Seria uma heresia o desejo de continuar?
Desde que lancei meus primeiros passos rumo à Terra Média, um desejo não abandona minha mente nem meu coração: o desejo de que tal peregrinação seja eterna. Não sei, mas acredito que compartilho tal vontade com muitos, senão com a maioria. O universo criado por Tolkien exerce um fascínio interminável sobre todos nós. A complexidade de suas paisagens, a força de suas personagens o vigor de cada palavra, parecem enredar nossa consciência a ponto de não nos permitir jamais abandoná-lo. No entanto, uma angústia inevitável nos invade, a certeza de que existe um fim, um limite que se ergue à nossa frente. Sabe-se que o próprio Tolkien quis dar um témino à sua obra, uma espécie de apocalipse da Terra Média. Ele não o fez mais pelo cansaço dos anos do que pelo desejo de não decretar um fim para sua obra. Seria uma heresia ir contra o desejo do próprio Tolkien e querer dar continuidade à sua obra? Ou seria presunção ainda mais infame julgar que alguém o poderia fazê-lo? Acho que as duas perguntas têm sua validade e, talvez, a resposta mais certa para elas seja sim. Todavia, o que aconteceu com a história criada por Tolkien é o mesmo que ocorreu com certas idéias, como o conceito de Deus. A priori, Deus é uma idéia, uma abstração, porém essa idéia ganhou autonomia, convertendo-se um ser dotado de existência própria. O universo de Tolkien excedeu seu próprio criador. Adquiriu existência independente dele, alimentado pelos sonhos que plantou na mente de muitos. Seja do ponto de vista literário lingüístico, mitológico... a saga das raças pela Terra Média rompeu os limites de seu criador e agora vive fora dele. Seria possível continuar? Caso o fosse, seria um trabalho clandestino feito nas sombras por pessoas ávidas por novidades e impelidas pelo desejo incontido alongar os horizontes daquilo que já foi contado, para ser debatido, apreciado ou execrado, criticado e revisto? Ganharia a luz da notoriedade para ser julgado com maior rigor? Acredito que seja inevitável questionar-se sobre tudo isso. Poderíamos ser tachados de hereges ou de prepotentes por julgar que tão hercúlea tarefa seja possível. Porém, mais do que uma heresia acredito que seria uma ode ao mestre Tolkien. Não quero comparar-me a ele. Qualquer conto novo não teria sua genialidade ou maestria, mas seria carregado dos sonhos que seus próprios textos plantaram em nós. Queremos fazer isso? É possível? Ou devemos deixar que a Terra Média permaneça assim como está?