Tópico para discussão da novela escrita em 1912 por Thomas Mann.
Para não deixar o tópico vazio, transcrevo aqui um excelente post sobre a novela escrito pelo Alfredo Monte:
E gostaria de deixar esse maravilhoso post do Ademir Luiz sobre a polêmica entre Thomas Mann e Otto Maria Carpeaux:
http://www.demostenestorres.com.br/posts/literatura/a-polemica-critica-entre-carpeaux-e-thomas-mann
Destaco estas passagens:
E, por fim, gostaria de remeter para esse terceiro texto, uma maravilhosa resenha de Luiz Elias Sanches:
http://www.espacoacademico.com.br/022/22csanches.htm
Para não deixar o tópico vazio, transcrevo aqui um excelente post sobre a novela escrito pelo Alfredo Monte:
Morte em Veneza disse:FONTE: http://armonte.wordpress.com/tag/a-morte-em-veneza/
(resenha publicada, de forma ligeiramente condensada, em A TRIBUNA de Santos, em 01 de fevereiro de 2011)
“Veneza: É um lugar esplêndido, mas para morrer…”
(Virginia Woolf)
Já era tempo de Morte em Veneza ser publicado isoladamente. As edições brasileiras quase sempre o colocavam junto a outros textos menores, principalmente Tonio Kröger (muito bonito, mas aquém do alcance do companheiro), e afinal se trata da maior novela (aquela forma intermediária e imprecisa entre o conto e o romance) do século XX, junto com A metamorfose, de Kafka, esta sim sempre valorizada enquanto peça individual (o incrível é que elas foram escritas no mesmo ano, 1912).
Durante toda sua vida de escritor, Thomas Mann foi obcecado pela idéia da posição duvidosa do artista na sociedade, e a proximidade da criação artística com a doença (não é à toa que o gênio de Adrian Leverkühn, em Doutor Fausto, vem junto com a sífilis): um de seus personagens sente-se um “burguês que se extraviou na arte, um boêmio com saudades do bom berço, um artista de consciência pesada”.
Morte em Veneza dramatiza de forma lapidar essa dicotomia estranha entre ser “respeitável” e ser um “aventureiro da arte” que tanto atormentava o genial alemão: o escritor cinqüentão (no lindíssimo filme de Visconti, transformado em compositor) Gustav Aschenbach, de Munique, apesar do afinco maníaco com que se entrega ao ofício, sente-se morto por dentro. Resolve, então, sair de sua rotina disciplinada e estafante, indo para algum balneário no sul da Europa. Depois de sentir-se insatisfeito em outros lugares, opta pela irresistível Veneza, onde vai impressionar-se com a beleza de um adolescente polonês de 14 anos, Tadzio.
Apaixonado (não se alarmem, leitores que se chocam com a pedofilia, Tadzio é de boa família, não é nenhum garoto árabe do gênero que fez a felicidade de um André Gide; tudo será platônico, cosa mentale), começa a segui-lo por toda a parte, não se decidindo as ir embora da cidade, mesmo ao tomar conhecimento de que uma peste mortal a assola. Após um passeio durante o qual perdeu de vista Tadzio, sentindo-se angustiado e esgotado fisicamente, come morangos (contaminados) para se refrescar e, pouco tempo depois, em plena praia, entra em agonia mortal…
Esqueça o pormenor (sim, é um pormenor) do homossexualismo, leitor, não é por aí, que se compreenderá Morte em Veneza, por mais que os departamentos gays da indústria cultural (com sua insistência nas “obras de gênero”) tentem hipertrofiar a questão, e mesmo que agora se trombeteie que Mann—um senhor casado e que teve seis filhos—sentia atração por jardineiros, ascensoristas e mensageiros. Mesmo assim, enquanto dono do seu imaginário artístico, para ele a beleza pessoal era mais importante do que a identidade de gênero. E depois, e sobretudo, Tadzio, com sua beleza, exerce mais do que uma banal sedução erótica: mais que um “lolito”, é o anjo da morte que conduz, no final da história, Aschenbach, aquele que trabalha incessantemente (e por isso não tem uma “vida”) para criar formas artísticas perfeitas e domesticar o caos, para o mar, o outro pólo poderoso da narrativa: “…amava o mar pela necessidade de repouso do artista exausto que, assediado pela multiformidade das aparências, anseia por abrigar-se no seio da simplicidade, da imensidão, e por um pendor proibido, diametralmente oposto à sua tarefa epor isso mesmo tentador, para o indiviso, o desmedido, o eterno, para o nada. Repousar na perfeição é o anseio nostálgico daquele que se esforça para alcançar a excelência; e o nada não é uma forma de perfeição?”
Assim, Aschenbach, que vagara por Veneza atordoado por Eros, não sabia que ele o estava conduzindo para o reino do nada. A beleza encarnada num corpo humano jovem serve como perverso portal para o reino onde não existem formas.
Derrota para Aschenbach, vitória absoluta para Thomas Mann, que, aos 37 anos, criou uma de suas obras-primas supremas, e a mais famosa hoje em dia. Mesmo quem não tem paciência de ler A montanha mágica ou Doutor Fausto se encanta com a precisão lapidar dessa dança da morte.
E gostaria de deixar esse maravilhoso post do Ademir Luiz sobre a polêmica entre Thomas Mann e Otto Maria Carpeaux:
http://www.demostenestorres.com.br/posts/literatura/a-polemica-critica-entre-carpeaux-e-thomas-mann
Destaco estas passagens:
(...)
“Que e que a gente admiraem Thomas Mann? O pensador, o escritor, o alemão. Dizem-no um pensador profundo, um escritor de primeira ordem, e a encarnação de tudo o que foi honesto e admirável no homem alemão. Na verdade, Thomas Mann é um pensador confuso, é o maior dos escritores de segunda ordem, e a alemanidade não é a essência de ser, mas o amor infeliz dum bastante fraco herói de tragédia”. (Carpeaux, 1999. p. 252.)
Será possível? Carpeaux se refere mesmo a Thomas Mann? O Mann amado e conhecido por todos! Não será um Mann de menor estatura? Um Golo ou um Klaus? Afinal, trata-se de uma família numerosa. Muitos escritores! Não é possível que seja o Thomas, justo o Thomas!? O orgulho da família! Fala do Mann que com pouco mais de vinte anos, mostrando uma gigantesca maturidade em vista da pouca idade, escreveu a saga “Os Buddenbrooks”? Fala do Mann que escreveu “A Morte em Veneza”, simplesmente uma das mais perfeitas narrativas em língua alemã? Fala do Mann que produziu umas das mais ricas reflexões acerca do mundo entre as duas grandes guerras, em “A Montanha Mágica?” Fala do Mann que deu uma aula de egiptologia no monumental romance em quatro volumes “José e Seus Irmãos”? Fala do Nobel de Literatura de 1929? Se for dele que fala, Carpeaux só pode estar louco? Justo ele, um homem de tanta visão! Isto não pode mesmo estar certo!
(...)
Ainda mais porque neste mesmo livro Carpeaux observa que a obra artisticamente mais perfeita de Mann é “A Morte em Veneza”, de 1912, onde ele trata de seu tema preferido, presente tanto em “Buddenbrooks” quanto em “Tônio Krueger”: a relação entre a arte do artista e a doença do artista, em um contexto burguês que não o reconhece. Carpeaux insiste inclusive que “A Morte em Veneza”, “é perfeita, não só pelo estilo mas também pelo esgotamento do tema; de modo que o autor, depois disso, não teria de acrescentar mais nada”. Não foi o que aconteceu. É inegável que em cores mais trágicas e metafóricas “Doutor Fausto” retoma o assunto. Mas, em termos de estilo e tema, o longo romance não superou a curta novela.
(...)
Mann tornou-se uma espécie de personagem vivo, representante moral de muito do século XX. Não um personagem comum, mas um personagem trágico. Semelhante, mas muito superior ao escritor tarado Gustav Aschenbach, de “A Morte em Veneza”, fadado desde o início a um fim inglório, patético. Aproxima-se mais de um tipo da estirpe de Adrian Leverkuhn, o seu Fausto particular. Com a diferença de que não escondeu sua produção em uma vilazinha qualquer. Ao contrário, salvou-se através dela, dando-a de forma planejada ao mundo a ponto de se tornar um fetiche global.
E, por fim, gostaria de remeter para esse terceiro texto, uma maravilhosa resenha de Luiz Elias Sanches:
http://www.espacoacademico.com.br/022/22csanches.htm