Como conciliar a idéia de livre-arbítrio com a de destino?
Pessoalmente, acredito que na visão de Tolkien isso se resolvesse pelo dogma de que Eru é perfeito. Ele é onipotente, onipresente e onisciente. Uma das conseqüências disso é que, inobstante os outros personagens possam agir livremente e tomar qualquer decisão quando confrontados com um dilema, Eru sempre saberá qual decisão será tomada, antes mesmo de o personagem se decidir. Mas saberá porque é perfeito e não porque o outro personagem estivesse realmente "amarrado". É que o pensamento de Eru (a sua linguagem: a Chama Imperecível) compreende o pensamento de todas as suas criaturas. A linguagem (pensamento) das criaturas é imperfeita, limitada. A de Ilúvatar, não. Ele é perfeito. Na mitologia de Tolkien, todos os temas encontram seu fundamento mais remoto em Ilúvatar. Para qualquer pergunta, tanto o sim como o não encontram fundamento no Criador.
Imaginem que para a mente de Eru, o Universo todo (Eä) é simples. Para Ele, não existem variáveis desconhecidas; não existe sorte; não existe aleatoriabilidade.
Se uma moeda é jogada para o alto, Eru sabe exatamente com qual lado ela vai cair, porque Ele sabe exatamente quanto ela pesa (cada átomo), sabe quais são as suas imperfeições, conhece cada mínima deformidade na unha do dedo de quem a atirou para o alto, conhece (pelo nome, talvez...) e sabe onde está cada molécula que vai ser atingida pela moeda enquanto ela gira no ar, etc... Ilúvatar é um ser prefeito. Para Ele, não existe equação ou problema de física insolúvel. Para Ele, até a psicologia dos outros personagens é pura matemática. Simples, fácil e sem erro.
Por isso é que a noção de destino não invalida a sensação de livre-arbítrio.
Só Eru conhece todo o destino. Se algumas criaturas angelicais sabem de alguma coisa a respeito do destino é porque Eru mostrou uma parte dele a elas. Se algumas criaturas não-angelicais tem alguma noção do destino, é porque entraram em contato com as angelicais.
Mas, Swanhild, neste ponto você tem toda a liberdade para discordar, porque eu já não estou mais escorando meus argumentos na obra com profundidade segura. Ainda preciso pensar mais sobre esse assunto para defender essa teoria diante de alguém que conheça a obra como você, sem apelar para argumentos teológicos.
Eu não me recuso a admitir que essa teoria tem fragilidades. O que eu acho empolgante nela é a presença da linguagem em lugar de destaque, como talvez Tolkien (que acima de tudo era um filólogo) gostaria de vê-la.