Não postei aqui depois que li o livro. Bom, li 'Um retrato' depois e ter lido Dublinenses e o Ulysses, depois os reli com esse livreto no meio. Não foi uma litura fácil, sentia que as coisas não evoluíam na minha cabeça, tudo meio que se atropelava e o pior: eu não conseguia sentir a trajetória da vida de Stephen Dedalus. Isso foi até aqueles momentos-chave como a do teatro (acho que era um teatro) e aquele sentimento de impotência tão característico, depois o sentimento de Stephen pela menina que gostava, culminando na cena da praia, uma das maiores epifanias literárias que vislumbrei. Quase podia sentir o mar ao redor de mim, os penhascos, a certeza de ter atingido uma verdade universal, e seguido o caminho indicado por Deus pra ir me livrando das vestes de carne que impediam minha purificação, então dá essa identificação com o Stephen mas não é uma coisa frequente.
O que se percebe é o fluxo da consciência de Stephen mesmo dando mostras da sua evolução espiritual, seu desprendimento de suas convicções e posturas diversas, a relatividade das coisas que se impõem a ele, as coisas que parecem ocorrer sem eles a sentir como se tivesse se tornado mesmo como um soberano chinês, o primeiro motor imóvel, um ser que superou o próprio devir e a contingência pincelando o mundo que se descortina diante dele e pairando sobre ele, não de forma etérea, mas como a própria substância das coisas. Ele se torna todos em tudo, se despersonaliza mesmo, no mundo, se torna o poeta que tenta criar a 'consciência incriada de sua raça' e eu não consigo mesmo interpretar isso, talvez não seja pra ser entendido, mas vivenciado no ser mais profundo como o que vivenciei com Stephen na praia, aquele pulsar da vida no particular do mundo que se universaliza em algo em mim.
O livro é menos uma história mesmo que a história da história, metahistória, a narração do incriado se manifestando no criado, o Imanifestado que se manifesta. É um Evangelho. Desde a infância cheia de dúvidas, a adolescência e suas inúmeras impotências, a epifania que marca a maturidade, a juventude que se desenrola na prática da superação constante de toda dualidade. Pude então compreender e apreciar melhor Stephen Dedalus no Ulysses.
Hoje reli umas partes do livro... e estranhamente uma das minhas preferidas é a do Calion Alcarinollon. Entendedores entenderão.
Eu acho doentio, é um dos motivos que me fazem questionar tanto o cristianismo ocidental? Quando foi que a doutrina da suprema liberdade do homem, da deificação, da purificação das paixões pela ascese transformadora, pela iluminação pelas energias divinas e tornou essa monstruosidade masoquista, diabólica, repressora? Não sei, mas... tem algo de muito erótico nesse inferno, não?