Césarfafi disse:
mas sem dúvida, o mérito da obra é a dúvida imortal da fidelidade ou infedilidade de Capitu.
Eu não acho que o mérito da obra se resuma a isso. As estratégias narrativas, que se insinuam para os leitores merecem as glórias. A meu ver, elas são o mais fantástico da obra. O tema da obra, para mim, não é, exatamente, a traição. O tema é o ciúme. E, tipo, a narração, em primeira pessoa, foi muito bem feita. Desde o início, o narrador quase nos "obriga" a acreditar em cada uma de suas palavras, (afinal, ele é um advogado, e, como tal, se dispõe de muitos recursos para tentar convencer os outros. Não que ele tenha conseguido me fazer acreditar que a Capitu o traiu, mas essa é uma outra história. Essa não é, definitivamente, a única coisa foda que tem nesse livro). Enfim: " A vida é uma ópera e uma grande ópera.... Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu."
Bento Santiago quer, na velhice, reconstruir sua vida, como uma forma de provar a si mesmo [e a nós, leitores, júri] que não estava errado em expulsar Capitu de casa e renegar o filho. Sua narrativa, portanto, pode ser vista como uma forma de catarse. Entretanto, vale lembrar Heráclito, que dizia "Não conseguimos nos banhar nas águas do mesmo rio". Enfim, Bento, um advogado, quer expor o caso ao júri. Qual é a função do advogado? Convencer. Em outra leitura, Bento pode ser visto como o modelo de burguês enciumado: o seu amor por Capitu é, também, a conquista de uma identidade social, moral e religiosa. Amá-la significa possuí-la, conforme os padrões do meio. Daí, quando a mulher não procede estritamente de acordo com os padrões com que é amada, ela provoca ciúmes, e pode estar incorrendo em traição. O desfecho da história assegura a vitória conservadora, com o poder nas mãos de quem, por tradição, o detem. Mas aí eu acredito (minha leitura é muito contaminada pelo meu feminismo) que a estratégia machadiana possa ser uma forma de criticar esse conservadorismo. Como eu disse, essa é uma leitura minha, pessoa que é completamente fascinada pela mulher fantástica que foi Capitu.
Capitu traiu ou não Bentinho? Sinceramente, para mim, isso (
per se) não é tão relevante. Adoro saborear, todos os dias, essa doce e amarga dúvida. Procurei colocar no meu post alguns pontos que são, normalmente, usados por quem defende que ela não traiu. Eu poderia colocar os clichês de sempre, "Olhos de cigana oblíqua e dissimulada", "Olhos de ressaca", para dar razão a Bentinho. (mas eu também poderia usar isso para provar o meu ponto sobre a mulher fantástica que Capitu é). Mas, vejam bem, quando ele decide contar a história de sua vida, todas as pessoas sobre as quais ele vai falar estão mortas. Nós somos apresentadas a elas pela ótica dele. Tão somente pela ótica dele. Então...