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Sagarana (Guimarães Rosa)

Lucas_Deschain

Biblionauta
[align=center][size=medium]Sagarana (Guimarães Rosa)[/size][/align]

Sagarana é um livro de contos publicado por João Guimarães Rosa em 1946 e cuja primeira versão foi por ele inscrita no Concurso Humberto de Campos, da livraria José Olympio, sob o título de Contos, em 1938, e que assinou sob o pseudônimo de Viator. Essa publicação foi premiada com o segundo lugar no concurso, perdendo para Maria Perigosa, de Luís Jardim.

É a primeira publicação que não foi posteriormente renegada pelo autor. Os textos exemplificam bem o estilo do autor, a sua linguagem inovadora e os seus temas, atrelados à vida rural de Minas Gerais.

O título, Sagarana é formado por um hibridismo: "saga", radical de origem germânica que significa "canto heróico", "lenda"; e "rana" palavra de origem tupi que significa "que exprime semelhança ". Assim Sagarana significa algo próximo a : "próximo a uma saga".

João Guimarães Rosa combina e recombina habilmente as informações do meio, confundindo lugares e paisagens, mesclando o real, o imaginário e o lendário em sua obra. Não é um livro regionalista já que não se limita a uma localidade especifica.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sagarana

Lembro de ver listas de obras obrigatórias para vestibular e sempre encontrar esse livro nelas. Tomei gosto (depois do vestibular, estranhamente na minha lista ela não constava) e resolvi ler. Resultado: fiquei fã do Guimarães Rosa. Vamos discutí-la?
 
Recuperei alguns posts do tópico:
- Primeiro post (Lucas_Deschain) em 19-01-2010
- Último post (Lucas_Deschain) em 23-02-2010

Lucas_Deschain disse:
Esse é um livro em que entrei com a expectativa baixíssima, já tinha ouvido amigos falarem que era chato, difícil de se ler (o que de fato é) com histórias bestas sem enredos fortes. Contudo, teimosamente li Sagarana e posso dizer que me surpreendi com a obra. Guimarães Rosa conta "causos" utilizando a linguagem característica do interior mineiro. O livro se torna uma conversa em redor da fogueira a noite onde cada conto te surpreende pela complexidade da linguagem e pelo desenrolar maravilhoso das histórias.

Ashe.Love disse:
Ainda não li e apesar dos comentários não muito positivos sobre o livro, tenho muita vontade de ler.
Tenho uma dúvidazinha: Ele é obrigatório para vestibular, faculdade ou algo assim?

Lucas_Deschain disse:
Alguns dos contos que ele contém eu já vi serem cobrados em vestibular, principalmente o conto "O Burrinho Pedrês", que é o que eu mais gosto da coletânea que é "Sagarana".
Bom, como apreciadora de Literatura que você deve ser, é sempre válido e interessante conferir Guimarães Rosa.

Ashe.Love disse:
Ah, então é um livro de contos. Bom, já que é cobrado no vestibular, é mais um incentivo para a leitura (:

Guimarães Rosa é muito famoso... Acho que todo leitor que seja realmente apreciador da Literatura deveria ler pelo menos alguma obra dele. Me falam muito bem de "Grande Sertão: Veredas", então certamente lerei este primeiro. =D

Lucas_Deschain disse:
Grande Sertão: Veredas está para Sagarana assim como A Torre Negra está para Stephen King (me desculpem aos aficcionados pela "heresia" da comparação). É seu opus magnus, seu master piece, a obra pela qual ele é mais conhecido. O que descobri sobre Guimarães Rosa é que ele é fluente em diversas línguas, e, através dos cacoetes e trejeitos da linguagem (não necessariamente mais simples) do interior, acabou por "criar" uma maneira toda especial de falar, que é tão bem retratada em Sagarana.
É muito interessante, se não pelo enredo, formado por espécies de "causos", pela maneira engrçada e extremamente eloquente com a qual ele coloca os pensamentos e a história.

Lector disse:
Ashe. Love, Sugiro que você leia sagarana sem pensar em vestibular, apenas sendo levada pelas estórias maravilhosas que são narradas. São 09 contos.

Pips disse:
Ashe.Love disse:
Ah, então é um livro de contos. Bom, já que é cobrado no vestibular, é mais um incentivo para a leitura (:

Guimarães Rosa é muito famoso... Acho que todo leitor que seja realmente apreciador da Literatura deveria ler pelo menos alguma obra dele. Me falam muito bem de "Grande Sertão: Veredas", então certamente lerei este primeiro. =D

Se você quer conhecer o autor, não é bom começar pela obra-prima dele, ainda mais no caso do Guimarães e sua linguagem. Em Magma e Sagarana ele ainda descobria seu próprio, criava e em alguns momentos aparecem certos impasses na leitura. Se você gostar de Sagarana, parta para o Primeiras Estórias (que eu acho que todos deveriam começar por esse, pois o estilo já está redondinho). Aí sim vá para o Grande Sertão. E se ainda tiver fome de Guimarães, leia Tutameia.

Ashe.Love disse:
Bom, então vou seguir o conselho do Pips. Gosto sempre de começar devagar, até chegar ao topo, se é que me entendem rs', até porque quero muito apreciar as obras de Guimarães Rosa. Pelo que vi, a linguagem dele parece ser bem complexa, e me enrolar com isso não me agradaria XD

Obrigada pela ajuda e pelos conselhos, pessoal (:

(Minha prima vai fazer vestibular e pediram várias leituras: A crônica da casa assassinada, por trás dos vidros, Cobra Norato, Paraísos Artificiais e Sagarana. Parece que este último está em todas mesmo.)

Lucas_Deschain disse:
Essa dica do Pips é boa mesmo, começando devagarinho e depois se inteirando mais no autor. Assim dá pra mergulhar aos poucos no oceano de riquezas das leituras de Guimarães Rosa, fora que te dará um conhecimento enorme para a realização do Vestibular bem como para sua vida de leitora.

Brianstorm disse:
A primeira vez que eu li Sagarana foi para o vestibular e eu odiei. Quando eu reli gostei bastante, principalmente de "O Duelo". A narrativa dele, o jeito como usa as palavras, é muito diferente. Sem contar nas tiradas filosóficas em histórias aparentemente sobre caipiras. Mas de fato é uma leitura difícil. Eu ao menos tenho minhas dificuldades em Guimarães Rosa. Já li Primeiras Estórias, Tutaméia e Manuelzão e Miguilim também, mas não gostei muito de nenhum. Gostei da forma como ele conta, mas não gostei do que ele conta. O preferido foi Sagarana. Tá certo que eu era mais novo e entendi pouco também. Mas desde sempre tenho muita vontade de ler Grande Sertão, não li ainda por medo, mas acho que mês que vem vou encarar.

Lucas_Deschain disse:
Quanto as "tiradas filosóficas" do Guimarães Rosa, bem, tem uma (que talvez mescle mais sabedoria popular do que tirada filosófica) em Sagarana, que é mais ou menos assim: "Cacunda de bobo é puleiro de esperto." (não sei se a grafia era exatamente assim) quando li aquilo fiquei fascinado pela simplicidade e a sabedoria que permeavam aquele modo aparentemente simplório de se expressar. Essas pequenas tradições e costumes, ditos e práticas que o Guimarães Rosa explora com tanta perspicácia dão um toque todo especial a sua obra.

-Arnie- disse:
Caramba, fazia tempo que não via a palavra "cacunda" hahahaha /nostalgia

Lucas_Deschain disse:
-Arnie- disse:
Caramba, fazia tempo que não via a palavra "cacunda" hahahaha /nostalgia

Podes crer -Arnie-, pensei a mesma coisa quando li o Sagarana, fiquei abismado com a síntese daquela frase, soa simples mas esconde uma sabedoria muito peculiar.
 
Alyninha disse:
Confesso que ainda tenho uma certa dificuldade para çer essa obra. Achei bem díficil.

Aposto como a principal dificuldade se dá pelo modo como o Guimarães Rosa usa das palavras, não é? Ele tem um modo todo especial de lidar com as palavras, lhes dar sonoridades e efeitos diversos. É um artífice que lapida com esmero suas frases. Não desista, com mais um pouco de leitura você pega o jeito!
 
Lucas_Deschain disse:
Alyninha disse:
Confesso que ainda tenho uma certa dificuldade para çer essa obra. Achei bem díficil.

Aposto como a principal dificuldade se dá pelo modo como o Guimarães Rosa usa das palavras, não é? Ele tem um modo todo especial de lidar com as palavras, lhes dar sonoridades e efeitos diversos. É um artífice que lapida com esmero suas frases. Não desista, com mais um pouco de leitura você pega o jeito!

Sim essa é uma da minhas dificuldades também, mas acho que Sagarana é de fato uma obra bem complexa. Acho Manuelzão e Miguilim um pouco mais simples, mas isso é uma discussão para um outro tópico. Mas agradeço mesmo pelo apoio, pode deixar que não vou desistir! Acho que ler a opinião e a interpretação do pessoal aqui do Meia, me ajuda bastante. Valeu
 
Será que vocês podiam me dar algumas dicas de "como ler essa obra" :timido: ?
Porque comecei lendo o primeiro conto , o burrinho pedrês, e o livro foi me dando uma dor de cabeça tamanho foi o meu incômodo ao lê-lo, hehe...
Acho que meu maior problema ate agora tem sido, além do jeito inusitado do autor nos narrar a história, as muitas palavras sobre coisas rurais sei lá, pois aonde eu estava lendo antes de chegar em casa, não tinha acesso a um dicionário e teve muitas partes que eu me enrolei todo e não sabia mais o que estava acontecendo na cena.. hehe
acho que é isso... e nem acabei ainda o conto primeiro...:rofl:
 
Esse conto é especialmente difícil mesmo, Gabriel, experimente passar para algum outro. Tente "Sarapalha", é bem divertido! :sim:
 
Eu li quando estava no cursinho. Achei que iria detestar, mas amei! Hoje preciso olhar o livro novamente para relembrar o que realmente cada conto tratava, mas alguns me marcaram :) E especialmente quando fui visitar Cordisburgo, a cidade de Guimarães Rosa. Fiquei impressionada com os jovens e crianças que sabiam todos os contos de cor, palavra por palavra, virgula por virgula e ainda sabiam discutir cada conto, mostrando que nao haviam apenas decorado...
 
Li Sagarana de Guimarães Rosa há um bom tempo, e bota tempo nisso, pois estava ainda no colegial. Lembro-me muito bem que foi uma leitura muito prazerosa.

Só para complementar, lembremos que o livro é composto pelos seguintes contos:
O Burrinho Pedrês
A volta do marido pródigo
Sarapalha
Duelo
Minha Gente
São Marcos
Corpo Fechado
Conversa de Bois
A hora e vez de Augusto Matraga


Até hoje, para mim, é um dos melhores livros de contos de todos que eu tive oportunidade de ler.

Um abraço a todos.
 
Li Sagarana há uma semana. Bom, a minha impressão no começo foi de muita estranheza, desconhecimento de termos e palavras típicas do sertão mineiro e baiano, fiquei meio perdido, incapaz de relacionar os acontecimentos com o local até por essa dificuldade. Curiosamente, isso só se deu no começo do primeiro conto. A estranheza diminuiu porque eu parei de me preocupar tanto com o sentido literal das palavras e fui tentando intuir delas o sentido em relação ao contexto, e ir 'sentindo' como fluía a relação dessas palavras com esse mesmo contexto, o que ele revelava, como se expressava e acho que consegui compreender melhor mesmo quando não entendia. Difícil explicar.

A impressão que fica do livro é de uma série de contos, de novelas que tratam de assuntos banais, que podem ter ou não um final imprevisto, trágico ou cômico, como se o único intuito fosse o da conclusão. Mas se percebe com a leitura que o intuito das estórias, se intuito há, é o da estória mesma. O centro, o sentido de todos os contos, não é o sertão, nem o sertanejo, nem os atos que os entrelaçam, mas algo maior, transcendente, o sentido por trás de local, personagem e evento, é o Sertão mesmo, o Sertão que resume em si todos os contrários, as andanças sofridas e os sofrimentos andados da vida sertaneja, da vida que é relação do vivente com o onde-se-vive, a vivência, essa vivência é que é o Sertão, ou melhor, o Sertão encerra toda essas vivências e seja o fim inesperado de alguém, de alguéns, seja a morte, a vida, o fim trágico ou a situação trágica, tudo é uma imagem do Sertão, um símbolo deste, que representa e reatualiza todos os sofrimentos das vivências e como esses sofrimentos todos, em seu enfrentamento, é que consiste a vida verdadeira vivida e a libertação, enfim, é atingida.

E a linguagem é a maior prova, o maior testemunho dessa realidade, dessa concretude. Difícil de engolir no começo, mas é ela que leva o leitor a se aprofundar no Sertão, a enxergar, a sentir, por essa linguagem pedregosa, o quão duro e real é a vida, em todas as suas vivências.

Conto por conto:

O Burrinho Pedrês

Estória singela, do ponto de vista de um burro, que faz a gente se perguntar: 'Realismo mágico', 'Fantasia'? Nada disso. Não tem mágica nem fantasia, nem fantasismo nem fábula, muito menos mito ou qualquer explicação fantástica de antropomorfização do burro. O burro é burro mesmo, na real, burro de verdade, burro concreto, mas burro sertanejo. E aqui tudo é sertanejo, a estória, a trama que se desenvolve entre o dono da boiada, os boiadeiros empregados seus, sua condução da boiada, as dificuldades do trabalho, a trama principal, o amor plus traição plus vingança. E isso tudo arremetido na nossa frente, e bem visível, acompanhado de uma série de menores causos, subtramas, paralelas, que se vão contando e tecendo com aquela linguagem peculiar do sertão, da vida rural, vida mesmo. E enquanto vemos essas estórias se entrelaçando e se desenvolvendo, a gente pára, olha, pensa e quando vê, se abate a grande desgraça sobre os boiadeiros, a tragédia grande que tudo engole, apequena, relativiza. Como tudo na vida, o grande destino é grande mesmo, nada que o homem pense como grande lhe toca, e das pequenezas faz um diabo cavalgando a morte.

A volta do marido pródigo

Esse conto aqui é bem engraçado. Parece de menor importância: o relato de um homem sem muita responsabilidade e cheio dos dotes de esperteza do meio em que vive, dono de uma sabedoria pragmática mas com uma volubilidade e uma instabilidade infantis. Sem muita noção ou maturidade, ele não dá muito valor a nada, nem à mulher, vai pra fora de seu lar experimentar as coisas da 'civilização', depois retorna, cheio de saudade e a gente vê como, pela mesma esperteza que lhe degradou por sua vontade, ele agora vai se criando, se imiscuindo, se metendo e conquistando aos poucos. Jeitinho brasileiro? Eu não vi nada transcendente aqui, então creio que sim, mas talvez esteja como imagem da alma sertaneja, dos extremos em que cai um homem por conta de ser imagem das contradições do lugar e época em que vive.

Sarapalha

Sarapalha é mais diferente, único. Parece que o foco está menos nos personagens e mais no cenário, cenário devastado, fedegoso, doente. É uma estória pungente mesmo, me emocionei com aqueles dois, e como a história deles, seus amores, esperanças, tristezas e mágoas casava com aquela desgraceira toda e peste e morte e cadáveres fedidos etc. Foi duro mesmo, duro ver a dureza de coração ali, como tudo parecia mais difícil.

Duelo

Duelo foi complicado, e não gostei tanto assim. Estória de traição, vingança, perseguição. Aqui a linguagem se mostra mais sertaneja ainda, com os usos, falares, mentalidade jagunça mesmo, dureza do sertão. Mas o mais surpreendente e metafísico de tudo é o final: o vingador-traidor desiste de sua vingança, acometido pelo seu mal ele busca se redimir do mal que causou e de seus outros pecadilhos pela quietude, a convalescença que não vem mas se espera, a bondade caridosa do bom trato com os outros, com o moleque aspirante a pistoleiro, moleque que é bom, é bom e grato ao seu benfeitor e acaba fechando o conto metendo uma bala no antigo perseguido. Não sei se dá pra sentir pena do morto, pena mais se tem é de quem se odiava no começo. O sofrimento redime, transfigura, deifica.

Minha Gente

Parece romance de folhetim, até por ter como protagonista um mineiro assim tão civilizado, conhecedor dos usos e modas, até galante à sua maneira amineirada. Um gentleman. E envolvido com um caso de amor. O que se destaca aqui, além do aspecto político-regionalista, é a descrição dos amores e de sua saudade pela prima. Isso é muito doído mesmo. E o final foi um soco no estômago. O amor se desilude, outra é a noiva, outro o casamento, e tudo surpresa, e... não sei mesmo. Não houve uma grande tristeza de amor desiludido, houve uma surpresa desagradável, algo que tanto mostra como o amor engana e desengana, como a realidade é coisa falseada pelos enamorados, quanto mostra que esse amor engana o leitor também, ele é absorvido pela obra, de tão concreta, tão real. E essa decepção é duríssima, lembra bastante o conto 'Arábia' do Dublinenses, de James Joyce.

São Marcos

Retrato muito interessante das crendices e superstições do povo do interior, e contado por um que lá vive, e um poeta, sabedor das belas descrições da natureza e dos costumes do povo em que ele vive. E que não se furta aos ódios pequenos também, e logo se vê vítima de um feitiço que só se finda pela vingança última. O que chama bastante a atenção aqui é a incerteza inoculada no leitor sobre o que estamos lendo, se é feitiço mesmo ou balela, e, sendo balela, se a verdade não existe mesmo ou se está na fé no feitiço. Tudo complicado e difícil de compreender, de pegar nas mãos, mais ou menos como a magia aparece nos livros de Cornwell, mais loucura que magia, no entanto, mágica. E a metafísica, a superação das contradições, está no fim de quem perverte a ordem natural com suas artes, e fim trazido pelo ofendido, fim querido pela natureza, fim ôntico, filosofante.

Corpo Fechado

Ainda aqui se fala de feitiços e na complicada questão de sua veracidade, sua verdade como falácia ou como psicológico que movimenta a coragem, mesmo sendo o real do feitiço uma coisa irreal. Mas o que mais gostei foi do Manuel Fulô, malandrão, cheio dos trejeitos mais típicos do sertanejo valentão E espertalhão, síntese das condições sociais e econômicas, mas isso é também um palavrório apequenador. Manuel Fulô não é síntese de nada além de si mesmo, o que é nele característico e nostálgico talvez seja aquela sabedoria e simplicidade que quem é de família nordestina, de origem rural, sabe bem, e bem aprecia. Um conto gostoso. E transcende bem aquela morte.

Conversa de Bois

Seria um conto mais mágico que fantástico. A conversa entre bois ocorre como se estes estivessem, no seu trato com os homens, se hominizando, deixando cada vez mais a bestialidade e o mais fantástico desse processo é o processo mesmo, a transformação paulatina deles em algo como que homens. Sem liberdade e técnica nenhum, eternos escravos, mas homens na aceitação do domínio, homens na consciência de si, da alimentação, da vida que vivem e dos homens, consciência, mas ela pontuada por muito instinto ainda, bem vivo e às vezes adormecido. Nesse sentido é que eles falam com saudade contrariada do boi Rodapião, exemplo avançado de hominização. E paralelo a toda essa conversa, e no meio dela, o drama duro e dolorido de chorar do menino Tiãozinho, com o pai morto depois de prostrada doença, a mãe e seu Agenor traidores, e herdeiros do destino do menino. E esse drama vai também se desenvolvendo conforme a boiada avança, como se aprofunda a tristeza de Tiãozinho conforme avança na estrada e avança nas lembranças.
O fim? É um fim justo, recompensador, duro também e meio auto-repreensível, mas esses sentimentos que invadem não são mais fortes que a conversa dos bois.


A hora e vez de Augusto Matraga

Diz-ser o conto mais importante do livro e pude perceber o porquê. A vida de Nhô Augusto é uma vida de brutalidade, seu ser e todo o seu agir se resume na entrega aos desejos, às suas vontades próprias, e pequenas maldades de cada dia. A ponto de sua mulher que até lhe tinha amor, lhe deixa, deixa por outro. E a própria vida toma conta de Augusto, a vida mesma lhe arma, na pessoa de seus antigos jagunços, um revés que lhe teria custado a vida não fosse a gente que o acolheu. Só mesmo Deus pra lhe valer daquele jeito, lhe salvar daquela forma! E pra que o salvaria se não fosse pra lhe salvar de inteiro, todo, sua alma inclusa? Abandonada sua vida cheia de violências e desmandos, nosso heroi Augusto se vê em um processo de regeneração, de redenção, de muitas rezas e piedade, de muita paz e trabalho duro, braçal, honesto. Nós nos deslumbramos com a transformação do homem brabo em homem manso e cristão fiel e temos esperança em sua resistência às tentações.
Até a chegada de Joãozinho Bem-Bem, e aquele seu fascínio jagunceiro, a memória de outra vida, a coragem que inspira os homens mesmo na vilania, a troca da miséria piedosa e da vida mansa feminil pelo varonil e viril andar e batalhar do fora-da-lei. Tentado por essa vida, por essa coragem, nosso heroi já havia percebido que, para ele, mudado de uma coisa pra outra em instantes, pra ele não haveria redenção pela contínua santificação, mas só na desintegração total, mo fim imediato para lhe pagar os erros. Encontra o amigo, cai na tentação? Não, ele encontra na hora daquele ataque, daquela jagunçagem toda, ele vê ali sua hora e sua vez, iria ele se fingir de cego ou seria ele insensível? Não!, ele iria defender, defenderia com sua vida o bem, o justo e o direito, defenderia porque foi pra ISSO que ele foi poupado, ESSA é a sua hora e a sua vez. E os moribundos trocam carícias, se despedem como mártires, como quem verteu toda a taça e agora sofre o reverso, agora se acaba, agora tudo culmina. Tudo finda. Todas as contradições são superadas e Deus sorri no fim de tudo, a libertação aqui está.
 
Última edição:
Me lembro de ter lido no 1º colegial e curtido pra caramba ("Duelo", "Corpo Fechado", "Sarapalha" e "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" me causaram grande impressão na época). Vou aproveitar o relançamento pela Saraiva de Bolso pra comprar um exemplar pra mim e me encantar novamente. :)
 
Eu tenho amor e ódio por Sagarana. "A Hora e Vez de Augusto Matraca" é uma obra irrepreensível e tem umas das melhores adaptações dirigida pelo Roberto Santos e adaptada pelo Gianfrancesco Guarnieri. Outros que ficariam no meu rol só por esse livro seriam Sarapalha, Conversa de Bois e, talvez porque tenho de reler, Duelo.
 

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