No início de 1956, antes de escrever uma resenha de O Senhor dos Anéis o Sr. Michael Straight, editor do jornal “New Republic”, escreveu para J. R. R. Tolkien, fazendo-lhe algumas perguntas (se havia um significado no papel de Gollum na história e na falha moral de Frodo, no fim do livro; se o capítulo O Expurgo do Condado era especialmente dirigido à Inglaterra contemporânea; e por que os outros viajantes deveriam partir dos Portos Cinzentos, com Frodo, ao final do livro). Na resposta, Tolkien diz algo de grande importância sobre o tema em comento:
“A Encarnação de Deus é algo infinitamente maior do que algo sobre o qual eu me atreveria a escrever. Aqui {em O Senhor dos Anéis e em O Silmarillion] eu estou apenas interessado na Morte como parte da natureza, física e espiritual do Homem, e com a Esperança sem garantias.”
Assim, notamos, com o próprio Tolkien, que não há “encarnação de Deus” em sua obra; nem mesmo no magnífico Silmarillion, onde estão narradas as origens dos planetas e dos sencientes (elfos, anões, homens e hobbits). Portanto, eis a primeira conclusão:
— Sob a ótica das teologias católica e evangélica/protestante, não há o Cristo, em O Senhor dos Anéis. E isto porquê o próprio autor declara que a “Encarnação de Deus é algo infinitamente maior do que algo sobre o qual eu me atreveria a escrever”.
Repetimos: o Cristo, enquanto parte de Deus, não consta da obra tolkeniana.
— Frodo Baggins é o Cristo?
Não. E ficam claras as razões pelas quais não pode sê-lo; de fato, tão evidente é que ele e Iehoshua não têm a mesma essência que bastarão algumas poucas transcrições para isto evidenciar-se. Vejamos este diálogo entre Gandalf e Frodo:
{Frodo} “- (...) Não sou talhado para buscas perigosas. Gostaria de nunca ter visto o Ane! Por que veio a mim? por que fui escolhido?”
{Gandalf} “- Perguntas desse tipo não se podem responder - disse Gandalf. - Pode ter certeza de que não foi por méritos que outros não tenham: pelo menos não por poder ou sabedoria. Mas você foi escolhido, e portanto deve usar toda força, coração e esperteza que tiver.”
Ora, quem não tem méritos, poder ou sabedoria que outros não tenham pode ser O Cristo?... Não. E não esqueçamos que, “no fim de todas as coisas” Frodo não resistiu ao poder do Anel e tentou se assenhorear dele...
Para finalizar e solucionar de vez a dúvida se Frodo seria “Jesus”, vejamos o que pensa, sobre isto, o próprio Tolkien, com base na já citada entrevista ao Sr. Gerrot, na Inglaterra (em 1971; à rádio BBC de Londres, ao programa Now Read On..., da BBC rádio 4):
Gerrolt: “Frodo aceita o fardo do Anel e ele encarna como grande caráter às virtudes de longo sofrimento e perseverança. Pelas ações dele a pessoa poderia dizer que existe quase um senso budista. Ele se torna quase um Cristo na realidade figurada de O Senhor dos Anéis. Por que você escolheu um Hobbit para este papel?”
Tolkien: “Eu não escolhi. Eu não fiz muitas escolhas quando escrevi a história... tudo que eu estava fazendo era tentar escrever uma continuação do ponto onde terminou O Hobbit. Eu escolhi por que já estavam em minhas mãos, às vezes acho que foi muito mais uma escolha deles do que minha.”
Gerrolt: “Realmente, mas não há nada mais particular sobre a figura de Cristo como Frodo ?”
Tolkien: “Não...”
— Gandalf é o Cristo?
De fato, a “essência Crística” se alojaria muito mais nos ombros de outro personagem: Gandalf... E pelas seguintes razões:
1ª - Gandalf não nasce de modos normais (e, para o católico Tolkien, a concepção de Cristo era a da teologia tradicional no ocidente: concepção pelo Espírito Santo, ou seja, sem ato sexual/cópula normal);
2ª - Gandalf embora extremamente poderoso, adora a companhia dos mais simples e menos poderosos (e isto chega ao ponto de ele receber críticas por parte de Saruman), assim como o Cristo adorava a companhia de pescadores e mesmo de “gente de má vida” (como cobradores de impostos e prostitutas);
3ª - Gandalf é um andarilho, liberto de qualquer posse material e de qualquer ambição, assim como o Cristo (de quem o Evangelho diz: “As aves do céu têm seus ninhos e os lobos têm suas tocas, mas o Filho do Homem não tem uma pedra onde reclinar a cabeça”) era o “Príncipe da Pobreza”;
4ª - Gandalf evita a tentação do Um Anel e para isto até grita com Frodo (“- Não me tente, Frodo!”), assim como Jesus gritou com o discípulo Pedro (“- Afasta-te de mim...”) sentindo-se também tentado por ele, quando este questionou seu destino: o de ser crucificado;
5ª - Gandalf morre, mas os poderes superiores o enviam de volta, para que ele termine sua tarefa; e Jesus ressuscita, após a crucificação e também retorna para os seus discípulos e para terminar a sua missão...
Mas lembremos que Tolkien já declarou que não se atrevia a escrever sobre a Encarnação de Deus... Portanto, as razões 1ª e 5º, acima, não se sustentam, ante a opinião do próprio criador de The Lord of the Rings.
A grande dúvida de todos, porém, decorre da natureza incerta de Gandalf. O que ele é, afinal? Perguntam os leitores e telespectadores de todos os cantos do mundo, sincera e inteiramente confundidos.
Vejamos o que Tolkien diz, sobre Gandalf e os Istari:
“Em nenhuma parte o lugar ou a natureza dos "Magos" [Wizards] é plenamente explicitada. Seu nome, relacionado com Wise [Sábio], é uma anglicização do seu nome élfico, e usa-se em toda a parte como algo totalmente distinto de Feiticeiro ou Mágico. Revela-se por fim que eles eram, como poderíamos dizer, o equivalente próximo, no modo destes contos, dos Anjos, Anjos guardiões.” {Carta 131, onde Tolkien faz uma grande explicação da sua obra}
“Arrisco-me a dizer que ele era um ‘anjo’ encarnado - estritamente um espírito, isto é - com os outros Istari, magos, ‘aqueles que sabem’ (...)”. {Carta 156,para Robert Murray JS, 4/12/1954}
Portanto, não há a menor chance de Gandalf ser Jesus...
Jesus nunca lutaria numa guerra e ordenava: Amai os vossos inimigos e fazei o bem àqueles que vos perseguem e que vos caluniam...
Talvez muitos questionem: e Lúthien? Elrond? Galadriel? Fëanor? Aragorn?... E há mesmo quem vá argumentar que Samwise Gamgi é o Cristo, pois ele é o servidor, nunca desejando ser servido... Mas nenhum desses personagens resume o Cristo.
Aliás, acho que este é o ponto central do pensamento de Tolkien: o Cristo é maior do que todos os seus personagens são e poderiam ser. Por isto ele não o “encarnou” em sua obra. Ao mesmo tempo, porém, em cada um destes personagens há um pouco de Jesus.
Assim, vemos o Cristo de Tolkien: no amor entre Lúthien e Béren, entre Arwen e Aragorn, entre Galadriel e Celeborn, entre Samwise e Rosinha Vila, Faramir e Eowyn, entre Tom Bombadil e Fruta d’Ouro; na amizade de Sam e Frodo, Legolas e Gimli, Merry e Pippin e na destes com Treebeard (“Barbárvore”); na humildade de Gandalf e eu diria mais: em Gollum, no seu arrependimento e na luta por vencer a si mesmo... embora ele tenha falhado...