@ricardo campos, o texto abaixo é meio longo, mas é o melhor resumo que consegui fazer. Talvez pelo excesso de simplificações eu possa ter cometido alguns erros grosseiros.
@Fëanor, sinta-se livre para comentar.
Assim como para falar do governo Lula é preciso falar do governo FHC, a mesma comparação é necessária entre os governos da década de 80 e 90. De forma bem simplificada, o governo Collor, para financiar os crescentes gastos públicos basicamente aumentou de forma astronômica a quantidade de dinheiro circulando na economia (a tal história de imprimir dinheiro). A inflação não é um fenômeno mágico dos deuses, mas uma variável econômica com origem nas ações dos indivíduos e, principalmente, dos governos. Como o dinheiro circulando na economia aumentou mais do que a produção de bens e serviços, o valor do dinheiro diminuiu. Isso significa que você precisava cada vez de mais dinheiro para comprar um mesmo produto - e isso é a inflação.
O Tesouro tem um relatório que parece bem interessante que cobre seis décadas da dívida pública. Num dado momento é dito que:
Com efeito, a parcela do déficit operacional financiado por emissão monetária subiu de 1,4% do PIB em 1983 para nada menos que 5,0% do PIB em 1989, ano em que a inflação atingiu patamares hiperinflacionários. Para se ter uma ideia, a taxa de inflação anual, medida pelo IGP-DI, passou de 211,0% em 1983 para 1.782,9% em 1989.
Traduzindo: O governo gastou muito, imprimiu dinheiro para pagar a conta, mas a economia não cresceu no mesmo ritmo, de modo que a inflação acelerou drásticamente.
O Plano Real teve como base (1) a redução da dívida pública e (2) a mundaça da forma de indexar a economia. O primeiro ponto consistiu em atacar a raíz do problema. No passado o governo gastou mais do que arrecadou e a imprudência de imprimir dinheiro gerou pressão inflacionária. O segundo ponto é basicamente o seguinte: A indexação da economia significa que os preços e salários são automaticamente corrigidos por um determinado número índice. Antes do Plano Real esse índice era a própria inflação, o que gera um problema já que a inflação gera ajustes grandes, que aumentam a inflação, que vai gerar novos ajustes grandes e assim em frente. Isso se chama inércia inflacionária, ou seja, a inflação causada pela própria inflação. A idéia do Plano Real era criar uma moeda nova, mas indexar a economia ao dólar. Nós poderíamos ter dolarizado a economia, mas isso ia significa que ficaríamos totalmente dependente de como os EUA gerenciavam a sua própria moeda.
Enfim, continuando. A dívida pública em relação ao PIB de fato foi reduzida, saindo de 46,5% do PIB em 1989 para 30% do PIB em 1994. O governo diminui a dívida pública ou cortando gastos ou aumentando receitas. No nosso caso, acredito que o principal efeito foi o aumento de receitas, como o aumento de impostos e com as privatizações.
O segundo ponto, indexar a economia ao câmbio, significa que o governo teria a necessidade de se comprometer a manter a estabilidade dos preços e salários através da estabilidade do câmbio. Ao invés dos preços e salários da economia serem reajustados pela inflação, eles seriam reajustados pelas variações do câmbio. A lógica dessa estratégia é encontrar um índice mais confiável e estável para tentar equlibrar os preços da economia.
Para tanto, o governo precisou acumular muitas reservas de moeda estrangeira e aí finalmente chegamos na questão dos elevados juros. Primeiro, qual é a relação entre reservas de moeda estrangeira e a taxa de câmbio. De forma bem grosseira e simplificada, o câmbio é o preço de uma determinada moeda estrangeira em termos da moeda local. Se pensarmos em termos de oferta e demanda, o governo pode tentar controlar o câmbio comprando e vendendo dólares. Quando maior forem as reservas de dólares do governo, maior será a sua capacidade afetar o comportamento do câmbio. Só que essa não é a única forma de afetar o câmbio, já que o governo não é o único que tem dólares dentro do país - os investidores externos também tem. E é por isso que controlar o câmbio é difícil, caso o governo não queira proibir a livre entrada e saída de capital do país.
O resumo da ópera é que o governo precisou manter os juros elevados para estimular a entrada de recursos externos e manter as reservas de dólares elevadas. Essas reservas elevadas permitiram que o governo mantivesse o câmbio sob controle, além de proteger a economia de ataques especulativos. Se não me engano, o saldo comercial brasileiro ficou negativo no começo do Plano Real, o que significa (de novo, em termos bem simplistas), que o país estava perdendo dólares através do comércio internacional. Esse fator só aumentou a dificuldade de controlar as reservas internacionais, teoricamente justificando os juros elevados.
Talvez esse final do texto não tenha ficado muito bom, mas o meu ponto é que quase nada em economia é tão simples quanto parece. E eu acho extremamente leviano vomitar, como fez a presidente Dilma, de que Armínio é o cara dos juros altos, como se ele fosse do mal e tivesse aumentado os juros só de sacanagem, para fuder com a vida de todos.
Por fim, ninguém tem obrigação de saber economia e eu mesmo devo ter falado algumas ou muitas besteiras acima. Só que eu prefiro tentar gerar um raciocínio completo ao invés de comparar números isolados. Se você (ou
@Mercúcio ou
@Felagund) quiserem comentar ou mandar o texto para algum amigo economista, fiquem a vontade.
Fim.