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Há uns meses, quando saiu um livro chamado "10 Rules of Writing", de Elmore Leonard, o jornal "The Guardian" fez uma matéria em que pedia a diversos escritores britânicos de ficção para que fizessem suas próprias listas das 10 regras para se escrever ficção. O resultado veio com com todo tipo de dica: engraçadas, práticas, técnicas, psicológicas, etc. Bem interessante, não apenas para quem pretende escrever, mas também quem tem curiosidade sobre o mundo desses escritores.
Traduzi algumas listas, selecionando mais pela fama, mas pra quem quiser conferir, lá no jornal existem várias outras...
Algo que me surpreendeu é a maneira um tanto fascista pela qual esses escritores, que estão entre os melhores, tomam seu próprio exercício de escrita. Falam muito menos de inspiração e criatividade do que de trabalho e disciplina. Substitua-se em alguma dessas listas "escrever" por "servir à pátria" e mantém-se razoavelmente a coerência... Será que isso é uma consequência do jeito britânico de dizer as coisas diretamente, mesmo o que os outros não gostariam de ouvir, ou será que escrever é assim tão pouco divertido?
Traduzi algumas listas, selecionando mais pela fama, mas pra quem quiser conferir, lá no jornal existem várias outras...
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Neil Gaiman
1. Escreva.
2. Coloque uma palavra depois da outra. Encontre a palavra certa, coloque-a no lugar.
3. Termine o que estiver escrevendo. O que quer que precise fazer para terminar, termine-o.
4. Deixe-o de lado. Leia fingindo que nunca o leu antes. Mostre-o para os amigos cujas opiniões você respeita e que gostam do tipo de coisa que isso é.
5. Lembre-se: quando as pessoas dizem que algo está errado ou que não serve para elas, provavelmente estão certas. Quando lhe dizem exatamente o que está errado e como consertá-lo, provavelmente estão erradas.
6. Conserte. Lembre que, cedo ou tarde, antes que isso chegue a alcançar a perfeição, você terá que deixá-lo e seguir em frente e começar a escrever a próxima coisa. Perfeição é como perseguir o horizonte. Continue se movendo.
7. Ria das suas próprias piadas.
8. A regra principal para se escrever é que se você faz com suficiente segurança e confiança, poderá fazer o que bem quiser. (Isso pode ser uma regra para vida assim como para a escrita. Mas definitivamente é certa para a escrita.) Então escreva sua história como ela precisa ser escrita. Escreva-a honestamente e conte-a o melhor que puder. Não estou certo que existam quaisquer outras regras. Não alguma que importe.
Margaret Atwood
1. Nos aviões, leve um lápis para escrever. Canetas vazam. Mas se o lápis quebrar, não poderá apontá-lo dentro do avião, porque não pode levar canivetes com você. Logo: leve dois lápis.
2. Se ambos os lápis se quebrarem, você pode fazer uma ponta grosseira usando uma lixa de unha do tipo de metal ou vidro.
3. Leve algo em que escrever. Papel é uma boa. No aperto, pedaços de madeira ou seu próprio braço podem servir.
4. Se estiver usando um computador, sempre salve textos novos também em um memory stick.
5. Faça exercícios para as costas. A dor distrai.
6. Prenda a atenção do leitor. (Isso possivelmente funcionará melhor se for capaz de prender a si mesmo.) Mas você não sabe quem é o leitor, então será como atirar em um peixe com um estilingue no escuro. O que fascina A irá entendiar totalmente B.
7. Você provavelmente precisará de um thesaurus, uma gramática rudimentar e uma ligação com a realidade. Essa última parte significa: não existe almoço grátis. Escrever é trabalho. E também uma aposta arriscada. Você não terá um plano de previdência. Outras pessoas podem ajudá-lo um pouco, mas essencialmente estará por conta própria. Ninguém está lhe obrigando a fazer isso: você escolheu fazê-lo, então não choramingue.
8. Você nunca será capaz de ler seu próprio livro com a inocente expectativa que vem com as deliciosas primeiras páginas de um novo livro, pois você escreveu a coisa. Você esteve atrás do palco. Viu como os coelhos foram surripiados para dentro da cartola. Então peça a um ou dois amigos leitores para darem uma olhada antes de passar a alguém do mercado editorial. Esse amigo não deve ser alguém com que você mantém uma relação romântica, a não ser que você pretenda terminá-la.
9. Não fique sentado no meio do bosque. Se você está perdido ou com bloqueio, refaça seus passos até onde saiu errado. Então pegue o outro caminho. E/ou mude o personagem. Mude o tempo do verbo. Mude a página inicial.
10. Rezar pode ajudar. Ou ler alguma outra coisa. Ou uma constante visualização do Santo Graal que é a versão completa e publicada do seu resplandecente livro.
Hilary Mantel
1. Você está nisso a sério? Então arranje um contador.
2. Leia Becoming a Writer, de Dorothea Brande. Então faça o que ela diz, inclusive as tarefas que você pensa que são impossíveis. Você detestará particularmente o conselho de começar a escrever logo no início do dia, mas se conseguir se ajustar, pode ser a melhor coisa que você fará a si mesmo. Esse é um guia completo de como se tornar um escritor, muitos manuais posteriores derivam dele. Não vai precisar de nenhum outro, na verdade, mas se quiser impulsionar sua autoconfiança, livros de "como fazer" raramente são prejudiciais. Você pode dar início a um livro inteiro a partir de um pequeno exercício de escrita.
3. Escreva um livro que você gostaria de ler. Se você não o leria, então por que qualquer outra pessoa o faria? Não escreva para um público ou mercado alvo. Ele pode já ter desaparecido no momento em que o seu livro estiver pronto.
4. Se você tem uma boa história, não assuma que ela ficará melhor em prosa. Pode ser que funcione melhor como uma peça, um roteiro ou um poema. Seja flexível.
5. Tenha em mente que qualquer coisa que apareça antes de "Capítulo Um" pode ser pulada. Não coloque sua pista fundamental ali.
6. Os primeiros parágrafos geralmente podem ser cortados. Você está executando um haka ou simplesmente dando uns passinhos no lugar??
7. Concentre sua energia narrativa nos pontos de mudança. Isso é especialmente importante para a ficção histórica. Quando o seu personagem chega em um lugar novo, ou as coisas se alteram à sua volta, esse é o ponto para ir devagar e preencher os detalhes do cenário. As pessoas não reparam nos seus ambientes de sempre e na rotina diária, então, quando eles são descritos pelos escritores, isso soa como se estivessem se esforçando demais para passar informações ao leitor.
8. A descrição tem que cumprir o seu papel. Não pode ser simplesmente ornamental. Ela normalmente funciona melhor se tem um elemento humano; é mais eficiente quando tem um ponto de vista implícito do que quando parte dos olhos de Deus. Se a descrição é ilustrada pelo ponto de vista do personagem que está tendo a percepção, ela se torna, em efeito, parte da definição do personagem e parte da ação.
9. Se ficar travado, afaste-se da sua mesa de trabalho. Dê um passeio, tome um banho, vá dormir, faça uma torta, desenhe, ouça música, medite, exercite-se; não importa o que faça, não fique por ali contorcendo-se sobre o problema. Mas não faça ligações ou vá para uma festa; se o fizer, as palavras de outras pessoas fluirão para onde suas palavras perdidas deveriam estar. Abra uma brecha para elas, crie um espaço. Seja paciente.
10. Esteja preparado para tudo. Cada nova história traz exigências diferentes e podem surgir motivos para que se quebrem estas e todas as outras regras. Exceto a número 1: você não pode entregar sua alma à literatura se estiver pensando no imposto de renda.
Jonathan Franzen
1. O leitor é um amigo, não um adversário, não um expectador.
2. Ficção que não é uma aventura pessoal do autor dentro do assustador ou do desconhecido não vale a pena ser escrita por nada a não ser por dinheiro.
3. Nunca use a palavra "então" como uma adição - nós temos "e" para esse propósito. Substituir por "então" é a não-solução do escritor preguiçoso ou duro de ouvido para o probrema de "es" demais na página.
4. Escreva na terceira pessoa a não ser que uma narração em primeira pessoa realmente particular se ofereça irresistivelmente.
5. Quando a informação se torna livre e universalmente acessível, a pesquisa volumosa para uma novela se desvaloriza proporcionalmente.
6. A ficção mais puramente autobiográfica requer invenção pura. Ninguém jamais escreveu uma história mais autobiográfica que "A Metamorfose".
7. Acontece mais sentar-se quieto que correr atrás.
8. É duvidoso se qualquer um com conexão à internet no seu local de trabalho está escrevendo boa ficção.
9. Verbos interessantes raramente são muito interessantes.
10. É preciso amar antes de ser impiedoso.
Zadie Smith
1. Enquanto ainda criança, esteja certo de ler muito livros. Passe mais tempo nisso que em qualquer outra coisa.
2. Quando adulto, tente ler o seu próprio trabalho como um estranho o leria, ou melhor, como um inimigo o faria.
3. Não romantize sua "vocação". Ou você é capaz de escrever boas sentenças, ou não. Não existe um "estilo de vida de escritor". Tudo o que importa é o que você deixa na página.
4. Evite suas fraquezas. Mas não faça isso dizendo a si mesmo que as coisas que você não é capaz de fazer não valem a pena ser feitas. Não mascare autodesconfiança com desdém.
5. Deixe um espaço de tempo decente entre a escrita de algo e a sua edição.
6. Evite panelinhas, gangues, grupos. A presença de um agrupamento não fará sua escrita melhor do que é.
7. Trabalhe em um computador desconectado da internet.
8. Proteja o tempo e o espaço em que escreve. Mantenha todos afastados dele, mesmo as pessoas mais importantes pra você.
9. Não confunda honras com conquistas.
10. Diga a verdade através de qualquer máscara que esteja ao alcance - mas diga. Conforme-se com a tristeza vitalícia que vem de nunca estar satisfeito.
Roddy Doyle
1. Não coloque uma fotografia do seu autor favorito sobre a sua escrivaninha, especialmente se esse autor é um daqueles famosos que cometeram suicídio.
2. Seja gentil consigo mesmo. Encha as páginas o mais rápido possível; use espaço duplo, ou escreva a cada linha par. veja cada nova página como um pequeno triunfo.
3. Até que chegue à página 50. Então acalme-se e comece a se preocupar com a qualidade. Sinta-se ansioso - é o trabalho.
4. Dê um nome ao trabalho o mais cedo o possível. Possua-o e veja-o. Dickens sabia que "Bleak House" se chamaria "Bleak House" antes de começar a escrevê-lo. O resto deve ter sido fácil.
5. Restrinja sua navegação a alguns sites por dia. Não se aproxime de livrarias online - a não ser que seja para pesquisa.
6. Mantenha um thesaurus, mas numa cabana nos fundos do jardim ou atrás da geladeira, algum lugar que demande deslocamento ou esforço. A chances são de que as palavras que vêm à sua cabeça servirão bem, por ex. "cavalo", "correu", "disse".
7. Entregue-se, ocasionalmente, à tentação. Lave o chão da cozinha, pendure as roupas no varal. É pesquisa.
8. Mude de ideia. Boas ideias frequentemente são assassinadas por outras melhores. Estava trabalhando em um romance sobre uma banda chamada "The Partitions". Depois decidi chamá-los "The Commitments".
9. Não procure na Amazon pelo livro que você ainda não escreveu.
10. Gaste alguns minutos por dia trabalhando na bio da capa - "Ele divide seu tempo entra Kabul e Tierra del Fuego." Mas depois volte ao trabalho.
Will Self
1. Não olhe para trás até que tenha escrito todo o rascunho, apenas comece cada dia a partir da última sentença que escreveu no dia anterior. Isso impede aquela sensação de embaraço, e significa que você terá uma quantidade substancial de texto antes de passar para o trabalho real que está todo em...
2. A edição.
3. Sempre carregue um notebook. E digo sempre. Nossa memória de curto prazo só retém informação por três minutos; a não ser que tenha sido confiada a um papel, você pode perder uma ideia para sempre.
4. Pare de ler ficção - é tudo mentira mesmo, e não tem nada pra dizer que você já não saiba (considerando, isto é, que você leu uma grande quantidade de ficção no passado; se não, você não tem nenhum negócio com ser escritor de ficção).
5. Você sabe aquele sentimento enjoativo de inadaptação e superexposição que sente quando olha para sua própria prosa empolada? Relaxe na consciência de que essa sensação terrível não irá nunca, jamais deixá-lo, não importa quão bem sucedido ou publicamente aclamado você se torne. É algo intrínseco ao negócio real da escrita e deve ser bem querido.
6. Viva a vida e escriva sobre a vida. Sobre a criação de vários livros não existe mesmo fim, mas já existe mais do que o bastante de livros sobre livros.
7. Do mesmo modo, lembre-se quanto tempo as pessoas passam assistindo à TV. Se você está escrevendo um romance com um cenário
contemporâneo serão necessárias longas passagens em que nada acontece exceto assistir à TV: "Mais tarde, George assistiu a Grand Design enquanto comia HobNobs. Mais tarde ainda, ele assisitu ao canal de compras por um tempo..."
8. A vida de escritor é essencialmente uma vida de confinamento solitário - se você não consegue lidar com isso, nem precisa se alistar.
9. Ah, e não esquecendo os espancamentos ocasionais administrados pelos guardas sadistas da imaginação.
10. Considere a si mesmo como uma pequena corporação de um. Leve a si mesmo para exercícios de fortalecimento da equipe (longos passeios). Dê uma festa de Natal todo ano na qual você permanece em pé no canto da sua sala de escrita, gritando bem alto pra si mesmo enquanto bebe uma garrafa de vinho branco. Depois masturbe-se debaixo da escrivaninha. No dia seguinte você sentirá uma profunda e aderente sensação de vergonha.
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Algo que me surpreendeu é a maneira um tanto fascista pela qual esses escritores, que estão entre os melhores, tomam seu próprio exercício de escrita. Falam muito menos de inspiração e criatividade do que de trabalho e disciplina. Substitua-se em alguma dessas listas "escrever" por "servir à pátria" e mantém-se razoavelmente a coerência... Será que isso é uma consequência do jeito britânico de dizer as coisas diretamente, mesmo o que os outros não gostariam de ouvir, ou será que escrever é assim tão pouco divertido?