Dando uma passada rápida aqui na Valinor só pra deixar a minha opinião sobre os questionamentos que surgem aos milhares sobre a capacidade do Frodo.
Interessante quando questionam o caráter dele, pois tudo o que ele fez (algo que nenhum outro ser na Terra-média poderia ter feito), deveu-se à sua extrema simplicidade de Hobbit, desapegada a valores comuns que sempre, mais cedo ou mais tarde, acabam inflamando a discórdia e desencadeando atitudes que levam à ruína...
Eu vejo da seguinte forma: um herói é feito, sobretudo, de bons valores, mas não são preponderantes (nenhum valor tem sentido em si mesmo, pois depende do contexto temporal, cultural e das circunstâncias aos quais os valores se prestam). O heroísmo não nasce da individualidade, mas do exercício coletivo, da cooperação e união, na interação de forças. Frodo não teria chegado até Orodruim sem Gollum, no entanto, tbm não teria chegado a encontrar Gollum se não fosse a união da Sociedade no Conselho de Elrond. Pensando ainda mais longe, Frodo não teria encontrado o Anel se Bilbo não tivesse saído naquele longínquo tempo em busca de suas aventuras "inocentes" junto dos anões. E ainda antes disso, Déagol não teria sido morto caso Isildur tivesse jogado o Anel no Fogo do Orodruim. Eu sinto que todos esses acontecimentos que fizeram com que o Anel sempre se mantivesse longe do inimigo estavam traçados antes de acontecerem. Independentemente do livre-arbítrio, pois o mesmo teria a função de mudar os destinos de uma pessoa, mas não dos acontecimentos em si, pois estes sempre, mais cedo ou mais tarde, convergiriam a um destino imutável. Discorrer racionalmente sobre a existência de uma vontade superior para que o Anel caísse sempre nas mãos de portadores passageiros (prevalecendo sobre a vontade de Sauron) até chegar a Frodo, seria uma tarefa complicada, tendo em vista que não se discorre racionalmente sobre uma natureza transcendente à compreensão humana, élfica ou mesmo ainúrica (Valar e Maiar)....
Um herói como Frodo é resultado de fatores externos que interagem com o ser, influenciando-o e mutabilizando-o . É a relação do ser com um estímulo externo que será capaz de, a partir de então, fazê-lo aprender, evoluir, transformar-se ou o oposto disso. Sem o primeiro passo dado por Bilbo ao ser convidado por Gandaf a ser o "ladrão" da jornada em busca do Tesouro sob posse de Smaug, Frodo posteriormente não enfrentaria seus medos ao descobrir a verdade sobre o Anel que Bilbo o legara, não aprenderia, não cresceria internamente através das experiências e, portanto, não teria a seu favor essas combinações de interações/aprendizados com o Anel como meio de discernir as atitudes a serem tomadas , e que construíssem o grande herói que ele passou a ser no final da jornada, independentemente da corrupção que sofreu (tendo em vista que a ação corruptível do Anel não descaracteriza um verdadeiro herói que aprende e se transforma construtivamente, como Frodo ao ter pena de Gollum e, posteriormente, confirmando o seu crescimento característico de grande herói, perdoando Saruman ). Muitas vezes nos esquecemos que um Herói não é feito de atributos acima da capacidade dos seres mais simples. Um Herói não existe por si só, como algo diferenciado de seus semelhantes. NÃO, um herói nasce a partir do momento em que ele enxerga seus semelhantes, e os vê como a si mesmo em busca de um mesmo ideal, a partir de então passa a percorrer o seu curso. Um verdadeiro herói, no contexto da Terra-média, vê no seu semelhante uma inspiração e um motivo para seguir por um mesmo ideal, preconizado pelos povos de bem.
Frodo é o herói perfeito pq vê nos povos livres o único sentimento e motivo dos quais necessita para seguir adiante. Então, traí-los de tal forma a seguir convicções egoístas que dessem ouvidos a si mesmo automaticamente faria de Frodo alguém passível de tornar-se um Fëanor em termos de atitude: egoísta e predisposto a tornar-se um autêntico vilão. As escolhas de Frodo são relevantes sim, mas existem outras questões de pesos maiores. Uma delas é a intenção de uma consciência coletiva. Ainda assim, heróis em suas essências são assim constituídos após aprendizagem sensível através da experiência intensa com o mundo exterior, incluindo aí um aprendizado com o outro lado, o do mal. Aprender com o lado do mal? Exatamente. Através do perdão não apenas se faz um herói definitivo e maior em última instância do que aquele que se constrói através de feitos ou valores insulares; mas através do perdão revela-se a grandeza daquele que sabe que não está em suas mãos o destino das coisas, mas na parte que cabe a todos através da cooperação, e cujo tempo lhes é dado para que dele façam uma escolha importante (lutar sempre em prol de um bem comum). Outros personagens, complexam diversos fatores e relevam vários valores, o que, por meio deles, a ação eficaz acaba sendo incipiente, diferente de Frodo que, por ter uma visão simples da vida, acaba tomando uma atitude bastante óbvia de “se é preciso acabar com o mal e eu não estou impedido de tentar, então o farei”. Muitos outros, sejam homens ou elfos, simplesmente tornam-se vítimas de seus próprios conhecimentos, orgulhos e vaidades, minando o poder da simplicidade da essência da escolha entre o bem e o mal. Outros ponderam se, porventura, a eles eram impostas diversas possibilidades a serem escolhidas, anulando umas às outras. Por isso que Frodo é o grande herói: simplesmente para ele não existem “vários bens e caminhos a serem considerados” na jornada desde que saiu do Condado, escondido e carregando o Um Anel, mas sim um bem maior e mais importante: ter a iniciativa de dizer “Eu levarei o Anel a Mordor”.
Frodo estava disposto a fazer a sua parte até aonde desse, pois as dificuldades da demanda o fizeram sentir que seus valores compartilhados com os povos livres eram as únicas coisas que o mantinham no caminho, pois racionalmente ele sabia que seria inútil tentar destruir uma força maior como a de Sauron. Lembrando o que Gandalf diz: tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado. Bilbo e Frodo são aqueles que representam positivamente como nenhum outro as ações que tomaram em seus tempos, como heróis a serem seguidos, dignos de reverência, respeito e inspiração...pois são personagens que tomaram uma atitude ainda hoje muito discriminada: a pena e o perdão perante o errante (no contexto , Bilbo e Frodo com relação a Gollum e o perdão de Frodo a Saruman ); uma mensagem extremamente atual, num mundo cada vez mais carente de valores realmente significantes e necessários para o bem. Mas suas naturezas simples foram a chave para vencer as aparências do poder. Foi preciso a natureza mais benéfica de todas (a de um Hobbit) para destruir a mais maléfica, a de Sauron. E nisso vemos que, colocando alguém com algum vício, orgulho e complexidade maiores que os de um Hobbit, Sauron teria recuperado o Anel e tudo estaria perdido até a intervenção dos Valar.
Portanto, se não fosse o sentimento de perdão e pena sublime de Bilbo sobre Gollum, que o fez segurar suas mãos antes de tocar a espada para matá-lo e , posteriormente de Frodo sobre o mesmo (o perdão causa incomodo naqueles que só dão ouvidos a si mesmos), não haveria herói, pois Gollum estaria morto e não teria como Frodo e Sam encontrarem o caminho até Mordor naquela vastidão. No entanto, Gollum não pode ser considerado herói (hipótese levantada num outro tópico), pq sua natureza era voltada para um bem pessoal e não coletivo . Os valores de Frodo, e seu perdão através da consciência de que era um ser imperfeito, passível de sofrer os mesmos padecimentos de Gollum, definiram a sorte da Terra-média, ajudaram a moldar o herói dentro de si. A matéria-prima do aprendizado foi semeada por um processo longo no tempo, a começar pela própria derrota de Sauron na Última Aliança....a partir dali, uma série de fatores corroboraram para que o equilíbrio de forças prevalecesse (no caso, o Anel ter ficado longe do alcance de Sauron desde quando Anel escorregou do dedo de Isildur). Mas o fator desencadeador do heroísmo coletivo (o dos povos livres que comprometeram-se a lutar no anonimato) para mim, é tão relevante quanto o heroísmo de um grande personagem dotado de grande sabedoria e força. Nesse sentido, concordo com o Danilo no outro tópico, ao dizer que Frodo era mais herói do que todos os grandes o foram em toda a história da Terceira Era, tendo merecido um lugar no Reino Abençoado, e mais: ele seria considerado um dos grandes entre os grandes , e isso está escrito no livro com todas as letras. Era o maior herói da Terceira Era pq, com sua suposta insignificância diante dos grandes heróis do passado, suportou forças acima de suas próprias capacidades e das capacidades de qualquer humano, elfo e mesmo maia ( Gandalf e Saruman como grandes exemplos). Humanos, elfos e maiar são mais orgulhosos, seguros de suas próprias sabedorias e forças, subestimando suas próprias falibilidades, justamente o contrário de Frodo, que, justamente por temer não ser capaz ( o menos capaz ), foi além pois não se deixou iludir pela sedução dos “valores” materiais que a força do Anel poderia proporcionar-lhe.
A responsabilidade não poderia cair sobre Frodo, pois é de todos que se envolvem com o Anel, mesmo os que foram afetados indiretamente tbm foram responsáveis pelo destino do Anel de certa forma. Eles ajudaram a guiar Frodo e a distrair Sauron, sem o qual nada seria possível. No fim, todos têm sua parte de responsabilidade e heroísmo na história. E se temos de questionar o caráter de alguém, com certeza não devemos fazer com nenhum membro da Sociedade. Frodo é um herói sim, o maior deles na Terceira Era, não somente pelos seus valores, mas pq houve um engrandecimento espiritual intenso devido a situações excepcionais intensas, de carregar um artefato que, no mínimo, causava um mal que dobrava todo ser iludido pelo poder e que subestimava a essência totalmente maligna do artefato. Uma guerra não seria vencida por causa de um herói maior, com poderes e sabedoria acima dos demais, mas antes através da união de todas as forças, sejam elas físicas, intelectuais ou espirituais. E o perdão possibilitou que Frodo deixasse Gollum desempenhar a sua parte. Atitudes eminentes como a do perdão e a pena caracterizam o bom caráter. O perdão enxerga que o mal tbm define os rumos para o bem, ainda que essa idéia pareça contraditória a alguns. O bem e o mal são co-partícipes indissolúveis do resultado da guerra, e é essa interação equilibrada de forças antagônicas o elemento fundamental na criação de um verdadeiro herói e de um vilão. Heróis e vilões não existiriam sem as dificuldades impostas pelos adversários e sem o aprendizado através da atitude de ambos os lados. Se assim fosse, a validade e o significado de heróis e vilões, seriam nulas e, na verdade, inexistentes.