Não estou dizendo que creio ou não creio. Afinal, as coisas não precisam que creiamos nelas para que elas existam.
Exato.
Mas uma aparição de um "santo" seria uma manifestação dele/a? Ele escolheria aparecer? Se ele escolhe, voluntaria e deliberadamente aparecer, pq eles não poderiam utilizar essa vontade para algo além de "aparecer"?
Se tivesse lido algo sobre o assunto saberia que todas as revelações e aparições, quando são legítimas (ou seja, quando não são fraudes ou ilusões demoníacas), comportam a finalidade de outorga de uma determinada missão ao receptor ou um sinal de suas avançadas capacidades noéticas (espirituais).
É só um questionamento, não uma "crítica" a quem crê ou não nesses "santos".
Não, filha, não é um questionamento. Isso É uma crítica à doutrina da comunhão dos santos, a própria forma como você se refere aos santos é uma crítica. E não há nada de errado nisso, você tem todo direito de duvidar e de criticar racionalmente doutrinas, então, não entendo essa hipocrisia estúpida de dizer que não está criticando nada, de que aceita tudo. Não, você NÃO aceita tudo, aliás, existem coisas que lhe são claramente inaceitáveis e você está SIM criticando.
O que não tem nada de errado, aliás. Desde que haja respeito e proporcionalidade.
De resto, a visão dos santos católicos, segundo o que o Calion falou, seria algo semelhante aos que houvessem atingido a qualidade de não mais precisar reencarnar - embora na visão do Calion elas reinassem ao lado de Deus e eu já não creio num Deus pessoal... se for dessa forma, eu creria nesses "santos", mas não da maneira que um católico crê pq não acredito que pra isso precisa de canonização.
Essa raciocínio é parcialmente correto. A 'reencarnação' inexiste nas religiões tradicionais do Ocidente, existe metempsicose, que é uma herança de energias anímicas, psíquicas, não espirituais. A antropologia tradicional fala que o homem, no estado corporal de manifestação, é composto de
corpo (que forma sua individualidade material, a mais grosseira),
alma (que forma sua individualidade psíquica, mais etérea) e de
espírito (forma pura do ser, que transcende sua individualidade corpórea e até os traços psíquicos).
O que os antigos diziam que era a metempsicose era a herança que homens (cujo espírito era único na terra, jamais um retorno de uma existência anterior, visto que esse 'retorno' não existia) recebiam de seus genitores e através de influências diversas do mundo 'intermédio', mas são traços igualmente intermédios, não são corpóreos mas não são espirituais também, são aquilo que os hindus chamavam de 'pitri yana', o caminho da lua, o caminho pelo que as almas reencarnavam, isto é, a parte etérea do ser que se relacionava essencialmente com as energias telúrico-lunares, o aspecto substancial da manifestação. Coisa muito diferente é o 'deva yana', o caminho do sol, a estrada pela qual seguia o espírito, o caminho do Sol, das energias celestes e puramente divinas, imóveis, transcendentais, jamais para uma reencarnação, mas para uma reabsorção no Um primordial ao longo das purificações de seus restos psíquicos. É uma segunda morte (como a das iniciações) que, assim como a primeira morte limpa a alma do corpo, que retorna à Terra, dessa vez limpa o espírito da alma, que retorna à Lua, ou seja, ao aspecto do devir, das mutações e desenvolvimentos cósmicos relativos e dependentes da manifestação. Assim o espírito, livre e purificado, o atman se une ao Brahman primordial.
Isso se encontra desenvolvido praticamente da mesma forma no neoplatonismo.
O cristianismo não apresenta um 'caminho da Lua', a não ser de forma muito relativa, mas um 'caminho do Sol' pela sua própria negação da permanência de influências psíquicas na Terra, e ensina que a santificação (que não é 'dada' pela canonização, no Oriente ortodoxo, em vez disso a Igreja Ortodoxa apenas 'glorifica' homens em que a consciência da coletividade dos fieis atesta sinais inegáveis da presença de Deus na vida e nas obras) é o caminho de purificação das paixões, a guarda do coração, a iluminação e a união mística com Deus em Suas divinas energias incriadas através de toda forma de ascese e ritos.
O motivo do porquê do cristianismo privilegiar quase até a exclusividade a forma da espiritualidade do 'Sol' em vez da da 'Lua' está diretamente relacionado com as transformações que sofreu a religião hebreia primitiva, com as reformas legislativas monoteístas de Moisés, a chamada à conversão e teologia da 'santidade de Deus' dos profetas pós-exílicos, até o desenvolvimento de uma escatologia que absorveu diversos momentos espirituais do Oriente e Ocidente antigo, como o messianismo, a pureza ritual semita, a gnose pré-kaballística, culminando na revelação suprema em Jesus Cristo, a mensagem pura dos Apóstolos e seu desenvolvimento em diálogo com a cultura helênica tardia pelos escritos abundantes e deificantes dos Santos Padres da Igreja do primeiro milênio. Estamos falando de uma 'evolução' extremamente complexa da religião, de alterações profundas, de uma série de processos de trocas, mutações, absorções, reintegrações e homologações simbólicas, místicas, espirituais que caracterizam a 'história' da dialética do sagrado do cristianismo e do judaísmo pré-cristão e rabínico. Existem inúmeros livros, ensaios, monografias, obras de teologia, fenomenologia e histórias das religiões, isso mal pode ser tocado em um fórum de internet.
Ainda mais complexa é a noção de 'Deus pessoal'. Nem o judaísmo rabínico crê em um Deus pessoal, a ideia de Deus enquanto pessoa seria abominável mesmo nos tempos de Salomão. A 'pessoa' de Javé é produto de uma história longa e sofrida de mutações e desenvolvimentos e tradições textuais e mitológicas em diálogo com diversas outras 'formas religiosas'.
O cristianismo mesmo crê em um Deus tri-pessoal, uma Deus em três hipóstases (mal traduzido como 'persona') com uma história teológica e dogmática extremamente conturbada.
Então pq tanta gente briga pra tentar "impor" a sua?
Não falo de discussões num fórum, como fazemos aqui, mas de pessoas que "matam e morrem" por causa disso. É complicado qdo a coisa chega nesse nível.
Isso não tem absolutamente nada a ver com o assunto, tem a ver com as paixões dos homens que tentam perverter doutrinas outrora puras com seus egocentrismos, manipulações pseudo-políticas, imoralidade e satanismo ingente. Esse é um dos motivos do Cisma de 1054 que separou as Igrejas Ortodoxas Orientais da Igreja Romana, como de tantos outros fatos deploráveis. Esse assunto é tudo, menos simples.