Mas isso é uma deturpação do cristianismo. Não fazemos o bem e evitamos o mal por termos medo da punição eterna. Esse é o modelo da teologia ocidental, que só se livra desse tipo de visão pelos idos do século XX.
Deus não castiga ninguém pra ir ao inferno, nem salva os fieis que não pecam. Mesmo porque todos pecam.
O que Deus faz é chamar toda a humanidade à fé em Seu Filho, para serem purificados de seus pecados e fortalecidos pelos Sacramentos da Igreja, para iniciarem a batalha espiritual contra suas paixões e tentações e irem trilhando o caminho árduo da Theosis, da deificação.
Céu e inferno são estados espirituais, produto das escolhas que fazemos em vida e dos nossos sucessos e fracassos nas várias etapas da vida espiritual. São o mesmo rio de fogo, o rio da vida eterna, o mesmo Amor e Misericórdia de Deus derramado igualmente por sobre todas as almas. Mas se uma alma passa a vida toda odiando a Deus, rejeitando seu Amor, e odiando igualmente o próximo, e renegando o perdão, a misericórdia, cuspindo na humildade, na abnegação, na amizade e em todos os bons sentimentos e virtudes, sendo alguém cheio de paixões e imoralidades, sujo de crimes e assassinatos, violência, ódio, rancor, nunca perdoando e amando, ora, o Amor de Deus será um tormento para ele. Todos os sofrimentos do inferno não são torturas físicas ou penas por crimes decretadas por um Deus punitivo, não, são o enfrentamento eterno da alma consigo mesma, com suas paixões, ódios, infelicidade. O inferno é a eterna batalha contra o demônio em que nos transformamos, contra o que deixamos os demônios nos atacar e corromper.
O céu não é diferente, mas é percebido como totalmente diferente. A alma boa, amorosa, fiel, cheia do amor divino, misericordiosa, que perdoa, releva e vive se sacrificando, ou seja, a alma que se tornou verdadeiro ícone do Cristo, sua própria imagem, essa sentira o Amor de Deus como aquilo que sempre buscou e amou! O pecador ama as trevas e odeia a Luz que oculta seus pecados, por isso a Luz do Amor Divino será torturante para ele, mas a Luz Divina é a apoteose, a deificação suprema daquele que, mesmo em vida, sempre detestou as trevas do pecado e buscou a Luz! Uma visão bem diferente do tradicional julgamento não? Quem julga nossas almas e as manda pro céu ou inferno somos nós mesmos.
Gostaria de saber mais da visão Ortodoxa nos elementos que você fala nesta citação. Sim, pois a noção comum de salvação (aparentemente, pelo menos pelo contato pessoal/de convivência que tenho) espera que os indivíduos busquem fugir de conceitos, como você se referiu:
Mas se uma alma passa a vida toda odiando a Deus, rejeitando seu Amor, e odiando igualmente o próximo, e renegando o perdão, a misericórdia, cuspindo na humildade, na abnegação, na amizade e em todos os bons sentimentos e virtudes, sendo alguém cheio de paixões e imoralidades, sujo de crimes e assassinatos, violência, ódio, rancor, nunca perdoando e amando, ora, o Amor de Deus será um tormento para ele.
Olha, por mais que, cotidianamente, detestemos o contato com pessoas eivadas com alguns (ou até todos esses elementos), fiquei a pensar: Não é Deus, uma entidade, uma força, poder (há muitas interpretações, até mesmo intimistas), um ser de amor, de misericórdia, de perdão, manda ou, me corrija se eu estiver errado, "deixa" ou "assiste" ou "testemunha" ou manda (mesmo após todos os possíveis meios ou verdades explanadas em direção à quem se recusa a ouvir ou ter contato com tal "mensagem" ou quem incorre nos mais terríveis erros, destoantes dos ensinamentos etc) um ser humano que veio a decair (à um estado de danação pessoalmente adquirida ou instituída pelos seus erros, à exemplo do que você citou), à uma condição de sofrimento, ou o mantém essa condição?
Às vezes me perguntava: Como há essa misericórdia
infinita ou o perdão ou esse amor
inimaginável, quando existe um inferno? Alguns poderiam afirmar que, à despeito deste amor e misericórdia, Deus também é justo. Mas a quem esses efeitos desta justiça (que em tese, deveria trazer a harmonia, não ser um elemento punitivo, ainda mais eterno) poderia beneficiar? Aos que foram justos e misericordiosos, e que foram agraciados? Aos próprios condenados? Mas como, se (me parece, mas me corrija se eu estiver errado) este sofrimento aparenta ser eterno?
Será que não poderia Deus, em sua misericórdia, amor e perdão
infinitos livrar os seres humanos (que se auto) condenaram, por piores que sejam (lógico, muitos de nós não prezaríamos por essa assistência e deixaríamos um Stalin ou Hitler da vida numa condição como esta)?
Alguns até falam que não há essa "eternidade" do martírio (ou danação). Mas, onde o sofrimento ou uma tortura auto-adquirida pode ajudar à quem tenha cometido as maiores transgressões? E outra, já ouvi muita gente falando dessa rejeição do amor de Deus ou a indiferença que os indivíduos têm por esse conceito/ensinamento/vivência (aqui se diga os que sequer creem na existência desta ser divino) e nem por isso são pessoas monstruosas, infelizes, elas apenas vivem sua vida, com suas amizades (ou tendo inimizades), seus sonhos, problemas, vitórias e derrotas, ou seja, são mornas como a maioria das pessoas, fazem coisas boas, às vezes se omitem, às vezes cometem seus erros. Enfim, foram humanas, deixaram de lado essas "verdades" e foram viver suas vidas (algumas até mesmo por pensarem que esta fosse à única vida, mas nem por isso: "Vou aproveitar e experimentar tudo"), mas elas seriam ou foram ou adquiriram essa condenação/danação.
Gostaria de saber mais da visão ortodoxa quanto estes pontos.
Atenciosamente.