É interessante notar que Dostóievski baila entre a miséria e os sentimentos (não necessariamente o amor romântico) em quase todos os períodos da narrativa. Pelo menos no contemplado na primeira semana, as relações de afeto estão intrinsecamente presentes em todos os personagens, mesmo que chagados pela condição social que os afligia.
As primeiras cartas, na medida em que são lidas, realmente surpreendem, pela falta de caráter romantico entre os dois personagens – a radiografia presente nas missivas não se trata de sentimentos individuais, mas de memórias coletivas (a casa em que se mora, os detalhes da vida urbana, etc.)
Também pode se observar uma diferença creio eu gritante entre a forma como Varvara escreve e como Makar o faz – a primeira, o prática de uma maneira simples, leve e até fluida, enquanto que o homem, mais velho, às vezes se traveste de tecnicalidades e especificidades, elemento que com certeza estavam transcritos no original. O curioso não é isso; é observar que um autor com 24 anos e em seu primeiro romance consegue simular tão bem duas formas de escrever distintas.
No entanto, nos escritos que Varvara entrega a Makar contando da sua vida pregressa, o autor resgata até com maior fervor o que esboçava nas cartas. Varvara vivia uma condição de vida melhor – mas, curioso que aí se revela o único rosto do ódio: o pai que vendo sua condição financeira derrocar, destila toda a culpa na filha e na esposa.
Depois que o pai morre (e aí, pela primeira vez, a morte assume contornos de conectividade com a miséria humana), as relações demoram para se reestabelecer: o amigo intelectual de Varvara e seu respectivo pai nutrem uma boa relação social com as duas, que logo se transforma em amizade; a miséria das condições não os impedem de se ajudar, cognitiva e financeiramente!
Aí, como no início, a relação que se presumiria como afetiva-romântica não deslancha; Dostóievski mais uma vez brinca com o leitor, e logo a morte do amigo que sofria com tuberculose, novamente, coloca a miséria como elemento principal.
No fim desse período, Varvara vê-se rodeada com a morte iminente da mãe: de fato, a miséria dos personagens (e a condição da Rússia no período contemplado) impedem uma realização plena dos sentimentos – desde o impedimento de Varvara e Makar de verem-se no início, passando pela morte do pai, do amigo e talvez da mãe, culminando na iminência da solidão.