07/07/2007
J.K. Rowling - A feiticeira de nosso tempo
Há paralelos assustadores entre o mundo de Harry Potter e o Reino Unido de Blair
Peter Aspden
Um ar de solenidade curioso cerca o lançamento, em duas semanas, do sétimo e último livro da série de histórias de J.K Rowling sobre o menino inglês de óculos que hipnotizou as crianças do mundo na última década.
Até o título mórbido do livro, "Harry Potter e as Relíquias da Morte", parece confirmar rumores que a série vai terminar com a morte de um ou mais dos principais personagens. Rowling confessou que há duas mortes (e um adiamento) que ela não pretendia, como se a própria trama da saga de Harry Potter tivesse assumido uma vida própria sobrenatural.
O que J.K. Rowling fará agora dirá muito aos britânicos sobre o futuro do Reino Unido
Ela vai passar a noite do lançamento do livro assinando cópias no ambiente cuidadosamente escolhido do Museu de História Natural, onde até o esqueleto de dinossauro por uma vez ficará em segundo lugar diante da revelação do último capítulo do fenômeno de Harry Potter.
Rowling, compreensivelmente, tem emoções mistas diante do final de sua obra, alegando sentir-se simultaneamente "de coração partido e eufórica". Esses sentimentos deverão ser ampliados para o mundo todo, onde mais de 325 milhões de livros da série foram vendidos, fazendo de sua autora discreta uma bilionária aos 41 anos.
As lojas abrem suas portas um minuto após a meia noite no dia 21 de julho, esperando vender 3 milhões de cópias das "Relíquias da Morte" só nas primeiras 24 horas. Rowling receberá diversas aclamações; elogios à mulher que, sozinha, reanimou a leitura infantil e criou uma das mais fortes marcas na história do entretenimento.
Entretanto, sempre houve uma corrente de crítica por baixo da adulação. Em termos quantitativos, nenhum livro capturou a imaginação infantil como Harry Potter. Mas, comparadas com os grandes livros infantis do passado, as histórias de Harry Potter saem-se mal, parecendo derivativas, modestamente escritas e superficiais, dizem os críticos.
"No mundo mágico de Rowling, não tem lugar para o mistério", trovoou o romancista A.S. Byatt. "É escrito para pessoas cujas vidas imaginativas são confinadas a desenhos de televisão e os mundos de espelhos exagerados de novelas, programas de realidade e fofocas de celebridades."
Alguns pessimistas foram ainda mais longe, lamentando a estranha tendência dos adultos de ficarem tão obcecados com os livros de Harry Potter quanto seus filhos. Eles argumentam que essa é uma metáfora perfeita para o Reino Unido de Blair: uma nação escolhendo escapar para a fantasia fácil, em vez de abordar as questões de substância e peso.
Os sucessos de Rowling e Tony Blair encaixam-se com coincidência sinistra. O primeiro livro de Harry Potter foi publicado em junho de 1997, apenas semanas após o novo primeiro-ministro prometer que as coisas só poderiam melhorar. Isso certamente foi verdade para Rowling, que tinha passado os anos anteriores recobrando-se da morte súbita de sua mãe por esclerose múltipla e de um casamento infeliz, tentando simultaneamente criar um filho e escrever seu primeiro romance infantil nos cafés de Edimburgo.
Blair e Rowling conquistaram aclamação instantânea com sua novidade e charme. Apesar de ela ter recebido apenas um adianto modesto de sua editora, Bloomsbury, para "Harry Potter e a Pedra Filosofal", Rowling foi encorajada por críticas positivas e pela propaganda boca a boca.
No entanto, enquanto os livros de Harry Potter tornavam-se um sucesso, também ficava claro que estávamos em uma nova era: em que os negócios e a política poderiam construir máquinas elaboradas para promover seus interesses. Apesar de Rowling ter se mantido em grande parte longe dos holofotes, a máquina de Harry Potter, que já havia se tornado uma franquia de filmes, prosseguia com seu perfeito conhecimento da arte do auto-engrandecimento.
Os lançamentos à meia-noite fizeram parte do padrão, criando cenas não vistas no Reino Unido desde os tempos da Beatlemania. O jovem mago abraçou a economia globalizada com igual entusiasmo: os livros foram traduzidos para mais de 60 línguas (incluindo, com um toque de ironia, latim e grego antigo). Harry e Tony tornaram-se figuras globais, parecendo espalhar magia onde quer que fossem, mas apoiados por exércitos fleumáticos de propagandistas.
Pode-se exagerar na analogia. Na verdade, Blair nunca foi fã de Harry Potter. Denunciadoramente, entretanto, dois outros membros do gabinete admitiram incluir livros de Rowling em suas cabeceiras: David Blunkett e Gordon Brown, que sucedeu Blair no mês passado. O interesse de Brown gerou surpresa: teria realmente deixado sua dieta literária de filósofos iluministas e cientistas políticos para entreter-se com meninos em vassouras?
Mas Brown tinha se tornado amigo de Rowling, em grande parte por meio de sua mulher, Sarah, e suas famílias passaram bastante tempo juntas. Isso não deveria surpreender. Distante de seu apelo óbvio como símbolo extraordinário de riqueza britânica, sucesso e criatividade, a falta de ostentação, a tranqüilidade e a devoção a causas de caridade de Rowling (particularmente para mães solteiras e pacientes de esclerose múltipla) tocam o novo primeiro-ministro.
Será exagero ver, na evolução dos livros de Harry Potter, o obscurecimento gradual do ambiente e da impaciência da nação com a política de luzes e brilhos? Rowling sempre insistiu que uma das características mais importantes dos livros e Harry Potter é sua recusa em evitar assuntos difíceis, como a morte. A escuridão estava presente desde o início, ela diria, com a morte dos pais de Harry. É que estávamos temporariamente ofuscados.
O fato é que, independentemente do momento de sua subida à proeminência, Rowling nunca de fato se encaixou na história cor de rosa de Blair. Ela nunca teve nada em comum com os floreios vaidosos do Britpop ou com a irreverência dos Jovens Artistas Britânicos.
Harry Potter pode ter sido um fenômeno da era Blair, conquistando o mundo com seu jeito de menino. Mas ele serviu seu propósito, e isso foi apenas metade da história. Rowling - dedicada, modesta, moralmente séria - agora será a primeira embaixadora cultural do governo Brown. Ela, de muitas formas, é tão impressionante como fenômeno quanto seu jovem herói. O que ela fará em seguida nos dirá mais do que pensamos sobre o futuro político do Reino Unido.
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/fintimes/2007/07/07/ult579u2204.jhtm
Uau, financial times comentando HP? Onde esse mundo vai parar?