Melian
Período composto por insubordinação.
A vida é uma ópera, e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente... — Mas, meu caro Marcolini...
— Quê?...
E, depois, de beber um gole de licor, pousou o cálice, e expôs-me a história da criação, com palavras que vou resumir.
Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival de Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerava a precedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio essencialmente trágico. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de ópera, do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da sua eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros, — e acaso para reconciliar-se com o céu, — compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno.
(Dom Casmurro - Machado de Assis)
Vamos ver quem anda brincando de compor a ópera e quem tem cuidado de conduzi-la? Do que você está falando, Melian? Estou falando de estabelecermos relações entre a música e a literatura. Não, eu não quero estabelecer um padrão exato para isso. Nada do tipo: "Ah! mas é só para falarmos de intertextualidade ou musicalização também serve?" É tudo junto e misturado, gente. O foco principal é falarmos sobre as referências literárias nas canções. E, não, não há a necessidade de conceituarmos isso, entende? O que importa não é saber dizer se o processo intertextual de Até o fim é uma paródia ou paráfrase, o importante é que se perceba que há um namoro da letra da canção com o Poema de Sete Faces de Drummond. Só isso.
Para começar:
A terceira margem do rio - Caetano Veloso, canção homônima daquele que é considerado um dos melhores contos da Literatura brasileira, A terceira margem do rio, escrito por Guimarães Rosa. Eu acho a canção belíssima. Caetano captou, bem, o tom do conto e, baseado nisso, fez uma canção memorável. Sobre o conto, eu me junto ao côro dos que dizem que ele é, junto de A missa do Galo (do meu IDOLATRADO Machado) o melhor conto da Literatura brasileira.
Um índio - Caetano Veloso: QUEM, meu Deus, QUEM consegue não estabelecer a relação imediata com O Guarani, de José de Alencar, quando ouve "apaixonadamente como Peri..."?
Vambora , da Adriana Calcanhotto (MINHAMÚSICAPREFERIDADACALCANHOTTOEMTODOSOSTEMPOSEUNIVERSOS). Um dos versos da canção é "Na cinza das horas", que remete ao nome de um livro do Manuel Bandeira... Além disso, a canção tem um tom melancólico, tal qual o tom que perpassa não só A cinza das horas, primeiro livro do poeta, mas toda a sua obra. Vambora, ainda, faz referência a uma obra do Ferreira Gullar, chamada Dentro da noite veloz, nos versos: "Ainda tem o seu perfume/ Pela casa/ Ainda tem você na sala/ Porque meu coração dispara? / Quando tem o seu cheiro/ Dentro de um livro/ Dentro da noite veloz..." Tenho todos os problemas do mundo com o Gullar dos últimos tempos, porque ele se tornou um maldito reacionário, mas Dentro da noite veloz tem os poemas do Gullar que mais me fascinaram, porque é uma obra MUITO política. Gosto, mesmo.
Já que estamos falando sobre a Calcanhotto e o Gullar, agora vai um caso de musicalização, mesmo: o poema Traduzir-se.
Capitu, de Luiz Tatit. Relação direta com Dom Casmurro, de Machado de Assis: "Capitu, a ressaca dos mares, a sereia do sul, captando os olhares, nosso totem tabu, a mulher em milhares, Capitu".
Até o Fim (muito bem interpretada por Zeca Baleiro, BTW) – Chico Buarque: a humorística exploração do ‘gauche’, presente em “Poema de sete faces”, de Drummond.
Assentamento - Chico Buarque: tem uma linda homenagem ao Corpo de Baile, do Guimarães Rosa . Tem referência ao Tutaméia, nesta canção também, bem no início, quando o conto "Barra da Vaca" é retomado e coisa e tal.
Pedro Pedreiro – Chico Buarque. Chico admitiu que tinha lido muito Guimarães, na época, e quis, de certa forma, ‘emulá-lo’ (podemos pensar em uma espécie de pastiche, né?). “Penseiro”, neologismo. Etc.
Murders in the Rue Morgue, do Iron Maiden. Oi, baseada no conto "Os assassinatos da rua Morgue" do Edgar Allan Poe .
Fleurs Du Mal, da Sarah Brightman, é uma clara referência ao poema escrito por Baudelaire (não só ao poema, mas à obra homônima, do poeta francês):
O nome da banda Joy Division veio do livro House of Dolls, de Karol Cetinsky. No livro, Joy Division era o nome como era chamado o lugar onde as mulheres judias eram mantidas prisioneiras e eram OFERECIDAS sexualmente aos oficiais nazistas.
O nome da banda Belle & Sebastian foi retirado de um livro infantil, "Belle et Sébastien", escrito pelo francês Cécile Aubry.
Carrie - Europe. Adoro a banda, e a canção é muito foda, embora não seja a minha preferida da banda, que é Coast to Coast (pois é, The final countdown não é a minha preferida). Nosso imaginário está povoado pela Carrie do filme de Brian de Palma, né? Mas o filme é baseado no livrinho lindo do Stephen King, chamado Carrie, a estranha.
Eu citaria o álbum Nightfall in Middle-earth (que estou ouvindo, no momento), do Blind Guardian, todo baseado em O Silmarillion , mas preciso deixar de ser putinha do Silma. Preciso?
Enfim, a ideia é essa, pessoas. Prossigam.
— Quê?...
E, depois, de beber um gole de licor, pousou o cálice, e expôs-me a história da criação, com palavras que vou resumir.
Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival de Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerava a precedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio essencialmente trágico. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de ópera, do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da sua eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros, — e acaso para reconciliar-se com o céu, — compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno.
(Dom Casmurro - Machado de Assis)
Vamos ver quem anda brincando de compor a ópera e quem tem cuidado de conduzi-la? Do que você está falando, Melian? Estou falando de estabelecermos relações entre a música e a literatura. Não, eu não quero estabelecer um padrão exato para isso. Nada do tipo: "Ah! mas é só para falarmos de intertextualidade ou musicalização também serve?" É tudo junto e misturado, gente. O foco principal é falarmos sobre as referências literárias nas canções. E, não, não há a necessidade de conceituarmos isso, entende? O que importa não é saber dizer se o processo intertextual de Até o fim é uma paródia ou paráfrase, o importante é que se perceba que há um namoro da letra da canção com o Poema de Sete Faces de Drummond. Só isso.
Para começar:
A terceira margem do rio - Caetano Veloso, canção homônima daquele que é considerado um dos melhores contos da Literatura brasileira, A terceira margem do rio, escrito por Guimarães Rosa. Eu acho a canção belíssima. Caetano captou, bem, o tom do conto e, baseado nisso, fez uma canção memorável. Sobre o conto, eu me junto ao côro dos que dizem que ele é, junto de A missa do Galo (do meu IDOLATRADO Machado) o melhor conto da Literatura brasileira.
Um índio - Caetano Veloso: QUEM, meu Deus, QUEM consegue não estabelecer a relação imediata com O Guarani, de José de Alencar, quando ouve "apaixonadamente como Peri..."?
Vambora , da Adriana Calcanhotto (MINHAMÚSICAPREFERIDADACALCANHOTTOEMTODOSOSTEMPOSEUNIVERSOS). Um dos versos da canção é "Na cinza das horas", que remete ao nome de um livro do Manuel Bandeira... Além disso, a canção tem um tom melancólico, tal qual o tom que perpassa não só A cinza das horas, primeiro livro do poeta, mas toda a sua obra. Vambora, ainda, faz referência a uma obra do Ferreira Gullar, chamada Dentro da noite veloz, nos versos: "Ainda tem o seu perfume/ Pela casa/ Ainda tem você na sala/ Porque meu coração dispara? / Quando tem o seu cheiro/ Dentro de um livro/ Dentro da noite veloz..." Tenho todos os problemas do mundo com o Gullar dos últimos tempos, porque ele se tornou um maldito reacionário, mas Dentro da noite veloz tem os poemas do Gullar que mais me fascinaram, porque é uma obra MUITO política. Gosto, mesmo.
Já que estamos falando sobre a Calcanhotto e o Gullar, agora vai um caso de musicalização, mesmo: o poema Traduzir-se.
Capitu, de Luiz Tatit. Relação direta com Dom Casmurro, de Machado de Assis: "Capitu, a ressaca dos mares, a sereia do sul, captando os olhares, nosso totem tabu, a mulher em milhares, Capitu".
Até o Fim (muito bem interpretada por Zeca Baleiro, BTW) – Chico Buarque: a humorística exploração do ‘gauche’, presente em “Poema de sete faces”, de Drummond.
Assentamento - Chico Buarque: tem uma linda homenagem ao Corpo de Baile, do Guimarães Rosa . Tem referência ao Tutaméia, nesta canção também, bem no início, quando o conto "Barra da Vaca" é retomado e coisa e tal.
Pedro Pedreiro – Chico Buarque. Chico admitiu que tinha lido muito Guimarães, na época, e quis, de certa forma, ‘emulá-lo’ (podemos pensar em uma espécie de pastiche, né?). “Penseiro”, neologismo. Etc.
Murders in the Rue Morgue, do Iron Maiden. Oi, baseada no conto "Os assassinatos da rua Morgue" do Edgar Allan Poe .
Fleurs Du Mal, da Sarah Brightman, é uma clara referência ao poema escrito por Baudelaire (não só ao poema, mas à obra homônima, do poeta francês):
O nome da banda Joy Division veio do livro House of Dolls, de Karol Cetinsky. No livro, Joy Division era o nome como era chamado o lugar onde as mulheres judias eram mantidas prisioneiras e eram OFERECIDAS sexualmente aos oficiais nazistas.
O nome da banda Belle & Sebastian foi retirado de um livro infantil, "Belle et Sébastien", escrito pelo francês Cécile Aubry.
Carrie - Europe. Adoro a banda, e a canção é muito foda, embora não seja a minha preferida da banda, que é Coast to Coast (pois é, The final countdown não é a minha preferida). Nosso imaginário está povoado pela Carrie do filme de Brian de Palma, né? Mas o filme é baseado no livrinho lindo do Stephen King, chamado Carrie, a estranha.
Eu citaria o álbum Nightfall in Middle-earth (que estou ouvindo, no momento), do Blind Guardian, todo baseado em O Silmarillion , mas preciso deixar de ser putinha do Silma. Preciso?
Enfim, a ideia é essa, pessoas. Prossigam.
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