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De um diálogo

Para dois cavalheiros, como uma homenagem, para outro como um parecer, para alguns como epitáfio, antes de ser queimado. Para uma dama como um agradecimento.


É uma praia muito bonita, alguma coisa de litoral-norte-abençoado-pelos-deuses-do-país-tropical-das-letras-do-Tim Maia- e- de-todo-o-projeto-de-compositor-da-MPB. Um homem de cabelos grisalhos, longos e num formato capacete está com uma camisa florida, aberta no peito, e calças brancas. Está deitado numa rede, com uma água de coco ao lado. Chega outro, vestido com um paletó e gravatas, que se senta e se serve de uns goles de outro coco, antes de começar a falar:

- Jorge, faz tempo que não o vejo, como vai?

- Tranqüilo, camarada Ramos. Rede, mar, mulher, água de coco, o que mais posso querer?

- Não sei, mas essa paz parece ser mais do que o suficiente...

- E é. Não imaginei que esse lugar seria tão...

- Belo? Calmo? Pacífico?

- Não... Vamos é sentir, vale mais do que definir, que é coisa de cientista. E nós somos poetas.

- Há quem nos defina de outras formas... Você sabe disso.

- Ora, não são todos os que sentem o lirismo, menino. Depois, isso já passou... Há tempo demais.

- O Machadinho eu entendo que diga, mas você? Está aqui há tão poucos anos!

- Ai é que mora o detalhe, meu querido. Nós tínhamos muito mais a ver com o Machadinho do que esse pessoal de hoje. O tempo que passou entre nós e ele foi menor, em termos de mudanças, do que o povo que veio depois dos bárbaros de trinta anos atrás, e até hoje hoje. É pena... afinal, nem sempre o velho está carunchado.

- Mas você não tem esperança nesse povo novo?

- Em quem, No Jô? No Luís? No Paulinho?

- Especialmente no Paulinho.

- Eu apostaria mais no primeiro, mas o Machadinho não gostou da última idéia “genial” dele; o segundo eu sou suspeito, é filho de um grande amigo, mas não sei bem se é o perfil dele – mas ele não é exatamente ruim, eu acho.

- Você foge de falar do Paulinho, Jorge.

- O Paulinho é popular.

- E você era o que, Jorge? Tinha até portuga e gaulês querendo conhecer o seu trabalho. Cansei de ver na sua casa os seus prêmios dados pela Internacional.

- Eu sou o que sempre fui: um contador de história. Algumas deixaram os outros encantados, e, por isso, esse sucesso. Mas eu nunca quis ser muito mais do que isso. Que culpa se tenho se terminei sendo?

- Nenhuma, poxa. Mas o Paulinho...

- O Paulinho é popular. Entenda, meu camarada, que tem um detalhezinho ai: as pessoas não queriam, e nem querem mais o que eu e você fazíamos. Eu cheguei à conclusão de escrevíamos para quem tivesse bom-senso. Como as pessoas hoje não têm mais bom-senso, e o Paulinho vende bom-senso, todo mundo procura. Acho que ele devia mudar de ramo, para farmacêutico, e vender as coisas dele em escala industrial... Se bem que isso ele já faz.

- A indústria dos pseudo-intelectuais... Esse seria o legado do mago Paulo Coelho?

- Do Paulinho. Sem magia, sem palavras árabes carecendo de contexto, só o Paulinho amigo do Raulzinho. Esse é o legado que eu prefiro me lembrar.

- Você tem um lado meio nostálgico, Jorge.

- Ah, eu tenho, mesmo. É disso que a Zélia gosta, ainda mais agora que ela está por aqui.

- Dá uma saudade, Jorge...

- Ah, isso dá, Graciliano, isso dá. Agora já não há poetas.

- Mas há esperança?

- Isso você me responde, já que Fabiano foi embora com Vitória e os meninos atrás do futuro, não é?

- E o que me diz de Dona Antonieta?

- Ah, alagoano descarado – replica o outro, sorrindo – me pegaste. Sim, ainda há esperança... Mas já não há poetas. Já não há quem conte histórias. Isso nós matamos.

- Nós?

- Claro. No fim, nós quem sempre fomos o problema...

- Ainda não entendo.

- Lutamos e brigamos, tudo pra ser livres de amarras, livres de canôns ultrapassados, livres de um sargentão, livres de opiniões vetustas, mas com capacidade de nos censurar. Mas não aprendemos o mais importante de tudo. Tudo se acomodou igual como era antes, só mudando os atores, pior que novela da Globo. Experimentando cada pedaço, e não sentimos mais o gosto do bolo. Mas já há quem esteja enjoado dele... Por isso tenho esperança.

- Camarada Jorge, eu ainda quero saber o que foi que não aprendemos. E sem essa analogia culinária...

- Desculpe, moço, mas a presença da Zélia me faz lembrar dos tempos da casa do Rio Vermelho. É bem simples. Não aprendemos a ser livres.

O de paletó fica quieto por uns instantes, tentando entender o que o da camisa florida queria dizer. Ele sempre pensou em termos dentro nos quais ele era livre...


E tomou mais água-de-coco, olhando pro mar.
 

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