Gente, obrigado.
E Folco, essa não é a história das "viagens". Essa, pelo contrário é bem realista. E tudo que você falou do primeiro capítulo, acredite: foi proposital. Como eu já disse, a história vai ficar beeeem grande, e as coisas vão se desenrolando aos poucos. Aguarde e verá. Garanto que tudo está sendo friamente calculado.
Sem mais delongas:
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2 - Angela
Às nove da manhã, ela entrou na loja. Seu andar era elegante e contido, seus gestos leves e graciosos – para Tim, ela sempre parecera uma artista de cinema. Ao vê-la adentrando o recinto, Tim levantou-se. Por mais que tentasse, ele não conseguia controlar a tremedeira das pernas. Suas mãos suavam e seu coração começou a bater tão forte que ele achou que ela fosse ouvi-lo. “Merda” – pensou Tim – “Estou agindo como um adolescente. Vamos, acalme-se. Ela não é pro seu bico, você sabe muito bem”. Enquanto esses pensamentos ainda martelavam sua mente, ele percebeu que ela estava parada na frente do balcão, olhando para ele com um sorriso no canto dos lábios. Percebeu também, que seria de bom-tom cumprimentá-la.
- B-bom dia, Angela – gaguejou ele, desajeitado.
- Olá, Tim – ela respondeu, confiante.
Mesmo através dos óculos de sol ele podia notar que ela o encarava insistentemente. Ele desviou o olhar, encarando, por sua vez, a porta. Do outro lado da rua, através do vidro, uma moça jovem e bonita dizia algo ao vendedor de hot dogs. Este apontava para o norte e gesticulava, provavelmente indicando alguma rua. Um rapaz magro, com um casaco pesado, comia um hot dog e observava a fachada da lavanderia. Quando os olhos de Tim encontraram-se com os dele, Angela chamou sua atenção.
- Timothy! – bradou ela, de repente.
Ele se voltou. – O que faz aqui tão cedo, Angela? Caiu da cama?
Ela riu. Uma risada curta e discreta, porém forçada. – Não, eu só... eu não sei... queria conversar com você. Está ocupado?
- Eu pareço ocupado? – perguntou Tim, olhando para os lados.
- Não, de fato, não... – disse Angela, fazendo o mesmo, e constatando que a loja estava completamente deserta.
- Não. Pelo menos não a essa hora do dia – disse Tim. – mais tarde sim, hoje eu trabalho até tarde. É dia de transporte.
- É, eu sei – disse Angela.
Tim lembrou-se, então, que tinha trabalho a fazer. Enquanto contornava o balcão, lançou mais um olhar através da porta de vidro. A moça e o rapaz não estavam mais lá. Recostado em seu carrinho, o vendedor de hot dogs lia um jornal. Tim ergueu uma caixa de papelão que estava no chão, junto ao balcão.
- Tenho que levar isso pro quartinho lá atrás – disse ele. – Mas sobre o que você queria conversar?
- Ah, não sei... – disse Angela, seguindo-o em direção ao depósito dos fundos. – Só queria falar com alguém... você sabe...
- Não, não sei – interrompeu Tim. – Por que você não me conta?
Angela não disse nada. Tim parou no corredor, ainda com a caixa nos braços. Olhou bem para ela e perguntou, já sabendo a resposta:
- Por que você está usando esses óculos num dia nublado como hoje?
Ela tirou os óculos, revelando um grande hematoma, logo abaixo do olho esquerdo. Ele imaginou quantos outros estariam em lugares que ele não podia ver. Tim pôs a caixa no chão e se aproximou, com uma expressão séria no rosto, o que a fez desviar o olhar pela primeira vez desde que havia chegado ali. Ele não sabia o que fazer. Procurou por palavras de consolo, que não encontrou. Então, num gesto meio desajeitado, tentou pousar a mão sobre a cabeça de Angela, paternalmente.
- Não tenha pena de mim! – disse ela, repudiando-o.
Tim envergonhou-se, ao perceber o quão inadequada fora sua atitude. – Desculpe – disse ele. - Eu não quis... eu .. desculpe, Angela.
- Não, tudo bem, a culpa foi minha – disse ela, olhando-o nos olhos novamente. – Você só quis ser gentil.
Ele fitou por um momento aqueles lindos olhos azuis, tentando entender como um homem podia sonhar em macular tamanha beleza. Não era a primeira vez que isso acontecia e, naquele instante, ele tinha certeza de que não seria a última.
Tim permaneceu assim por mais alguns segundos, contemplando aqueles lindos olhos azuis. Estes, como que em resposta, começaram a se encher de lágrimas. Tim resolveu quebrar o silêncio.
- Por que você ainda agüenta isso? – perguntou ele.
- O que quer dizer? – disse Angela, sabendo exatamente o que ele queria dizer.
- Quero dizer... ele não é nem seu marido nem nada – disse Tim.- Por que você não vai embora? Por que não foge, sei lá, se manda daqui?
- Não é tão simples – disse Angela, desviando o olhar pela segunda vez. – Ele mandaria alguém atrás de mim. E mesmo que eu encontrasse um lugar seguro, onde ele não pudesse me achar, o que eu faria ao chegar lá? Eu não sei fazer nada, só... – ela parou, por um momento. – Meu passado... condenou o resto da minha vida.
Tim lembrou, então, porque ela agia e se vestia como uma artista de cinema. Havia sido treinada para tal. Sua antiga “empregadora” exigia que todas as suas “meninas” se comportassem como verdadeiras damas. Afinal, seus clientes eram todos homens de muito prestígio, membros importantes da alta roda da sociedade.
- Acho que eu deveria ser grata a ele, sabe? – disse Angela, com uma certa apatia em sua voz, enquanto fitava o piso. – Afinal, ele me tirou daquela vida...
- Isso não justifica – interrompeu Tim. – Nada justifica o que aquele canalha faz com você! Alguém deveria acabar com a raça daquele miserável...
- Não! – exclamou Angela, com uma expressão séria. – Não diga isso, nem de brincadeira. Nem pense isso. Você sabe do que ele é capaz. Lembra de Charlie Garland?
- Eu sei, eu sei – concordou Tim. – Eu só fico... indignado. Isso não é jeito de tratar uma mulher.
Angela olhou novamente para ele, com uma expressão que ele não conseguiu decifrar. Ela fazia isso de propósito, para manter uma aura de mistério sobre si própria. Tim achou melhor não quebrar a cabeça tentando descobrir o que exatamente ela queria dizer. Ergueu novamente a caixa e levou-a ao depósito. Ao sair, encontrou-se encurralado na porta por Angela, que mantinha a expressão misteriosa.
- E você, Tim? – perguntou ela.- Se o odeia tanto, por que você não vai embora?
Tim ficou surpreso com a pergunta. – Comigo é diferente – respondeu ele. – Eu só trabalho aqui. Além do mais, você é uma boa pessoa, Angela. Não merece estar nesse meio.
- Você também é uma boa pessoa, Tim – disse Angela. – Você merece uma vida melhor, muito mais do que eu.
- Eu... eu preciso do emprego – disse Tim, sem firmeza alguma na voz.
- Não minta – disse Angela. – Você poderia encontrar um emprego muito melhor se quisesse, longe daqui.
Tim não pôde discordar. Ela estava certa, absolutamente certa. Angela continuou: - Você não tem família na cidade, mora sozinho, não tem nada que te prenda aqui... ou tem?
- Não... – disse Tim, abobalhado pela perspicácia da moça.
- Não – disse Angela, enquanto se aproximava. – Não acho que seja por causa do emprego. Acho que você tem outros motivos...
Ela se aproximou cada vez mais, olhando fixamente para os olhos dele. Quando os lábios se tocaram, Tim sentiu uma espécie de torpor. Mesmo tendo visto aquela cena dezenas de vezes em seus pensamentos (e uma meia dúzia em sonhos), ele não pôde deixar de se surpreender. Afinal, ele nunca havia considerado a possibilidade como algo que realmente tivesse chance de acontecer. Ele não sabia o que fazer com seus pensamentos (tampouco com suas mãos, que suavam em bicas). Foi um daqueles momentos que parecem irreais, e você só vai assimilar o que aconteceu, horas depois. Foi um beijo longo, suave e apaixonado. Tim desejou que durasse por toda a eternidade, mas logo foi interrompido pelo tilintar dos guizos na porta de entrada.
- Alguém entrou na loja – disse Tim. – Tenho que ir lá pra frente.
- É... é melhor... – disse Angela, com uma expressão de surpresa pelo que acabara de ocorrer. Tim sabia, no entanto, que era uma surpresa fingida. Ele conhecia Angela. Sabia que ela havia planejado tudo desde o princípio.
- Venha, saia pela porta dos fundos – disse Tim, apreensivo.
- Calma, Tim – disse Angela. – Não é ele. Ainda estava roncando e fungando como um porco quando eu saí, e vai continuar assim por algumas horas.
- Eu sei – disse Tim. – Mas pode ser...
- Um dos capangas – interrompeu Angela. – É, você tem razão. É melhor eu sair por aqui.
Tim abriu a porta que dava para o Drive-In, nos fundos. A essa hora, estava tão deserto quanto a loja. Angela colocou os óculos de volta, e quando estava prestes a sair, virou-se para Tim, que segurava a porta aberta.
- Tim, não se esqueça do que aconteceu aqui – disse ela. – Mas não comente com ninguém. Que seja o nosso segredo.
- Eu nunca pensei em... – Tim estava prestes a completar a frase, quando foi interrompido por Angela.
- Eu sei que não – disse ela. – Eu confio em você, Tim. Você é uma boa pessoa.
Ela se aproximou, e encostando a palma da mão no centro do peito de Tim, disse:
- Um dia, Tim, um dia nós vamos continuar de onde paramos. E ninguém vai nos impedir.
Então ela virou-se e foi embora. E Tim ficou observando ela partir, com seu andar elegante e contido, suas roupas caras e seu penteado de artista de cinema. Angela. Ela seria a mulher perfeita, não fosse por um único detalhe: ela pertencia a Vinny Tacconi. E o termo “pertencia”, no caso, não era meramente figurativo.
Eram esses os pensamentos que passavam pela cabeça de Tim, enquanto ele observava Angela ir embora. Quando já havia quase atravessado toda a área de estacionamento do Drive-In, ela parou e voltou-se.
- Tim, a porta – gritou ela.
Como se tivesse acordado de um transe, Tim correu para dentro da loja, rezando para que não houvesse ocorrido à pessoa que entrara a brilhante idéia de esvaziar o caixa e sumir com seu conteúdo. Com um sorriso, Angela seguiu seu caminho.
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