Eu ando vendo uma pancada de coisas, mas quero comentar sobre:
Narciso Negro (Powell & Pressburger, 1947) - 69
A fita de vídeo tava com uma qualidade bem baixa, as cores um pouco lavadas e murchas, a imagem semi-embaçada, etc. Mas eu imagino que, mesmo com uma VHS perfeita (ou até um DVD), o poder total desse filme só viria à tona num cinema, onde a fotografia, a direção de arte e as cores ferventes podem ser realmente apreciadas. Cada plano é como uma pintura, meticulosamente iluminado e organizado. O filme é aclamado como um dos filmes mais belos de todos os tempos, e eu suspeito que essa afirmação está provavelmente certa. Mas por enquanto eu fico só na suspeita. Sobre o resto do filme: é sobre um convento instalado nas montanhas do Himalaia, trazendo trabalho, hospital e educação para um povo primitivo, ainda intocado por ciência ou razão, ainda crente em misticismo e espiritualismo: um "homem sagrado" que vive sentado no topo de uma montanha, meditando, e é respeitado pela população toda, e a crença da população que a religião das freiras é apenas uma forma diferente de mágica. Um outro personagem no filme é um "caseiro" que vive nas montanhas, semi-cínico e relaxado, desligado dos ensinamentos das freiras e do misticismo dos povos, procurando apenas aproveitar do ambiente em formas de entretenimento pessoais (não fica claro se ele acredita em Deus, mas é provável que sim, de um jeito distante). Entre o misticismo e o ceticismo ficam as freiras, numa posição desconfortável, e é daí que os conflitos e problemas (e críticas de Powell & Pressburger) nascem. Elas acham o misticismo uma inconveniência -- pedem pra remover o Homem Sagrado da propriedade delas, mas não sabem o que fazer; recusam pacientes em estados graves, por medo deles morrerem e serem acusadas de causarem a morte, sendo excluídas ou ignoradas da sociedade -- e também acham ruim o jeito casual que o caseiro trata a religião -- ele diz que o nome de Jesus Cristo devia ser mais mencionado casualmente, e a freira fica indignada. Quando as freiras chegam, o caseiro pergunta "Vocês são dos tipos que ficam sentadas orando e meditando o dia todo?" e a freira responde "Não, de forma alguma." Elas põe a ênfase no trabalho, as vezes de forma hilária -- "Work! Work them hard!" -- e no que é prático. Não é uma crítica só as freiras, mas a qualquer tipo de religião ou Igreja que evita tanto a "mágica" da religião quanto a decisão em ignorá-la, como o jeito formal que a religião é vista hoje em dias pelas pessoas, como uma visita periódica ao médico, etc. Ainda há outras coisas, como um príncipe que quer participar na educação do convento (que é "só pra mulheres), repressões sexuais de várias freiras, inconformismo, um senso de humor afiado, revolta, e um terceiro ato mais sombrio e tenso. Não há duvidas de que a nota pode subir uns 10 ou 15 pontos caso eu consiga ver isso numa qualidade decente, mas até lá...
PS: Todo mundo que gostou de "Aguirre" ou "Fitzcarraldo" deve alugar e assistir "A Costa do Mosquito", do Peter Weir, de 1986, estrelando o Harrison Ford. É uma obra-prima, mais complexo que os dois juntos. Obrigado.