Eu gosto muito desse tema... Pergunto-me por que demorei tanto para ler este tópico...
Num outro tópico (não lembro qual era o tema... mas talvez a Swanhild lembre...) discutimos essa questão até me ocorrer a idéia de que a Chama Imperecível seria a língua da criação, a línguagem perfeita do Um.
O Ainulindalë é o destino. Se alguém fosse capaz de lembrar com exatidão cada mínimo detalhe daquela música (e apenas Eru é capaz disso) seria capaz de saber toda a história de Arda, antes dela acontecer.
Assim, se algum Ainu lembra de algum trecho da música, pode dizer o que vai acontecer numa determinada situação futura a que se refere aquele trecho da canção. É claro que mesmo os Ainur podem se equivocar um pouco, pois nenhum deles falava a língua do Um (a Chama Imperecível somente será dada por Ilúvatar a suas criaturas depois do final dos tempos, quando os Filhos cantarão junto com os Ainur a segunda canção de Ilúvatar). Outra coisa que traz dificuldades é que os Ainur não viram toda a Música por meio de imagens. A "Visão" foi interrompida antes do Domínio dos Homens (acho que é por isso, e apenas por isso, que os homens estão alheios à música e seu destino não pode ser previsto em Arda).
Se algum dos Ainur, por exemplo um Vala, falasse a língua do Um e, por conseqüencia, lembrasse totalmente da Ainulindalë, saberia todo o destino de Arda, e poderia, se quisesse, contar a outros indivíduos o que iria acontecer e quando, sem cometer erros. Acredito que o Vala que mais se aproximava disso era Mandos. Por isso ele era o Oráculo dos Valar.
Vejam bem: se alguém que não tivesse ouvido a Ainulindalë (um elfo, por exemplo) conversasse com Mandos, ficaria extremamente impressionado e atribuiria a ele poderes de pre-visão, pois o Vala poderia pre-dizer muitos fatos, antes de eles acontecerem.
Mas esse elfo, depois de falar com Mandos e aprender algumas coisas com ele sobre o destino de Arda, poderia sair por aí impressionando seus amiguinhos e bancando o vidente.
Se um dos amiguinhos desse elfo fosse um humano, poderia aprender algumas coisas, e depois falar delas, prevendo devez em quando algum evento...
Isso é um dos lados da moeda. A outra face é o poder de sub-criação. Todas as coisas de Eä foram criadas, em última análise, por Eru. Todas. Desde o grão de areia mais ordinário, até as silmarils de Fëanor ou as estrelas de Varda. Todas as coisas foram, por essa perspectiva, sub-criadas. Mas normalmente só se fala que algo foi sub-criado para se referir a coisas extraordinárias...
Aí é que está: se uma Silmaril é extraordinária, quem vai dizer que a existência de um grão de areia é menos importante aos olhos de Ilúvatar?
É mágica o ato de transformar uma barra de metal numa espada magnífica como a Glamdring? É mágica o ato de transformar sei-lá-o-que (até hoje ninguém sabe) numa Silmaril? E não é mágica transformar areia em vidro?
A "magia" é apenas uma questão de ponto de vista nas obras de Tolkien. Galadriel explica isso pra Frodo e Sam em O Senhor dos Anéis...
Para alguém que não entenda como fazer vidro a partir da areia, um simples espelho pode parecer um objeto mágico...
Por isso tudo, acredito que os dons de sub-criação e previsão estivessem intimamente relacionados. São as duas faces de uma mesma moeda...
A criação das Silmarils estava na Ainulindalë. Era um fato extraordinário, mas estava lá... Os Valar ouviram a Ainulindalë e depois conversaram com os elfos e lhes ensinaram muitas coisas. Um desses elfos era Fëanor, e com o conhecimento adquirido com os Valar (e o talento que Eru lhe deu) ele sub-criou as Silmarils.
Um humano ao ouvir falar de jóias tão extraordinárias, certamente as chamaria de jóias mágicas (ou se fosse um fã de Tolkien talvez as chamasse de sub-criação
).
Por outro lado, se esse mesmo humano fosse capaz de fazer um bonito objeto de vidro a partir da areia, provavelmente não o chamaria de mágico. Mas um outro indivíduo menos culto, que não dominasse a técnica da fabricação do vidro, poderia ao ouvir falar de um espelho achá-lo tão "mágico" quanto as Silmarils...
Nas obra de Tolkien, se um elfo descobriu como fazer uma Silmaril foi porque aprendeu quase tudo com os Valar; se um humano descobriu como fazer um espelho, foi porque aprendeu com um elfo, que, por sua vez, adquiriu esse conhecimento direta ou indiretamente com os Valar. E os Valar aprenderam tudo diretamente com Eru.
Quem vê algo estranho acontecer e não entende porque, pode chamar aquilo de "magia" ou "sobrenatural". Mas mesmo os atos mais extraordinários, praticados pelo próprio Eru, não são sobrenaturais na obra de Tolkien. Aquilo é natural, é verdade, aconteceu mesmo (dentro da lógica da obra).
É tudo, portanto, uma questão de ignorância e sabedoria: quem sabe tudo, pode prever tudo e pode fazer tudo (Eru); quem sabe quase-tudo, pode prever quase-tudo e fazer quase-tudo (os Ainur); quem sabe um pouco, pode prever algumas coisas e fazer algumas coisas extraordinárias (os Filhos que tivessem adquirido direta ou indiretamente conhecimentos com os Ainur); quem não sabe quase nada não pode prever quase nada e não é capaz de fazer nada de extraordinário.
Enfim: as palavras que realmente tem poder na obra de Tolkien são as palavras de Eru (Ele tem a Chama Imperecível), mas se alguém o ouviu falar, pode pre-dizer coisas que vão acontecer. Ninguém entendeu tudo o que ele falou, mas os Ainur entenderam muito. Os Valar e Maiar ensinaram parte do que aprenderam aos elfos e estes ensinaram algumas coisas aos humanos. É por isso que de vez em quando alguém consegue predizer eventos ou "fazer maldições" nas obras de Tolkien...