas mil vezes, mas tô com preguiça de reformular o que escrevi).

Eu vou parar de falar, porque empolguei (acho que ainda amo muito o tema hahahahaha), e tentar sugerir algo que ainda não tenha aparecido no tópico. Tô com preguiça de olhar, se eu repetir alguma indicação, não me odeiem.

Para tentar sugerir obras de gêneros que eu acho que ainda não foram mencionados, tem o E se Obama fosse africano?, que é um livro de ensaios do Mia Couto. Adoro esse livro, embora minha percepção sobre a oralidade tenha se distanciado, bastante, de muito o que o Mia fala, em alguns desses ensaios. Mas isso é normal; minha percepção sobre a oralidade está bastante diferente da que eu tinha quando falei sobre oralidade na minha dissertação. O livro vale pela tônica poética do Mia Couto, que acaba fazendo com que a leitura dos ensaios seja prazerosa.

Sobre poesia, a maioria dos poetas que fizeram parte dos movimentos pela independência, tem uma quantidade imensa de poemas de cunho político e tudo o mais, mas aí entra a questão da dificuldade de termos essa literatura em mãos. Por outro lado, os poetas contemporâneos, mesmo que timidamente, já aparecem nas prateleiras das nossas livrarias. O Ondjaki, por exemplo, que é bastante conhecido pelos seus maravilhosos romances (Quantas madrugadas tem a noite e Os transparentes acho que saíram pela Companhia das Letras), tem o delicioso Há prendisajens com o xão (o segredo húmido da lesma & outras descoisas), que é um livro de poesias (saiu pela Pallas).

O angolano é apaixonado por Manoel de Barros, e emula, abertamente, o estilo do poeta brasileiro. Quando escreveu o livro, Manoel de Barros ainda era vivo, então, Ondjaki mandou um exemplar para ele, junto com uma carta. A resposta foi bem a cara do Manoel de Barros, mesmo. Ele até falou algo como "há exageros", mas foi bastante gentil. Inclusive, ainda sobre o lance do nosso Modernismo ter influenciado autores africanos, Manoel de Barros disse para Ondjaki: "há em você a consciência plena de que poesia se faz abandonando as sintaxes acostumadas e criando outras. são as palavras que guardam a poesia, não os episódios. palavra poética não serve para expressar ideias - serve para cantar, celebrar".

Uma poeta angolana que é muito maravilhosa, mas que eu acho que tem pouca coisa publicada no Brasil, é a Ana Paula Tavares. É possível comprar Amargos Como Os Frutos, uma antologia poética, que saiu pela Pallas Editora. Essa mulher escreve maravilhosamente bem, gente. E ler a sua poesia é um exercício para que possamos fugir daquela interpretação caricata que já fazemos, de antemão, da literatura africana: "mãe terra, blá blá blá". Quando digo que é um exercício é porque a interpretação imediata que a gente acaba fazendo é essa, mas se a gente sair da superfície e mergulhar nos poemas dela, consegue ver outros tons interpretativos.

Como eu disse, queria indicar gêneros que ainda não haviam figurado por aqui, né? A Ana Paula Tavares tem um livro de crônicas, Um rio preso nas mãos, publicado pela editora Kapulana. Sou suspeita para falar porque eu AMO crônicas, mas ela escreve de um jeito único.

Do moçambicano Luís Carlos Patraquim, temos, também de poemas, o livro O cão na margem, que saiu pela Kapulana. Ainda em Moçambique, a Kapulana também publicou Sangue Negro, o único livro da Noémia de Sousa, conhecida como "mãe dos escritores moçambicanos".

Ah, eu falei sobre o Luandino Vieira, mas não citei o livro dele que é um clássico da literatura angolana, né? Luuanda, livro de contos. Depois, eu falo mais sobre o livro (não falarei, agora, porque o post está enorme, e eu sei que vou editá-lo umas mil vezes porque, sempre que for relê-lo, vou encontrar erros). LEMBREM-ME DE FAZER ISSO.

E sobre o Suleiman Cassamo, hoje, diferentemente da época em que eu estava no Mestrado, é possível encontrar um livro dele para comprar no Brasil (não, não o romance que analisei): O regresso do morto, livro de contos, que também saiu pela Kapulana.

Vou parar, por aqui, com as indicações, porque romance todo mundo já indicou, né?
 
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Opa! Esqueci, de novo. :oops:

Agora, vai!

Uma coisa que vocês já mencionaram e eu, como já fui estudiosa de literatura africana (não consigo dizer que ainda sou. Estou longe da Academia desde 2012, quando defendi o Mestrado), reafirmo: é extremamente difícil termos acesso aos livros dos autores africanos cujas obras são escritas em Língua Portuguesa.

Atualmente, temos, sim, uma quantidade maior de livros do Mia Couto (Moçambique), Luandino Vieira (Angola), Ondjaki (Angola), entre outros, publicados no Brasil. Mas temos outro entrave: a quantidade de autoras africanas publicadas no Brasil ainda é ínfimo. A Paulina Chiziane (moçambicana) também conseguiu a atenção da Companhia das Letras. Mas temos o caso da Orlanda Amarílis (caboverdiana), por exemplo, que tem três excelentes livros de contos, mas não foi publicada no Brasil. Tenho uma amiga que estudou a obra dela, no Mestrado, e teve de lidar com cópias. E ela escreve maravilhosamente bem. O primeiro conto dela que li foi "A Casa dos Mastros", que é poderosíssimo. Fiquei uma semana obcecada por cada detalhe desse conto. Escrevi sobre ele, na iniciação científica. Desde então, minha leitura mudou, bastante. Reli-o, no ano passado, e minha interpretação dele se bandeou por outros caminhos.

No ano passado, vi uma defesa de doutorado, on-line (sim, é o tipo de coisa que fiz durante o isolamento social :rofl:; eu acredito que o conhecimento seja um trem lindo demais da conta, e sempre acho bancas divertidamente instrutivas. A MINHA NÃO FOI DIVERTIDA, PORQUE EU ESTAVA MUITO NERVOSA, mas aposto que foi instrutiva para quem tava assistindo hahahahahah) em que a moça fez um diálogo bacana entre os contos: "I Love my Husband", de Nélida Piñon, "A casa dos mastros", de Orlanda Amarílis, e "Marido", de Lídia Jorge. Todos os professores que estavam na banca admiraram a coragem da moça, por escrever uma tese sobre três contos. (Btw, não conheço o conto da Lídia Jorge, mas AMO os outros dois). A ideia da moça foi a de usar a lusofonia como um operador de leitura que articulasse as identidades das personagens femininas subjugadas pela opressão colonial e patriarcal. Nesse ponto, o fato de eu não conhecer o conto da Lídia Jorge me prejudicou, porque eu queria poder fazer a análise das fraturas da subjetividade feminina no país que nos colonizou.

Ah, sim, ainda sobre a dificuldade de termos acesso aos livros dos autores que escrevem literatura africana em língua portuguesa, o livro que analisei na minha dissertação ainda não foi publicado no Brasil. Ele saiu pela Editorial Caminho, em 1999 (ano horrível: morreu João Cabral de Melo Neto e o Galo perdeu o título Brasileiro para o Corinthians :cry: ) e nunca que sai outra edição. Também tive de trabalhar com cópia. Aliás, nenhum dos três livros do Suleiman Cassamo tinham sido publicados no Brasil, naquela época. Ele tem um livro de crônicas, um de contos e o romance-novela-palestra, que foi meu objeto de pesquisa. Li os três, mas tudo por cópia. Durante muito tempo, eu vivia caçando na internet, para ver se conseguia comprar Palestra para um morto, porque sempre me deixou angustiada o fato de eu não ter o livro sobre o qual me debrucei por tanto tempo (eu me apaixonei pelo livro ainda na graduação; minha iniciação científica foi em Literatura Africana). Mas, mesmo que eu tenha encontrado sites que vendessem para o Brasil, quando eu fazia a conversão do Euro para o Real, ficava muito caro, e eu acabava desistindo. Outras vezes, quando eu olhava, estava esgotado.

E eu tenho certeza de que queria falar algo realmente interessante quando me perdi falando sobre a dificuldade de encontrar os livros. Ah, sim: os autores africanos de língua portuguesa foram bastante influenciados pelos nossos autores modernistas. Mas isso também é motivo de querela na Academia; porque nunca se consegue delimitar, ao certo, por qual Modernismo cada autor foi influenciado.

O livro que analisei, por exemplo, tinha um capítulo/ciclo chamado: "Tinha uma mulher no meio
do destino, no meio do destino havia uma mulher". Nesse caso, Suleiman Cassamo pode ter se apropriado ironicamente do poema "No meio do caminho", de Carlos Drummond de Andrade – publicado, inicialmente, em 1928 – não somente para aludir ao fato de que a Beatriz do romance (sim, eu dei um jeito de encontrar um intertexto com A Divina Comédia, porque eu amo esse livro. Pedro Páramo foi fácil, porque o Suleiman dedica o romance ao Juan Rulfo), que se chamava Biana, tivesse cruzado o caminho do narrador de Palestra para um morto, mas sim para questionar a implicação de uma mulher, e não uma pedra, estar no meio do caminho. (eu fiz minhas interpretações malucas na dissertação; falei de subalternidade sem citar teoria feminista, usei apenas o texto que estava analisando e o dicionário de símbolos para sustentar a minha argumentação. Funcionou, mas não sei como. hahahahaha).

Ainda sobre o lance das influências dos escritores brasileiros na literatura africana, é inegável que o Luandino Vieira, que conheceu a literatura de Guimarães Rosa quando estava preso (foi preso político; fez parte do movimento de luta pela libertação de Angola); teve a escrita profundamente influenciada pelo estilo do escritor mineiro. Muitos dos autores africanos que lemos, e costumamos dizer que foram influenciados por Guimarães, foram, mas indiretamente, porque eles foram influenciados pelo Luandino. (Usei a palavra "influenciado" umas mil vezes, mas tô com preguiça de reformular o que escrevi).

Eu vou parar de falar, porque empolguei (acho que ainda amo muito o tema hahahahaha), e tentar sugerir algo que ainda não tenha aparecido no tópico. Tô com preguiça de olhar, se eu repetir alguma indicação, não me odeiem.

Para tentar sugerir obras de gêneros que eu acho que ainda não foram mencionados, tem o E se Obama fosse africano?, que é um livro de ensaios do Mia Couto. Adoro esse livro, embora minha percepção sobre a oralidade tenha se distanciado, bastante, de muito o que o Mia fala, em alguns desses ensaios. Mas isso é normal; minha percepção sobre a oralidade está bastante diferente da que eu tinha quando falei sobre oralidade na minha dissertação. O livro vale pela tônica poética do Mia Couto, que acaba fazendo com que a leitura dos ensaios seja prazerosa.

Sobre poesia, a maioria dos poetas que fizeram parte dos movimentos pela independência, tem uma quantidade imensa de poemas de cunho político e tudo o mais, mas aí entra a questão da dificuldade de termos essa literatura em mãos. Por outro lado, os poetas contemporâneos, mesmo que timidamente, já aparecem nas prateleiras das nossas livrarias. O Ondjaki, por exemplo, que é bastante conhecido pelos seus maravilhosos romances (Quantas madrugadas tem a noite e Os transparentes acho que saíram pela Companhia das Letras), tem o delicioso Há prendisajens com o xão (o segredo húmido da lesma & outras descoisas), que é um livro de poesias (saiu pela Pallas).

O angolano é apaixonado por Manoel de Barros, e emula, abertamente, o estilo do poeta brasileiro. Quando escreveu o livro, Manoel de Barros ainda era vivo, então, Ondjaki mandou um exemplar para ele, junto com uma carta. A resposta foi bem a cara do Manoel de Barros, mesmo. Ele até falou algo como "há exageros", mas foi bastante gentil. Inclusive, ainda sobre o lance do nosso Modernismo ter influenciado autores africanos, Manoel de Barros disse para Ondjaki: "há em você a consciência plena de que poesia se faz abandonando as sintaxes acostumadas e criando outras. são as palavras que guardam a poesia, não os episódios. palavra poética não serve para expressar ideias - serve para cantar, celebrar".

Uma poeta angolana que é muito maravilhosa, mas que eu acho que tem pouca coisa publicada no Brasil, é a Ana Paula Tavares. É possível comprar Amargos Como Os Frutos, uma antologia poética, que saiu pela Pallas Editora. Essa mulher escreve maravilhosamente bem, gente. E ler a sua poesia é um exercício para que possamos fugir daquela interpretação caricata que já fazemos, de antemão, da literatura africana: "mãe terra, blá blá blá". Quando digo que é um exercício é porque a interpretação imediata que a gente acaba fazendo é essa, mas se a gente sair da superfície e mergulhar nos poemas dela, consegue ver outros tons interpretativos.

Como eu disse, queria indicar gêneros que ainda não haviam figurado por aqui, né? A Ana Paula Tavares tem um livro de crônicas, Um rio preso nas mãos, publicado pela editora Kapulana. Sou suspeita para falar porque eu AMO crônicas, mas ela escreve de um jeito único.

Do moçambicano Luís Carlos Patraquim, temos, também de poemas, o livro O cão na margem, que saiu pela Kapulana. Ainda em Moçambique, a Kapulana também publicou Sangue Negro, o único livro da Noémia de Sousa, conhecida como "mãe dos escritores moçambicanos".

Ah, eu falei sobre o Luandino Vieira, mas não citei o livro dele que é um clássico da literatura angolana, né? Luuanda, livro de contos. Depois, eu falo mais sobre o livro (não falarei, agora, porque o post está enorme, e eu sei que vou editá-lo umas mil vezes porque, sempre que for relê-lo, vou encontrar erros). LEMBREM-ME DE FAZER ISSO.

E sobre o Suleiman Cassamo, hoje, diferentemente da época em que eu estava no Mestrado, é possível encontrar um livro dele para comprar no Brasil (não, não o romance que analisei): O regresso do morto, livro de contos, que também saiu pela Kapulana.

Vou parar, por aqui, com as indicações, porque romance todo mundo já indicou, né?

+Karma simbólico. Um post pra ser emoldurado.

Muitíssimo obrigado por esse post, @Melian ! Sensacional. Isso é um cardápio de referências, para ir atrás. Com certeza voltarei a esse seu post diversas vezes pra saber atrás de que escritores eu devo ir.

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Em outros assuntos, comprei O Retorno, da Dulce Maria Cardoso. Vinha monitorando. Me apavorei porque de repente ficou indisponível de uma só vez na Amazon, no Submarino e na Americanas. Daí comprei direto da editora Tinta da China.
 
O que seria dessa cultura lusófona se não fosse a Cléo carregando nas costas?

Vou procurar por algo da Ana Paula Tavares e Noémia de Sousa! Já tinha ouvido vagamente falarem da segunda
 
Verifiquei no skoob que tem um livro disponível para troca do Luís Carlos Patraquim, que a @Melian citou: "O osso côncavo e outros poemas", lançado pela editora Escrituras. Não vou solicitá-lo, então: fica a dica pra quem quiser. :g:
 
Tava lembrando, aqui, dum trem que eu queria ter falado no meu post: cês sabiam que, em língua ronga, o nosso clássico "Era uma vez" se diz "Karingana ua karingana"?
 

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