Como não vai dar pra acabar mais nenhum, lá vai:
O príncipe - Maquiavel
Aqui, cito a obra, mas vale também mencionar os bons prefácios de Fernando Henrique Cardoso, na edição da "Penguin Companhia", e do igualmente sociólogo Carlos Estevam Martins, na edição dos "Pensadores" publicada pela "Nova Cultural", que me situaram no contexto renascentista da Penísula Itálica.
Enquanto o lia, embora devidamente advertido que ali se trataria do que é, não do que deveria ser, julgava: Maquiavel, seu grande filho da puta! Então, devidamente orientado, voltei ao século XV e XVI; voltei para o caos político da Penísula Itálica. Num território confuso, dividido em diversos principados governados à mão de ferro, onde a ascensão ao poder se dá via usurpação e demais mecanismos de conquistas, sendo o carácter dinástico irrelevante - portanto é natural, uma vez que conquistados pela força, que essa força se desloque entre diversos príncipes que almejam o mando, como também é natural que, aquele lançado ao “trono”, se utilize de meios violentos e desumanos para própria preservação no poder. Assim, dividida e perdida em meio à ocupações e desocupações entre fortes personalidades, a Itália se vê carente e impossibilitada da criação de um Estado Central, que seja capaz de edificar um exército próprio e poderoso, encerrando, com isso, as manobras militares e políticas dos governos organizados que disputam a hegemonia na Penísula, como o francês, o espanhol e os membros da Igreja Católica.
Nessa perspectiva, não foi difícil entender as pretensões de Maquiavel. Já pude compreendê-lo de forma mais ampla, não simplesmente como o manual ao déspota.
Os sofrimentos do jovem Werther - Goethe
Confesso que sempre achei esse livro mela-cueca. O li uma única vez, no colegial, e essa impressão foi determinante para fugir de Werther durante anos. Até que, lendo os comentários do Clube da Leitura lá do Meia, tirei-o da estante.
Num romance de pouco mais de cem páginas, num aparente caso de amor não correspondido, encontramos questões que o tornam clássico e atemporal, como essa relação fria e exploratória, denunciada nas páginas pelo seu contraponto, entre homem/natureza; a castração da criatividade que existe no conflito entre indivíduo/sociedade, impedindo a realização de todas as possibilidades humanas; e o amor, força motriz, puro, mas que se contamina pela aparência e falsidade das relações no universo burguês.
Em tempos como os nossos, num contexto que prioriza cada vez mais o insosso número e as frias estatísticas, onde o homem moderno se escraviza pela tecnologia e abraça uma quantidade insalubre de compromissos, solitário em meio a uma multidão que cria e recria anonimatos, distante dos seus e da Natureza, não é de se espantar que o grito de Werther ainda se ouça: uma ideia permanece atual, viva e pulsante enquanto as questões por ela combatidas seguirem impedindo ao homem o gozo completo de suas faculdades.
Gigantes do Futebol Brasileiro - João Máximo e Marcos de Castro
Lendo este livro, Gigantes do Futebol Brasileiro, vemos como, de lúdico, o futebol se tornou um negócio milionário e uma arma política das mais poderosas.
De Friedenreich e Fausto, lutando contra o racismo, cada um a seu modo, num esporte dominado pela elite branca, nas "aldeias" de São Paulo e Rio de Janeiro do início do século passado, a Romário e Ronaldo, símbolos máximos do futebol moderno, milionário e globalizado, os autores tecem um panorama dos últimos 110 anos do esporte mais popular do planeta, puxados pela história pessoal de cada jogador, com seus sucessos e fracassos.
Como cereja do bolo temos os prefácios de Luis Fernando Verissimo e Paulo Mendes de Campos.
Febeapá 1 / Febeapá 2 / Febeapá 3 - Stanislaw Ponte Preta
É lendo FEBEAPÁ que a gente tem a certeza de que Deus é Brasileiro (vá lá, vendo a Ísis Valverde, também). Etâ povinho sortudo, esse nosso! Afinal, foram tantos os mandos e desmandos da "REDENTORA" - também conhecida como Ditadura - que isso daqui era pra ser muito mais bagunçado do que já é.
Li muita coisa sobre o Regime Militar Brasileiro. Muita obra historiográfica, carregada de linguagem acadêmica, que de certa forma limita a função do historiador aos muros universitários e terminam por abrir o mercado para jornalistas, alguns com bons livros, embora com ressalvas, como o Laurentino Gomes e seu
1808, outros com livros escrotos do começo ao fim, como a série
Guia do Politicamente Incorreto da História do Brasil, da América Latina e da Puta que os Pariu... enfim, divaguei. Deixa eu retomar o raciocínio. Como ia dizendo, li muitos historiadores que tratam do período, de modo que Stanislaw complementou a visão metodológica: ali, nas páginas Ponte Pretanas, beirando a ficção, o cotidiano dos comuns - o meu, o seu e o do dono da banca de jornal. Nada da investigação acadêmica, apenas estórias revelando a história. Até no inventado, a mentalidade do período transborda, como na crônica que segue:
" Genésio, quando houve aquela marcha de senhoras ricas com Deus pela família e etc., ficou a favor, principalmente do etc. Mesmo tendo recebido algumas benesses do Governo que entrava pelo cano, Genésio aderiu à "redentora", mais por vocação do que por convicção (ele tinha - e ainda tem - um caráter muito adesivo). Porém, com tanto cocoroca aderindo, Genésio percebeu que estavam querendo salvar o Brasil depressa demais. Mesmo assim foi na onda.
Adaptou-se à nova ordem com impressionante facilidade e chegou a ser um dos mais positivos "dedos-duros" no Ministério. Tudo que era colega que ele não gostava, ele apontou aos superiores como suspeitos. Naquele tempo - não sei se vocês se lembram- não era preciso nem dizer "de quê". Bastava apontar o cara como suspeito e pronto... tava feita a caveira do infeliz.
Com isso, Genésio conseguiu certo prestígio junto à administração e pegou algumas estias, ganhando um dinheirinho extra. Quando veio a tal política financeira do Dr. Campos, foi dos primeiros a aplaudir a medida. Num desses coquetéis de gente bem, onde foi representando o diretor do departamento, aproveitou um hiato na conversa, para falar bem alto, a fim de ser ouvido pelo maior número possível de testemunhas:
- A política de contenção do Dr. Roberto é simplesmente gloriosa! Breve até as classes menos favorecidas estarão aplaudindo a medida.
Todos ouviram e, como tava todo mundo com o traseiro encostado na cerca, naqueles dias (e muitos até hoje), ninguém contestou. Houve até um certo ambiente de admiração pelo Genésio, que nenhum dos grã-finos presentes sabia quem era, mas que, nemo por isso, foi esnobado, pois podia ser algum coronel, enfim, essas bossas!
O que eu sei é que o Genésio deu o grande durante uns quatro ou cinco meses. Depois, como era um filho de jacaré com cobra-d'água, caiu de novo no seu chatíssimo cotidiano e só ficou elogiando a "redentora" por vício ou talvez por coisa de uma leve esperança de se arrumar ainda.
Mas teso é teso, é ou não é? O tempo foi passando e o boi sumiu; o leite é isso que se vê aí; o feijão tão caro que, noutro dia, num clube da ZN, promoveram um jogo de víspora marcando as pedras com caroço de feijão e foi aquela vergonha... alguém roubou os caroços todos para garantir o almoço do dia seguinte. Genésio começou a desconfiar que tinha entrado numa fria. Aquilo não era revolução pra quem vive de ordenado. Em casa, a mulher dava broncas ciclópicas, porque o ordenado mensal dele estava acabando mais depressa que a semana.
Houve um dia em que botou bronca:
- Você é que não sabe fazer economia - disse para a mulher. - Pode deixar que eu vou fazer a feira.
Ah, rapaziada, pra quê! Genésio foi à feira e só via gente balançando a cabeça; todo mundo resmungando, dizendo coisas tais como "assim não é possível", "desse jeito é fogo", "como está não pode ser". Em menos de cinco minutos do tempo regulamentar, ele também estava praguejando mais que trocador de ônibus.
Voltou pra casa, arrasado. Daí por diante, entrou no time dos descontentes de souza. Só abria a boca para dizer que é um absurdo, onde é que nós vamos parar, o Brasil está à beira do abismo, etc. Mesmo na repartição, onde era visto com suspeita pelos colegas, rasgou o jogo. No dia em que leu aquela entrevista do Borgoff, dizendo que o povo devia comer galinha, porque boi é luxo, fez um verdadeiro comício, na porta do mictório do Ministério, onde a cambada se reúne sempre para matar o trabalho.
Foi aí que aconteceu: Estava em casa, deitado, lendo um "X-9", quando a empregada chegou na porta. A empregada era dessas burríssimas, mas falou claro:
- Seu Genésio, tem um general aí querendo falar com o senhor!
Ficou mais branco que bunda de escandinavo! Meu Deus, iria em cana. Não pensou duas vezes. Arrumou uma valise, meteu dentro alguns objetos, uma calça velha e - felizmente morava no térreo - pulou pela janela e está até agora escondido no sítio do sogro, em Jacarepaguá.
O vendedor é que não entendeu nada. Tinha ido ali fazer uma demonstração do novo aspirador "General Eletronic", falou com a empregada, ficou esperando na sala e - quando viu - o dono da casa estava pulando a janela, apovorado."
"O general taí", Stanislaw Ponte Preta, in FEBEAPÁ 1
Não existe revolução sem festa; não existe protesto sem bom humor.
1984 - George Orwell
1984,
Admirável Mundo Novo e
Fahrenheit 451, para ficarmos nos mais comentados. É o diabo ver como são as distopias que se realizam. É verdade que não da forma potencializada descrita pelos autores, mas se realizam.
A princípio,
1984 deixa um visão pessimista do futuro. Porém, numa leitura atenta, descobrimos que a verdadeira mensagem a ser transmitida não é de um fim fatídico, mas a de um alerta carregado de esperança, cujo tom sombrio serve como elemento de ênfase. Ainda que Winston Smith tenha falhado e traído, vitimado pelos instrumentos de tortura e lavagem cerebral, o homem, contemporâneo de Orwell, encontrava-se ainda no ponto de retorno, onde mesmo envolto em obstáculos, era possível o reinício e a tomada de um novo rumo.
O futuro tenebroso orwelliano não se concretizou da maneira trágica com que foi enunciado. A tecnologia sofisticou os instrumentos de controle e a indústria cultural trabalhou – e ainda trabalha - com slogans e imagens não mais soberanas, duras e ternas, como o rosto fechado e acolhedor do Grande Irmão, mas convidativas ao plágio de modelos de vida concebidos e divulgados que perpetuam a estrutura social vigente.
Li
1984 depois de um overdose de Stanislaw Ponte Preta. Os autores estão distantes um do outro. Mesmo assim, os aproximei pelo conceito de duplipensamento. No livro, Orwell descreve o duplipensamento como a capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias, acreditar e defender ambas; deletar da memória o que fosse preciso e, num momento conveniente, resgatar, usufruir e esquecer novamente. Eis um dos principais pilares de sustentação do Partido da Oceânia. Da ficção para a realidade, lança-se mão de idêntico recurso, com a diferença do batismo:
“ (...) Era dos mais democratizadores o caso criado pelo Coronel Comandante do Batalhão de Carros de Combate, sediado em Valença (RJ), que cerceou Barra do Piraí com 800 soldados e exigiu que a Câmara de Vereadores local elegesse os membros da mesa conforme listinha que entregou ao presidente da Assembleia. Dizem que foi a eleição “democrática” mais rápida que já houve.”
“(...) Em Tenente Portela (RS) um policial chamado Neider Madruga, prendeu toda a Câmara de Vereadores porque o candidato da sua curriola não foi eleito na renovação da mesa diretora. Mesmo com o “habeas-corpus” aos vereadores, dado pelo juiz local, o Madruga levou todos em cana para Porto Alegre, preferindo fazer democracia com as próprias mãos.”
Os dois casos relatados acima compõe Fepeapá I, de Stanislaw Ponte Preta e retratam a situação pós-Golpe Militar de 64. Essas crônicas trazem em si o conceito de duplipensamento utilizado por ambos militares: garantir a democracia pelo uso da força coerciva, justificando a ação autoritária para garantir a “liberdade” social.