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[Conto] Encontro

  • Criador do tópico Paganus
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Paganus

Visitante
As minhas memórias se esvaneciam então, quando eu contemplava o teu rosto alegre a me olhar, a se virar para mim e me esquecia de te dizer, quando te olhava, o que sentia. A dor, o absurdo de não se ter para onde ir, ter o que dizer e não fazê-lo por medo do gelo. A saliência do teu amor. Por onde escorria um fio leitoso de flores azuis. A cor do esmalte. As unhas dos teus pés. As formas das tuas costas, eretas, arqueadas, cambaleantes, trepidantes. O suor do teu sexo, o amor do teu beijo, o frescor dos teus gemidos.

Ainda me viraria muito na vida, e me desculparia, riria, balançaria a cabeça e me viraria se me dissessem que era amado. Ser amado deve ser uma indecência. Uma vergonha. Como alguém diz a outra pessoa ‘eu te amo’, a pessoa tem que estar muito louca, muito bêbada, tem que estar fora de si, de seu centro de gravidade, para dizer que ama alguém, ainda mais se for sincero. Pois mentir é fácil. Difícil é externar os sentimentos.

Eu me sentia deslocado quando olhava os vidros dos carros,sem reflexo nem amor, e imaginava quanto haveria de suor em outros carros, em outras circunstâncias. Haveria amor ali ainda? Já houve?

A medida das nossas consciências era o grau de pertença ao mesmo declive axiológico, uma comunhão na fraternidade ética, uma gangue moral, uma igreja de pecadores contumazes e jamais arrependidos. Não blasfemávamos, mas de vez em quando derrubávamos o vinho nos paramentos do padre e comíamos as hóstias escondidos. Mas isso era quando a fome apertava demais.

Aqueles carros que vem e vão, que não param, que seguem velozmente para lugar nenhum como a minha mente que intui a identidade da falta de sentido da existência com a relatividade igualitarizante, debilitante, entorpecente, desesperadora de todas as estradas, vias, caminhos, inclusive o meu.

Eu já me apaixonei antes, mas muitas vezes não lembro o nome dela, nem seu rosto, cheiro. A maior parte do tempo em que eu sentia o coração pesar mais era quando nem pensava nela.

Detesto toda hipocrisia, toda perseguição religiosa, ignorância, todo fanatismo. Gosto do cheiro dos teus cabelos, e ainda mais de fingir que sei dançar.

A vida que me deste era frágil e se quebrou. Caí, tropecei e caí, quebrou-se minha vida em miríades, em milhares de pedaços que não posso colar pois não há cola nem idéia do modelo original. Rezo para ti para que me dês uma cola, mas não me dás, não me dás, não me dás!

Penso nas lojas, nos transeuntes tão ocupados sempre, nas belas pernas por quem passo, sem comunicação melhor que um olhar cheio de luxúria que não sei explicar. Penso em roupas que tenho que comprar. Penso nas minhas esperanças para a noite de hoje, rio delas, mas continuo crendo, esperando, sonhando.

Quero escrever um livro que relate as minhas aventuras todas, meus feitos e enganos, minha vida e meus amores, meus ódios e meus pensamentos, meus sentimentos. Sou sensível. E minha sensibilidade é tudo que necessito para escrever um best seller. Temo não ser comprado, não ser lido, não ser admirado nem elogiado. Muito mais do que ser criticado e caluniado.

O sol que nasce não me toca pois onde eu moro não posso ver o sol nascer, só posso sentir o calor que incomoda minhas juntas, que me faz suar e torna o inferno do ônibus ainda mais infernal. Não me aquece o coração o sol que se põe, pois ele se põe quando estou no meu trabalho, ocupado das minhas coisas inutilmente importantes.

A chuva que cai só incomoda quando me pega de surpresa. Mas quando ela é esperada?, ansiosamente aguardada?

Vejo as trincheiras no limite da minha consciência, o cadafalso onde é executado diariamente um eu que desfalece a cada segundo em mim. Teria aquela necessidade estética de me afastar dessa cena, contemplá-la de longe mas a minha ingenuidade me impede de dar o primeiro passo. Um toque de interesse humano me deixa apiedado com a morte constante de mim mesmo. Morro eternamente e tristemente perco de vista os frutos nascidos desse sangue derramado cruelmente. Percebo a vida se esvaindo quanto mais vivida ela é.Vejo a falta de sentido na imanência e a minha incompatibilidade com a eternidade. Sofro com a incerteza e temo o futuro, amando o presente.

Aquela mulher que me sorriu é uma cúmplice dos meus mais depravados pecados, aquele sorriso é pior que uma indecência padrão, é um atestado da minha volúpia criminosa, da minha luxúria demoníaca, é um sorriso simiesco, terrível de se contemplar. É minha cúmplice na devassidão do pensamento mais interior, na disposição instintiva pré-lógica ao pecado, é a minha Eva, nascida com a minha treva, aquela que se confunde com a minha culpa. Ela não me leva ao vício nem o vício me leva a ela, antes ela nasce dentro de mim, só em mim essa flor de desejo desabrocha e vive pela primeira vez, em um segundo de admiração e excitação. Só nela, nesse momento, nesse instante da existência fechada, meu corpo se abre ao infinito do futuro eterno, só aqui meu sexo sorri junto com ela e aquece meu sentido interior.

A culpa nos une quando dela perdemos a consciência. Não há consciência no amor.

O pecado separa os culpados, não heróis como eu e você.

A sexualidade é um mistério do sentido oculto de nossas vidas, é a lembrança da miséria da nossa autossuficiência, é um pedaço do teu sorriso, um calor arroxeado que sobe pela minha barriga, preenche todo o meu coração e desabrocha no teu pescoço, nos teus lábios, no teu queixo, orelhas...

É imensa a minha tristeza pelo amor que matei em mim, pela falta de fé na superação da alegria mais torpe, pela instantânea dor de esperanças massacradas. Não me sinto culpado por ser incompreendido, tampouco me faço de vítima. Não há culpa onde impera a mais férrea necessidade.

Necessito de belos olhos e belas flores, quero que me ofereçam rosas interiores, preces de corações abrasados pela minha vaidade. Quero que o meu pecado seja percebido como tal e amado como tal. Quero a mulher na mulher no amor por mim. A ingênua confiança em si mesma, a bela crueldade do buscar.

Desejo acima de tudo a castidade como uma necessidade e desejo amar a necessidade. Busco um sentido que me glorifique, paramentos que me embelezem, uma vida que me dignifique. O sacrifício das minhas vontades é a minha última vaidade. Amo a miséria com que me trajo, o olhar que de mim se apieda, ainda mais os olhares úmidos que se derramam sobre mim, olhares que desejam possuir o que não pode ser possuído. Enterneço-me na impossibilidade e me coração ganha asas...

Nada desejo, nada busco, apenas me arrebento nessa pista. O álcool já faz parte de mim, ele já nem me afoga nem me faz esquecer coisa alguma. Tenho apenas a imensa necessidade de extinção, de aniquilamento da consciência, de perversão e humilhação pública. Não é desejo, é simplesmente necessário. Não há felicidade comparável a essas mãos estranhas, duras, que me fazem levantar do lodo, me seguram com força, com força me abraçam, com força me amam...

A lua desponta sobre a consciência, uma descrença na esperança de ignorar tudo, de nada esperar. Nada igualmente espero. A noite flui pelos meus dedos. O acontecer irrompe sobre mim, deslizo pela vida.

O amor nasce de um sorriso ébrio, de fumaça, de um dinheiro que muda de dono e leitos macios afundando sob nós.

Em uma manhã de domingo, morno e ensolarado, eu me revirava na cama e mal agüentava os tormentos de uma noite de bebedeira, fumaça e escuridão. Revirava-me no leito, finalmente me recuperando da embriaguez e me agoniava, de vergonha. Ria, gargalhava, ria estridente, desbragadamente com minhas peripécias, minha ousadia, minha coragem de fazer tudo aquilo que fizera. Ria com a minha titanidade, a minha revolta contra o que nunca soube o que era. Ria do tipo de pessoa que eu era, ria da ignorância disso, a ignorância de mim mesmo, da minha incoerência, hipocrisia, da minha indiferença nada grandiosa. Ri tanto que quase me engasguei com as lágrimas.

Levantei-me daquele leito e encarava a vida que se abria diante de mim, o futuro estrelado ou chuvoso, qualquer que seja ele, e o via se abrindo, despontando à minha frente. Mas é preciso dar um passo de cada vez. Tomar um pouco de ar, acender um cigarro, dar uma tragada profunda, profunda, expelir aquela doce e espessa fumaça, fechar os olhos, sentir o mundo debaixo dos pés e ir buscar uma xícara de café... O último inimigo a ser enfrentado é a ansiedade.

Sentir os teus olhos nos meus, sentir as tuas pernas nas minhas, as tuas mãos nas minhas, o teu rosto no meu, enquanto trovejava a tempestade dessa música alcoólica e entorpecidos pelo fracasso de nossas vidas. A inconclusão dos nossos destinos. A canção dos nossos corpos. A imobilidade das nossas almas, assobiando a melodia esquecida da nossa infância esmagada, cuspida, pretensamente superada. A tragédia da individuação. A catástrofe da consciência da infinitude. Deus-em-nós.

Eu me movo com passos suaves e ligeiros, passando quase despercebidos, me movo e pulo, passo e trespasso a tua consciência de ti, sou a flor que desabrocha do teu coração, o ácido que derrete, que consome, que devora o teu eu-para-si. O caos do nosso encontro. A virtude recomeçada, recriada. Ser.

O horizonte apenas intuído, jamais contemplado, não visto e incriado, a mentira do princípio de nossas existências.

A inautenticidade é uma mentira da mentira, é um atestado da nossa esquizofrenia, o pecado contra o Santo Espírito do nosso Verbo. É apunhalar o Amor que nasce nos nossos corações. Inautenticidade é me lembrar de você naquele vestido branco, na nossa formatura, sentir queimar no fundo do meu peito o brilho do teu sorriso e encarar com uma falsa indiferença a noite mais importante da minha vazia vida inócua. Mas você não tinha culpa, afinal como saberia, como poderia saber? Como estaria ali? Como poderia estar ali na mesma freqüência que você? Você era incapaz de perceber, de olhar para além da sua sensibilidade egoísta. Não havia em você apenas solipsismo, uma mera incomunicabilidade do sentimento, por mais profunda, poética, que esta fosse. Havia uma verdadeira incompatibilidade dos corações. Não batíamos com a mesma freqüência. O seu sorriso era mesmo muito lindo, mas eu raramente o via no seu rosto.

Temo pelas noites que perdemos, pelos beijos que não aconteceram, pelos braços trêmulos, minha fronte cingida. Sinto falta da tua presença inteligente, para além dos trejeitos e brincadeiras infantis. Sinto falta da tua seriedade arrogante. Já amei a sua arrogância sarcástica, a humildade da tua ironia, a ascese intersubjetiva. Sofri ao guardar no meu coração todas aquelas flores. Meus espinhos te machucaram? A vida era curta e não se tornou mais bela, mas mais poética. O sofrimento faz parte, faz parte, mas dói do mesmo jeito, e eu não percebia. Sabia que a minha dor era anômala: não me abria à humanidade nem o meu próximo choraria sobre as minhas feridas. Essa solidão era apenas tua, não lhe fortalece? Nada sei dessa metafísica, amor.

Amor. Amor.

Amor.

Amor.

Amoramoramoramoramor...
 
Confesso que é difícil dizer algo... Me remete a Eros e Thanatos, como dois lados da mesma moeda... Me lembra também da música "The Perfect Drug" do Nine Inch Nails...

Um professor meu de história da arte uma vez disse que a procura pelo prazer sexual se assemelha à busca pelo fim da existência... Um desejo de prazer e morte... Não sei se tem a ver com o texto, mas me lembrou muito...

Lindo, triste, erótico e poético... E ainda tão cheio da natureza humana, e suas misérias...

Lindo texto, triste vida...
 

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