Bolg- filho de Azog
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Olá, caros da ''Valinor'',
Já conheço há muito tempo um certo site de uma leitora de Tolkien, ensaísta e escritora de fanfic norte-americana que usa na Internet o codinome de ''Bellatrys''. Na época de lançamento da primeira trilogia, ela foi muito dura com os filmes, escreveu vários textos e teceu muitas críticas. Eu fiquei tão impressionado com os ''ensaios'' dela que dei início a um projeto de traduzir seus artigos para o Português. Comecei por um dos textos mais curtos, no qual ela discorre sobre o porquê, na opinião dela, o penúltimo capítulo de ''O Senhor dos Anéis'' -- ''O Expurgo do Condado'' -- deveria ter sido incluído nas adaptações. Isso já foi exaustivamente debatido em comunidades online de Tolkien, tanto Brasil como afora, mas achei a perspectiva dela tão interessante que merece ser compartilhada. Especialmente por não ser tão conhecida na fandom brazuca de Tolkien (e nem nas gringas, pelo que conversei com alguns deles). Então, sem mais delongas, segue o texto sobre o Expurgo, que traduzi de meu próprio punho:
Irrelevante e Anticlimático?
O “Expurgo’’ Considerado, para Leitores e Outros
Lendo justificativas antecipadas para a omissão do Expurgo da versão cinematográfica de O Senhor dos Anéis, eu percebi vários temas que se repetem, além do (já em si desonesto) ‘’não há tempo’’. (Eu digo desonesto, porque realmente é uma questão de o quê o diretor considera de suma importância: o roteiro não é entregue pronto para uma adaptação em filme, cravado na pedra, a partir de uma nuvem em cima de uma montanha, afinal de contas.) Uma antipatia similar comum pelo capítulo é demonstrada por alguns que são, fora isso, fãs do original; que o consideram ser, ao menos, ‘’irrelevante’’ ou ‘’anticlimático’’. Então – será um ou o outro?
Longe disso. É a resolução de vários prenúncios na própria trilogia. Originalmente, Frodo (assim como fez o seu tio Bilbo antes dele) reclama de quão indigestos e tediosos todos no Condado são, sobre como eles são tão burgueses e complacentes, e como eles precisam de uma sacudida – algumas vezes ele deseja que eles tivessem que lidar com dragões de verdade para variar!
Então ele parte em sua jornada, e há vislumbres preocupantes de que nem tudo possa estar bem quando eles voltarem para casa – um problema real na Primeira e Segunda Guerras (e eu creio que até voltando aos dias de Roma também) para os soldados, que tinham este sonho de tudo perfeito e preservado para eles quando voltassem, a lanterna na janela e a torta de maça e a família feliz, sem apropriadamente se darem conta de que a guerra iria afetar e mudar a ‘’volta ao lar’’ também.
Um desses foi cortado do filme A Sociedade do Anel: depois do Conselho (muito diferente do Filme, e não só pela razão de cortes), Elrond quer que Merry e Pippin voltem ao Condado caso a Guerra vá mal – ele quer alguns hobbits com conhecimento do mundo exterior, e coragem para tomar atitudes imediatas, e qualidades de liderança. Mas Gandalf o rechaça, e diz que eles devem ir com Frodo se eles realmente querem. Mas isso irá voltar para assombrar a Demanda.
Outro foi o fato de que Sam (assim como Frodo) é convidado por Galadriel para olhar dentro do Espelho, já que ele esteve dizendo que gostaria de ver alguma ‘’mágica élfica’’ – apesar de que ela o avisa que informação pode ser perigosa, você não sabe o que vai ver ou aprender, (uma lição muito boa para a ‘’vida real’’) e que o dom de um Vidente é mais útil quando você não tenta controlar o que a visão te mostra (outra lição útil para a vida real sobre não filtrar as suas informações para te contarem o que você quer).
O que Sam vê no Espelho é sua vizinhança sendo destruída, todas as árvores cortadas, todas as casas escavadas, e o seu pai sendo despejado. Isso dá a ele um momento de crise moral, porque se ele permanecer na Demanda, ele não poderá voltar para casa e ajudar. Mas a visão é real? Nem Galadriel sabe. As coisas que você perscruta na água (ou em bolas de cristal!) podem ser verdadeiras, mas também podem ser futuros alternativos. Quem sabe quais ações vão mudá-las?
Então, em As Duas Torres, Merry e Pippin encontram barris de ervas nos armazéns pessoais de Saruman. São ervas-de-fumo do Condado, da própria vizinhança deles, reconhecíveis pela marca ‘’Hornblower’’ (literalmente marcada, nesta Era) nos barris. Eles só acham que é uma coincidência muito agradável para eles, mas Aragorn, o Guardião, que no livro tem sido um dos guardiões secretos do Condado por muito tempo, fica preocupado com esta ‘’coincidência’’. Mas eles não têm meios de verificar isso (não existem telefones, nem Internet) e não há nada que eles poderiam fazer de qualquer forma, são tempos de ‘’teotwawki’’.
Então, quando tudo está acabado, quando os sobreviventes voltam para casa após a Guerra, eles descobrem que as coisas mudaram no Condado enquanto eles estiveram fora. Saruman escapou de sua prisão domiciliar em Orthanc, e esgueirou-se para seus contatos no Condado – o pessoal que estava ficando rico em função dos contratos de importação/exportação que ele estava combinando para eles poderem vender as ervas fora do Condado. Alguns deles são, na verdade, parentes de Frodo. Enquanto eles estiveram fora, Saruman se colocou como um mini-ditador usando o primo de Frodo, Lotho, como um ‘’hobbit fantoche’’ e transformou o local em um estado policial. Por causa de sua sociedade individualista, desorganizada, e porque eles eram tão complacentes em relação ao mundo exterior, os hobbits que ficaram não tinham noção de como lidar com aquilo.
Lembram de como Elrond quis enviar Merry e Pippin de volta para ter alguns hobbits com uma visão mais ampla e a coragem para tomar atitudes ousadas no Condado, no caso de as coisas irem muito mal na Guerra, de forma a ter alguém ali para tentar tomar as rédeas da situação? Bem, poderia ter sido pior, mas isso é bem terrível para Nossos Heróis. Eles têm que ir lá, montar um movimento de resistência e ensinar seus companheiros hobbits como se organizarem e defenderem a si mesmos, não ficarem parados lamentando o quão ruim as coisas estão ficando, enquanto bandidos de fora, e companheiros hobbits corruptos, transformam a vida em um inferno. Tem muito ali sobre justiça, misericórdia, e não transformar sua terra natal em outra Bósnia, mas mesmo que Saruman tenha sido completamente derrotado e sua Gente Grande mercenária, dispersada, é uma coisa amarga para qual eles voltaram.
Como diz o ditado, ‘’Você não pode voltar para casa outra vez’’.
E o capítulo adiciona um toque bacana de ambiguidade moral* e mais tons de cinza a um livro que já é complicado: ao invés de pensar sobre corrupção e ganância e conquista como algo ‘’de fora’’ e estrangeiro, a província dos Vilões, chegar em casa e descobrir que ninguém é imune, que seus vizinhos podem se vender também, e seu próprio povo é tão vulnerável a algumas tentações como qualquer outro, é um pouco chocante. Mas ao mesmo tempo, permite aos Nossos Heróis demonstrar o quanto eles cresceram, suas novas habilidades de liderança, e as lições que eles aprenderam no mundo de fora devastado pela guerra, e eles demonstram isso posteriormente tomando conta de sua própria terra natal ferida.
Para muitos leitores, este fim agridoce é uma das coisas que faz a trilogia tão forte – ela não termina com um piegas ‘’e eles viveram felizes para sempre’’ Hollywoodiano, mas com um ‘’a vida continua’’, uma nota em aberto. O fato de que Jackson supostamente nunca gostou dele é (para mim) mais uma indicação de que ele simplesmente não entende os livros, o fato de que as questões éticas e o desenvolvimento de personagens são MUITO mais importantes em Tolkien do que grandes cenas de batalha. Mas eu fiquei extremamente desapontada com a maneira que fizeram As Duas Torres, então não estou surpresa que em O Retorno do Rei esta complexidade também foi sacrificada (e seu espaço dado a ainda mais sequencias de batalha inventadas envolvendo CGI).
Eu sei que muitos leitores não gostam do episódio – mas não é para ser agradável. É para ser perturbador. O mundo foi despedaçado: jamais poderá ser totalmente restaurado. Nós fomos queimados nesta guerra: jamais vamos esquecê-la. Isso não é, em seu nível mais fundamental, fantasia, não mais do que Crime e Castigo é fantasia. Fantasia é um final feliz onde tudo o que é ruim é feito, acaba, fica no passado e é esquecido rapidamente. Realidade é quando as consequências de erros passados e de escolhas boas e ruins, todas ecoam em toda parte através das vidas daqueles que vêm a seguir para sempre.
Assim como os personagens em O Retorno do Rei ainda estão ouvindo tais reverberações depois de mais de três Eras do mundo...
*Eu já li uma crítica publicada em antecipação no AICN ((http://www.aintitcool.com/display.cgi?id=16597) que elogia O Retorno do Rei (o filme) por seu absolutismo moral: ‘’Não procure por relativismo moral em O Retorno [do Rei], este não está lá. Nós vemos homens ‘’bons’’ tentando negociar, entender e barganhar com o mal, e eles são esmagados e desprezados ainda mais do que os Orcs que talvez não tenham tido uma chance de escolher,’’ diz o autor – eu presumo que falando do Denethor do filme, pelos spoilers que li – e que também pensa que não só Jackson ‘’agilizou o épico para que as emoções cheguem mais claras’’ mas até que o filme é ‘’uma verdadeira melhora em relação ao livro original.’’ [sic]
Ironicamente, o mesmo crítico acha que isso é um exemplo de uma recusa de imbecilizar e se curvar às convenções de Hollywood, onde, supostamente, o Inimigo jamais é demonizado e os Heróis nada mais são do que puramente santos (todos nós nos lembramos daquele recente sucesso moralmente ambíguo, O Patriota, em que os historicamente documentados hábitos de escravatura sexual e caça-humana do personagem principal foram permitidos para contrastar com os nobres princípios humanistas e o dever atormentado do policial britânico que o opõe... /ironia)
Eu acho que devemos estar lendo versões diferentes de O Senhor dos Anéis, talvez de universos alternativos, porque não parece que o crítico leu o trecho onde Sam indaga as motivações dos Homens Mortos lutando por Sauron, e indaga sobre a família do soldado inimigo, ou onde Sam pondera que ninguém é o vilão em sua própria versão da história deles, nem mesmo Gollum, a si mesmo – e o crítico certamente nunca leu as próprias meditações de Tolkien sobre a natureza do heroísmo, a queda de Frodo, as falhas de Sam, e como nem mesmo Gollum está necessariamente condenado, embora pareça muito ser o caso de fato, porque nós simplesmente não entendemos de fora a natureza da tentação como esta é sentida por outra alma...
Aqui vai o link para o original: http://web.archive.org/web/20090614050032/http://oddlots.digitalspace.net/arthedain/scouring.html
Já conheço há muito tempo um certo site de uma leitora de Tolkien, ensaísta e escritora de fanfic norte-americana que usa na Internet o codinome de ''Bellatrys''. Na época de lançamento da primeira trilogia, ela foi muito dura com os filmes, escreveu vários textos e teceu muitas críticas. Eu fiquei tão impressionado com os ''ensaios'' dela que dei início a um projeto de traduzir seus artigos para o Português. Comecei por um dos textos mais curtos, no qual ela discorre sobre o porquê, na opinião dela, o penúltimo capítulo de ''O Senhor dos Anéis'' -- ''O Expurgo do Condado'' -- deveria ter sido incluído nas adaptações. Isso já foi exaustivamente debatido em comunidades online de Tolkien, tanto Brasil como afora, mas achei a perspectiva dela tão interessante que merece ser compartilhada. Especialmente por não ser tão conhecida na fandom brazuca de Tolkien (e nem nas gringas, pelo que conversei com alguns deles). Então, sem mais delongas, segue o texto sobre o Expurgo, que traduzi de meu próprio punho:
Irrelevante e Anticlimático?
O “Expurgo’’ Considerado, para Leitores e Outros
Lendo justificativas antecipadas para a omissão do Expurgo da versão cinematográfica de O Senhor dos Anéis, eu percebi vários temas que se repetem, além do (já em si desonesto) ‘’não há tempo’’. (Eu digo desonesto, porque realmente é uma questão de o quê o diretor considera de suma importância: o roteiro não é entregue pronto para uma adaptação em filme, cravado na pedra, a partir de uma nuvem em cima de uma montanha, afinal de contas.) Uma antipatia similar comum pelo capítulo é demonstrada por alguns que são, fora isso, fãs do original; que o consideram ser, ao menos, ‘’irrelevante’’ ou ‘’anticlimático’’. Então – será um ou o outro?
Longe disso. É a resolução de vários prenúncios na própria trilogia. Originalmente, Frodo (assim como fez o seu tio Bilbo antes dele) reclama de quão indigestos e tediosos todos no Condado são, sobre como eles são tão burgueses e complacentes, e como eles precisam de uma sacudida – algumas vezes ele deseja que eles tivessem que lidar com dragões de verdade para variar!
Então ele parte em sua jornada, e há vislumbres preocupantes de que nem tudo possa estar bem quando eles voltarem para casa – um problema real na Primeira e Segunda Guerras (e eu creio que até voltando aos dias de Roma também) para os soldados, que tinham este sonho de tudo perfeito e preservado para eles quando voltassem, a lanterna na janela e a torta de maça e a família feliz, sem apropriadamente se darem conta de que a guerra iria afetar e mudar a ‘’volta ao lar’’ também.
Um desses foi cortado do filme A Sociedade do Anel: depois do Conselho (muito diferente do Filme, e não só pela razão de cortes), Elrond quer que Merry e Pippin voltem ao Condado caso a Guerra vá mal – ele quer alguns hobbits com conhecimento do mundo exterior, e coragem para tomar atitudes imediatas, e qualidades de liderança. Mas Gandalf o rechaça, e diz que eles devem ir com Frodo se eles realmente querem. Mas isso irá voltar para assombrar a Demanda.
Outro foi o fato de que Sam (assim como Frodo) é convidado por Galadriel para olhar dentro do Espelho, já que ele esteve dizendo que gostaria de ver alguma ‘’mágica élfica’’ – apesar de que ela o avisa que informação pode ser perigosa, você não sabe o que vai ver ou aprender, (uma lição muito boa para a ‘’vida real’’) e que o dom de um Vidente é mais útil quando você não tenta controlar o que a visão te mostra (outra lição útil para a vida real sobre não filtrar as suas informações para te contarem o que você quer).
O que Sam vê no Espelho é sua vizinhança sendo destruída, todas as árvores cortadas, todas as casas escavadas, e o seu pai sendo despejado. Isso dá a ele um momento de crise moral, porque se ele permanecer na Demanda, ele não poderá voltar para casa e ajudar. Mas a visão é real? Nem Galadriel sabe. As coisas que você perscruta na água (ou em bolas de cristal!) podem ser verdadeiras, mas também podem ser futuros alternativos. Quem sabe quais ações vão mudá-las?
Então, em As Duas Torres, Merry e Pippin encontram barris de ervas nos armazéns pessoais de Saruman. São ervas-de-fumo do Condado, da própria vizinhança deles, reconhecíveis pela marca ‘’Hornblower’’ (literalmente marcada, nesta Era) nos barris. Eles só acham que é uma coincidência muito agradável para eles, mas Aragorn, o Guardião, que no livro tem sido um dos guardiões secretos do Condado por muito tempo, fica preocupado com esta ‘’coincidência’’. Mas eles não têm meios de verificar isso (não existem telefones, nem Internet) e não há nada que eles poderiam fazer de qualquer forma, são tempos de ‘’teotwawki’’.
Então, quando tudo está acabado, quando os sobreviventes voltam para casa após a Guerra, eles descobrem que as coisas mudaram no Condado enquanto eles estiveram fora. Saruman escapou de sua prisão domiciliar em Orthanc, e esgueirou-se para seus contatos no Condado – o pessoal que estava ficando rico em função dos contratos de importação/exportação que ele estava combinando para eles poderem vender as ervas fora do Condado. Alguns deles são, na verdade, parentes de Frodo. Enquanto eles estiveram fora, Saruman se colocou como um mini-ditador usando o primo de Frodo, Lotho, como um ‘’hobbit fantoche’’ e transformou o local em um estado policial. Por causa de sua sociedade individualista, desorganizada, e porque eles eram tão complacentes em relação ao mundo exterior, os hobbits que ficaram não tinham noção de como lidar com aquilo.
Lembram de como Elrond quis enviar Merry e Pippin de volta para ter alguns hobbits com uma visão mais ampla e a coragem para tomar atitudes ousadas no Condado, no caso de as coisas irem muito mal na Guerra, de forma a ter alguém ali para tentar tomar as rédeas da situação? Bem, poderia ter sido pior, mas isso é bem terrível para Nossos Heróis. Eles têm que ir lá, montar um movimento de resistência e ensinar seus companheiros hobbits como se organizarem e defenderem a si mesmos, não ficarem parados lamentando o quão ruim as coisas estão ficando, enquanto bandidos de fora, e companheiros hobbits corruptos, transformam a vida em um inferno. Tem muito ali sobre justiça, misericórdia, e não transformar sua terra natal em outra Bósnia, mas mesmo que Saruman tenha sido completamente derrotado e sua Gente Grande mercenária, dispersada, é uma coisa amarga para qual eles voltaram.
Como diz o ditado, ‘’Você não pode voltar para casa outra vez’’.
E o capítulo adiciona um toque bacana de ambiguidade moral* e mais tons de cinza a um livro que já é complicado: ao invés de pensar sobre corrupção e ganância e conquista como algo ‘’de fora’’ e estrangeiro, a província dos Vilões, chegar em casa e descobrir que ninguém é imune, que seus vizinhos podem se vender também, e seu próprio povo é tão vulnerável a algumas tentações como qualquer outro, é um pouco chocante. Mas ao mesmo tempo, permite aos Nossos Heróis demonstrar o quanto eles cresceram, suas novas habilidades de liderança, e as lições que eles aprenderam no mundo de fora devastado pela guerra, e eles demonstram isso posteriormente tomando conta de sua própria terra natal ferida.
Para muitos leitores, este fim agridoce é uma das coisas que faz a trilogia tão forte – ela não termina com um piegas ‘’e eles viveram felizes para sempre’’ Hollywoodiano, mas com um ‘’a vida continua’’, uma nota em aberto. O fato de que Jackson supostamente nunca gostou dele é (para mim) mais uma indicação de que ele simplesmente não entende os livros, o fato de que as questões éticas e o desenvolvimento de personagens são MUITO mais importantes em Tolkien do que grandes cenas de batalha. Mas eu fiquei extremamente desapontada com a maneira que fizeram As Duas Torres, então não estou surpresa que em O Retorno do Rei esta complexidade também foi sacrificada (e seu espaço dado a ainda mais sequencias de batalha inventadas envolvendo CGI).
Eu sei que muitos leitores não gostam do episódio – mas não é para ser agradável. É para ser perturbador. O mundo foi despedaçado: jamais poderá ser totalmente restaurado. Nós fomos queimados nesta guerra: jamais vamos esquecê-la. Isso não é, em seu nível mais fundamental, fantasia, não mais do que Crime e Castigo é fantasia. Fantasia é um final feliz onde tudo o que é ruim é feito, acaba, fica no passado e é esquecido rapidamente. Realidade é quando as consequências de erros passados e de escolhas boas e ruins, todas ecoam em toda parte através das vidas daqueles que vêm a seguir para sempre.
Assim como os personagens em O Retorno do Rei ainda estão ouvindo tais reverberações depois de mais de três Eras do mundo...
*Eu já li uma crítica publicada em antecipação no AICN ((http://www.aintitcool.com/display.cgi?id=16597) que elogia O Retorno do Rei (o filme) por seu absolutismo moral: ‘’Não procure por relativismo moral em O Retorno [do Rei], este não está lá. Nós vemos homens ‘’bons’’ tentando negociar, entender e barganhar com o mal, e eles são esmagados e desprezados ainda mais do que os Orcs que talvez não tenham tido uma chance de escolher,’’ diz o autor – eu presumo que falando do Denethor do filme, pelos spoilers que li – e que também pensa que não só Jackson ‘’agilizou o épico para que as emoções cheguem mais claras’’ mas até que o filme é ‘’uma verdadeira melhora em relação ao livro original.’’ [sic]
Ironicamente, o mesmo crítico acha que isso é um exemplo de uma recusa de imbecilizar e se curvar às convenções de Hollywood, onde, supostamente, o Inimigo jamais é demonizado e os Heróis nada mais são do que puramente santos (todos nós nos lembramos daquele recente sucesso moralmente ambíguo, O Patriota, em que os historicamente documentados hábitos de escravatura sexual e caça-humana do personagem principal foram permitidos para contrastar com os nobres princípios humanistas e o dever atormentado do policial britânico que o opõe... /ironia)
Eu acho que devemos estar lendo versões diferentes de O Senhor dos Anéis, talvez de universos alternativos, porque não parece que o crítico leu o trecho onde Sam indaga as motivações dos Homens Mortos lutando por Sauron, e indaga sobre a família do soldado inimigo, ou onde Sam pondera que ninguém é o vilão em sua própria versão da história deles, nem mesmo Gollum, a si mesmo – e o crítico certamente nunca leu as próprias meditações de Tolkien sobre a natureza do heroísmo, a queda de Frodo, as falhas de Sam, e como nem mesmo Gollum está necessariamente condenado, embora pareça muito ser o caso de fato, porque nós simplesmente não entendemos de fora a natureza da tentação como esta é sentida por outra alma...
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