Jorge Leberg
Palavras valem por mil imagens
Retornarei amanhã à Odisséia - tinha interrompido a leitura por causa deste livro sobre o qual explanarei agora. Pela primeira vez na minha vida atravancada de diversas incursões literárias, um livro me venceu. E este livro foi nenhum menos que Grande Sertão: Veredas, do mestre mineiro João Guimarães Rosa. Ele não é só um de nossos mais hábeis escritores, considerado pela maioria dos críticos como o maior do séc. XX na literatura brasileira - alguns críticos e leitores até o rivalizam em grandeza ao Machadinho, e isso eu não admito -, mas também um verdadeiro estilista da nossa língua "brasileira", especificamente sertaneja. Através da vida, conhecimentos e interrogações do personagem Riobaldo, um ex-jagunço, Rosa nos transpõe a um universo para muitos desconhecido, o Sertão, exímia simbolização do mundo todo. Riobaldo desvela todas as suas experiências e questionamentos, de todas as ordens e naturezas, incluindo as de cunho moral, metafísico e existencial (a natureza humana e suas intrínsecas manifestações; a existência ou não de Deus e do Diabo, com sentidos até metáforicos; como essas possíveis existências influenciam o homem; outras teses de caráter espiritual, como a reencarnação; etc). A forma como Rosa desdobra uma visão grandiloquente e densa de mundo através de um "simples" sertanejo, exibindo a complexidade de pensamentos e sentimentos que pode estar presente na alma de qualquer ser humano, é monumental. E o que torna a presente obra-prima mais monumental ainda é a linguagem "criada" pelo autor, um desdobramento da nossa língua formado por neologismos construídos a partir da combinação de arcaísmos, vocábulos modernos, estrangeiros e até oriundos dos idiomas clássicos - grego e latim -, gírias e, obviamente, de palavras próprias do vocabulário sertanejo; e ainda por cima com construções sintáticas extremamente "desarranjadas", ordenadas de forma nada convencional. Não é só uma tentativa de captar o palavreado do homem sertanejo da região do norte mineiro - ninguém se expressa dessa maneira -, mas também de edificar o mundo de maneira totalmente inovadora, sem a "ditadura" gramatical ou qualquer outra regra linguística preestabelecida. Um romance autenticamente revolucionário. É justamente isto que complica a leitura do livro, pois é uma linguagem complicadíssima, algumas coisas me foram apreensíveis, outras não. Nunca li algo tão "monstruoso" e diferente na minha vida. Não consegui passar da página 30, e mesmo assim com muito forcejar.
A impressão que obtive do livro foi a de uma iguaria com um sabor exótico, e pode-se dizer até delicioso, mas que não atravessa sua garganta, ou então desce, mas causa logo após uma indigestão. Infelizmente, esse livro não "desceu", ou não foi capaz de ser "digerido" em boa parte pela minha mente. Prefiro voltar ao digerível Odisséia. Logo eu, leitor de Homero, Dante, Cervantes, Shakespeare, Stendhal, Flaubert, Dostoiévski, Machado, Graciliano, Clarice, dentre outros maioriais da literatura, vencido por Guimarães Rosa. O que faz subir mais ainda no meu conceito esse grande escritor, e, claro, a nossa literatura. Mas um dia, antes da doação do meu cadáver a uma faculdade de Medicina, eu ainda hei de ler este livro, nem que eu tenha de trair meus princípios literários, partindo para uma improdutiva leitura dinâmica.
A impressão que obtive do livro foi a de uma iguaria com um sabor exótico, e pode-se dizer até delicioso, mas que não atravessa sua garganta, ou então desce, mas causa logo após uma indigestão. Infelizmente, esse livro não "desceu", ou não foi capaz de ser "digerido" em boa parte pela minha mente. Prefiro voltar ao digerível Odisséia. Logo eu, leitor de Homero, Dante, Cervantes, Shakespeare, Stendhal, Flaubert, Dostoiévski, Machado, Graciliano, Clarice, dentre outros maioriais da literatura, vencido por Guimarães Rosa. O que faz subir mais ainda no meu conceito esse grande escritor, e, claro, a nossa literatura. Mas um dia, antes da doação do meu cadáver a uma faculdade de Medicina, eu ainda hei de ler este livro, nem que eu tenha de trair meus princípios literários, partindo para uma improdutiva leitura dinâmica.