Eu entendo, e respeito sua colocação amigo Kainof.
Mas de fato, o usual não é interessante para discussão, como não o era para Vernant, pois, quando uma sociedade, como a helena, cria um mito, isso não significa que eles não o consideraram real, ou que o consideravam real (é essa a idéia de Vernant). A questão é que, como forma de legitimar algo, criam uma "história" que poderia ter ocorrido, e com isso, a legitimação é tradicionalmente mantida. Assim foi feito do uso (mesmo sem um estudo a respeito) dos mitos teutônicos pela Alemanha nazista quando pretendia legitimar sua superioridade racial. O passado glorioso confere status.
Esse conceito é baseado, e assumo minha posição claramente, nos pressupostos dos membros das
Annales e da historiografia que visava as
mentalidades (cuja forma de entender o homem no tempo é indiscutívelmente ampla). Porém, de nenhuma outra forma vejo uma forma não ingênua de tratar essa retomada dos mitos no século XX. Por isso abandonei o
usual, ainda mais estando Tolkien inserido nesse contexto.
A essa problematização que Vernant nos propôs faço menção.
E a esse momento Tolkien estava embuído, de seus preceitos, e de sua mentalidade social. Sendo indissociavél da mesma.
Quanto ao post que visa a Idade Média sombria, bem, Le Goff já o fez categoricamente, mas irei defender aqui seu conceito de "Longa Idade Média", que descaracteriza essa visão de ausência de produção intelectual, e esse conceito de "médio", médio em relação a quê? De fato a resposta dada pelos criadores desse termo (que hoje é
anacrônico, mas não substituível) é: média com relação ao mundo clássico (que era "bom e belo") e entre o renascer desse mundo clássico, o Renascimeto (como instituído por Burckardt no século XIX). Veja bem, essa idéia de retomar o passado clássico, que é aclamada por "renascentistas" e iluministas, considerada "moderna", é nada mais que um idéia
medieval!
O homem medieval vive um momento, considerado por eles mesmo, no âmbito de suas mentalidades, sem cores, indefinido. Estavam eles perante a um momento de sua história, após a criação (um momento glorioso) e a volta de Cristo (outro momento glorioso). Vejam só, é a mesma questão posta por Petrarca no século XV-XVI e pelos iluministas. É essa a questão da "Longa Idade Média", de ideais que nascem antes da queda do Império Romano (Le Goff data século II) e permanecem até o século XIX. Isso mesmo, até o século XIX, onde a "modernidade", e esse sentido de progresso, são nada mais que uma idéia puramente medieval.
As reminiscências estão claras na sociedade, na sua forma ainda calcada em instituições (a família por exemplo) e em muitos
ritos de passagem e "cultos" puramente pertencentes a essa mentalidade medieval.
Por isso a questão histórica, aquém de "colar" ou não, é a colocação clara e racional das ações humanas no tempo. Sem julgamentos morais, mas sim de fato tentando compreender atos passados.
Desta forma, não me parece maneira mas simples de dizer que: Tolkien retoma o mito embuído de uma mentalidade social presente no século XX, que nada mais é que uma reminiscência
medieval de valorização de um "passado glorioso" como forma de legitimar uma
nação (a humanidade acabara de ver Itália [1870] e Alemanha [1871] se unificarem, e após isso, já no século XX uma Guerra Mundial) e, ou, defender-se de um desenfreado "progresso".
Abraços.