Alice Munro ganha o Prêmio Nobel de Literatura
A escritora canadense
Alice Munro foi anunciada hoje como a nova ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura. Aos 82 anos, a contista já havia ganhado prêmios como o Man Booker, o Giller e o Trillium Book Award.
Jonathan Franzen, em ensaio sobre a escritora, disse: “[Munro] não é uma golfista treinando uma tacada. Ela é uma ginasta de collant preto, sozinha no chão liso, superando todos os romancistas com seus trajes chamativos, chicotes, elefantes e tigres.”
Em crítica sobre
O amor de uma boa mulher, lançado pela Companhia das Letras em maio deste ano, o
crítico da Folha Luiz Bras disse: “Alice Munro certamente pertence à linhagem de escritores como Tchekhov e Virginia Woolf, mestres da intimidade doméstica, da elipse e do desenlace indefinido. A única diferença é que em suas histórias o niilismo e o puritanismo jamais triunfam.”
Em junho deste ano, ela disse ao
National Post que provavelmente não escreveria mais. De suas obras, a Companhia das Letras também publicou
Fugitiva e
Felicidade demais.
Dear Life, seu livro mais recente, será publicado em novembro.
Leia abaixo o conto “As crianças ficam”, retirado de
O amor de uma boa mulher.
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As crianças ficam
Por Alice Munro
Trinta anos atrás uma família passava as férias na costa leste da ilha de Vancouver. Um casal ainda jovem com suas duas filhas pequenas e um casal mais velho, pais do marido.
O tempo estava perfeito. Todas as manhãs iguais, os primeiros raios puros de sol varando os galhos altos e espantando o nevoeiro sobre as águas paradas do estreito de Georgia. Com a maré baixa, surge uma grande extensão de areia ainda úmida sobre a qual é fácil caminhar, como cimento prestes a secar. Na verdade, a maré ultimamente tem baixado menos; a cada manhã a área de areia encolhe, mas, de todo modo, é ainda bem ampla. As mudanças na maré são matéria de grande interesse para o avô, embora nem tanto para os demais.
Pauline, a jovem mãe, realmente não gosta tanto da praia quanto da estrada que corre atrás dos chalés por um quilômetro e meio, até chegar à margem de um pequeno rio que desemboca no mar.
Não fosse pela maré, seria difícil lembrar que se tratava do mar. Do outro lado das águas se erguem as montanhas que formam o paredão ocidental do continente norte-americano. Esses montes e picos, agora visíveis em meio à névoa enquanto Pauline empurra o carrinho de sua filha ao longo da estrada, também interessam ao avô e a seu filho, Brian, que é o marido de Pauline. Os dois estão sempre tentando decidir o que é o quê. Quais daquelas formas são de fato montanhas continentais e quais são elevações improváveis das ilhas que ficam diante da costa. É difícil dizer com certeza quando o conjunto é tão complicado e a distância de seus componentes se altera com as mudanças da luz ao longo do dia.
Mas, entre os chalés e a praia, há um mapa protegido por uma lâmina de vidro. Pode-se olhar o desenho, depois a paisagem à frente e mais uma vez o desenho até esclarecer tudo. O avô e Brian fazem isso todos os dias, em geral iniciando uma discussão, embora se devesse imaginar que haveria pouca margem para dúvida com o mapa bem ali. Brian alega que o mapa não é exato. Mas seu pai não admite críticas a nenhum aspecto daquele lugar, que foi sua escolha para as férias. O mapa, assim como as acomodações e o tempo, é perfeito.
A mãe de Brian não olha o mapa. Diz que atrapalha sua cabeça. Os homens riem dela, aceitam que sua cabeça é atrapalhada. O marido acredita que isso é porque ela é uma mulher. Brian acredita que é porque ela é sua mãe. A preocupação permanente dela é saber se alguém já está com fome ou com sede, se as crianças estão usando os chapéus de sol e o protetor solar. E o que é essa mordida estranha no braço de Caitlin, que não parece ter sido feita por um mosquito? Ela obriga o marido a pôr na cabeça um chapéu mole de algodão e acha que Brian deveria fazer o mesmo — lembrando como ele passou mal por causa do sol naquele verão em que foram para o Okanagan quando ele era pequeno. Às vezes Brian lhe diz: “Ah, mamãe, fecha o bico”. O tom é na essência carinhoso, mas o pai lhe pergunta se ele acha que agora pode falar desse jeito com a mãe.
“Ela não se importa”, diz Brian.
“Como é que você sabe?”, pergunta o pai.
“Ah, pelo amor de Deus”, diz a mãe.
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Clique aqui para ler o conto na íntegra.]
http://www.blogdacompanhia.com.br/2013/10/alice-munro-ganha-o-premio-nobel-de-literatura/