Operation: Mindcrime (Queensryche, 1988)
Eis aqui uma obra de respeito. Um disco que mostra como uma banda que tinha tudo para prosseguir na mediocridade rasa do enxame de bandas hard da cena americana dos anos 80, consegue se sobressair como um supergrupo após uma aposta de risco. Digo aposta de risco porque o salto foi enorme, resolver praticamente de uma hora para outra compor uma opera-rock hard, sobre controle social, fascismo, religião e crítica política sem possuir um respaldo anterior foi uma jogada de coragem que felizmente para o Queensryche deu certo, afinal surgiu aí uma obra-prima. É claro que ajudou muito a boa capacidade técnica da banda aliada à voz estupenda de Geoff Tate. As letras do disco são fantásticas, diretas secas e inteligentes, refletindo muito da época, como a guerra fria e o governo reacionário do presidente americano Ronald Reagan. Musicalmente temos o hard com a forte carga oitentista, mas com uma técnica tão boa, tão apurada, com tudo no seu lugar e momento certo, que o flerte com prog-metal fica claro e evidente. É bom deixar de aviso que é uma obra de sua época, portanto musicalmente soa datado e a interpretação das letras é muitas vezes carregadíssima; mas uma audição livre de preconceitos revela o quão maravilhoso este álbum é.
Falando mais detalhadamente sobre o conceito do disco ele narra uma história em um formato típico de opera sobre um homem chamado "Nikki" que perde a sua identidade e seu "controle mental" em nome de de uma conspiração misteriosa que pretende despertar o mundo para o verdadeiro inferno de submissão em que vive. Através das faixas o personagem vive inúmeras aventuras e provas sob o controle desta revolução, como assassinatos, a descoberta do amor e da verdadeira sociedade que vive e ao mesmo tempo a terrível descoberta que o grupo revolucionário que o controla é tão detestável quanto à situação vigente. Tudo muito bem elaborado e bem feito, creio que foi algo único dentro do estilo nos anos 80.
Mas vamos às faixas:
Como se trata de um disco de conceito forte, várias faixas são meras passagens narrativas para "cimentar" as canções propriamente ditas. A abertura com
I Remenber Now é uma mostra disto e nos revela logo de cara que toda a história será contada em flashback, ficou bem famosa a passagem onde a enfermeira do hospital onde Nikki está internado fala
"Sweet Dreams, you bastard!". Anarchy X é uma abertura curta, percebemos uma pequena mostra do som que virá, bastante técnico, os de memória mais recente logo farão associações com as bandas de progressivo-metal dos anso 90. Mas é com
Revolution Calling que o disco engata de forma propriamente dita, uma música de abertura poderosa, onde a forte guitarra de Chris DeGarmo mostra ao que veio, refrão pesado, letra sensacional sem dúvida um grande som, a letra nos dá uma panorâmica geral da sociedade americana do final dos anos 80. A faixa-título aparece em seguida, possui uma levada mais cadenciada e sinistra, e ainda de quebra um solo de guitarra espertíssimo, difícil esquecer a estrofe principal.
Speak é um dos pontos mais altos da obra, logo no começo temos dedilhadas finas de guitarra maravilhosas, a letra é um pedido da conspiração para que Nikki desabafe todo o seu ódio e raiva do mundo, o refrão é fantástico, feito na medida para ser cantado ao vivo:
Speak to me the pain you feel
Speak the word (Revolution)
The word is all of us
Spreading The Disease, é sem dúvida outro ponto alto, a bateria forte e percussiva de Scott Rockenfield nos pega no início, aliada do impressionante alcançe vocal de Tate quando berra a frase que dá nome a música. Na polêmica letra, somos apresentados à Mary uma prostituta que se torna freira e que sera o amor capaz de libertar Nikki de todo o redemoinho que está vivendo. É bom que se diga que as estrofes desta música trouxeram alguns problemas para banda, pois deixa a entender que as pessoas que se prostituem são execráveis e "Espalham a Doença" como fica evidenciado nesta forte passagem (na verdade os versos são ditos do ponto de vista de um reacionário):
Sixteen and on the run from home
Found a job in Times Square
Working Live S&M shows
Twenty-five bucks a fuck
And John's a happy man
She wipes the filth away
And it's back on the streets again
Spreading the disease
Everybody needs
But no one wants to see
The Mission é uma canção maravilhosa, pode-se chamar de a balada do álbum. Belos violões aparecem nela e uma interpretação carregada do vocalista. Apesar da crueza dos versos fica claro que é uma bela composição de amor onde o personagem principal percebe que ama a mulher citada anteriormente, uma música romântica ao seu modo como mostra esta parte:
I'll wait here for days longer
Till the sister comes to wash my sins away
She is the lady that can ease my sorrow
She brings the only friend
That helps me find my way
Suite Sister Mary é a faixa épica do disco. Longa, variada, cheia de sons incidentais e progressiva. Possui um duelo vocal de interpretações muito inspirado entre Tate, fazendo o papel de Nikki e um vocal feminino fazendo ás vezes de Mary; uma música conduzida com muita intensidade, os corais religiosos completam o clima.
The Needle Lies, marca a virada na narrativa do disco, quando o personagem principal percebe que a "revolução" nada mais é do que outro tipo de dominação; musicalmente é uma canção rápida e direta, bastante agitada.
Breaking The Silence e
I Don't Believe In Love são duas músicas que aparecem em sequência e representam uma clara incursão "comercial" do disco, são bastante radiofônicas e com refrões grudentos, não por coincidência viraram hits na época; mas estão longe de serem ruins, mostram um sadio e nostálgico espírito da década que foram escritas, além de dentro do conceito do disco mostrarem um aprofundamento muito bom em sua letras, com uma desilusão profunda do personagem principal do álbum. Não poderia haver um final melhor para o disco que
Eyes of a Stranger; uma música sensacional, mais uma vez uma performance vocal irreprensível de Tate, com arranjos de orquestra feitos nada mais nada menos por Michael Kamen, o "maestro do rock", a canção se tornou o maior sucesso do disco e merecidamente, pois coroa o trabalho de maneira magistral, conceitualmente com um final pessimista e depressivo, mas fechando a narrativa de uma maneira cíclica com a primeira música que mostra a inspiração do grupo ao compor o disco. As demais faixas que não comentei (
Electric Requiem,
Waiting for 22 e
My Empty Room) possuem a característica que já comentei antes, são vinhetas curtas com peças instrumentais rápidas e frases narradas).
Sem dúvida um dos grandes momentos do hard rock dos anos 80. Criatividade, inteligência e feeling a flor da pele. Apesar de seguirem lançando muitos discos de grande sucesso comercial, o Queensryche teve o seu maior momento em Operation: Mindcrime, e souberam capitalizar isto muito bem, lançando vídeos e discos ao vivo inteiros dedicados ao disco. É um trabalho empolgante e muito influente para várias bandas principalmente aquelas que seguiram o prog-metal nos anos 90.
Formação:
Geoff Tate: Vocais, Teclados
Chris De Garmo: Guitarra e Violões
Michael Wilton: Guitarra e Violões
Eddie Jackson: Baixo
Scott Rockenfield: Bateria e Percussão
Faixas:
01 - I Remember Now 01:17
02 - Anarchy-X 01:27
03 - Revolution Calling 04:39
04 - Operation: Mindcrime 04:45
05 - Speak 03:42
06 - Spreading The Disease 04:07
07 - The Mission 05:47
08 - Suite Sister Mary 10:39
09 - The Needle Lies 03:08
10 - Electric Requiem 01:22
11 - Breaking The Silence 04:34
12 - I Don't Believe In Love 04:23
13 - Waiting For 22 01:05
14 - My Empty Room 01:32
15 - Eyes Of A Stranger 06:38
Nota: 10/10