Maglor disse:
Nietzche foi acusado de ser precursor do nazismo por décadas, porque suas obras tiveram interpretações completamente díspares daquelas que ele pretendia. Ele queria mostrar justamente o contrário.
Mas isso eu acho errado e até em outro tópico (acho que no Obras) chegamos a falar sobre isso. Mesmo tendo uma interpretação pessoal sobre a obra de um autor, eu nunca vou pretender defendê-la como a interpretação do autor, ela sempre será a minha, mesmo que muitas vezes nós aparentemos apresentar nossa interpretação pessoal como se fosse uma única, embora não seja a intenção.
Por outro lado, o fato de as obras dele terem dado origem a outras por causa de interpretações nazistas, é algo que não se pode evitar. Um texto literário (mesmo filosófico) está sujeito a esse tipo de coisa. Não dá pra um texto vir com uma receita "como usar", como se fosse um remédio. O erro, a meu ver, não está em interpretar a obra de forma livre e, sim, que contexto social permitiu que esse tipo de visão fosse popular, o que seria uma discussão longe da literatura.
Eu não vejo problema em interpretar Nietzsche como nazista (sem entrar na questão ideológica do nazismo em si que é outra coisa), contanto que não se venda a imagem de que Nietzsche ERA nazista, pois é completamente diferente. E interpretar o texto dele como nazista não significa SER nazista. Uma pessoa totalmente anti-nazista pode ver nos textos dele conotações nazistas, sob sua interpretação a obra é nazista, mas não significa que ela concorde com a ideologia nem que acuse Nietzsche de nazista. São coisas distintas.
É quem nem aquela velha história que volta e meia aparece de gente chamando Tolkien de racista. As pessoas podem interpretar O Senhor dos Anéis como racista, não vejo problema nisso (embora eu veja de outra forma, mas também é outra discussão), porém sustentar que o AUTOR era racista, ou que o livro é uma propaganda de ideologias racistas é uma coisa completamente diferente.
Faramir disse:
Sendo assim, uma pessoa qualquer pode imaginar o que quiser a respeito do que esta lendo. Isso é válido, se pressupormos que é uma interpretação pessoal.
A questão que eu abordei vai mais além. Trata-se de entender a obra, texto e contexto, não exatamente seu impacto em outras pessoas 5 ou 500 anos depois. Nesse caso, sim, a intenção do autor conta, seja ela consciente ou inconsciente.
Mas são coisas também diferentes. Uma interpretação da obra é algo íntimo, pessoal. Você traz a sua vida para a obra e nela você usa um espelho de suas próprias experiências. Um trabalho mais técnico, por exemplo, como determinada obra se inseriu no contexto de uma certa escola literária (exemplo simples, mas acho que funciona) é algo diferente. Se um autor, digamos realista, fez um romance, por exemplo, com a intenção de "atacar" o romantismo, o estudo que se pode fazer dele usando-se dessa informação tem objetivos plenamente diferentes que qualquer exercício de interpretação. Uma situação poderia ocorrer, por exemplo, em que mesmo com essa intenção explícita do autor e bem documentada alguém aparecesse com uma interpretação do texto que tentasse mostrar como, na verdade, a obra acabou sendo muito mais romântica do que realista. Pode parecer meio estranho, mas é apenas um exemplo esdrúxulo que eu pensei agora. Nesse caso, a interpretação nova não necessariamente seria indigna de respeito apenas porque contradiz a intenção original do autor. Se a argumentação for sólida o suficiente, ela pode ser até mais forte do que a que faz uso da intenção original explícita.