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Atacado no Orkut, jovem amadurece
RACISMO VIRTUAL - C.B.A., 13 anos, foi vítima de racismo pela primeira vez em sua vida onde menos esperava: na internet
Adolescente negro que recebeu dezenas de mensagens racistas na comunidade virtual está mais esperto e consciente de seus direitos
Otávio Dias
Vítima de um ataque racista via internet em janeiro, o estudante C. B. A., 13 anos, tornou-se um adolescente mais maduro. Sentiu, pela primeira vez, o impacto do preconceito contra os negros no País. Mais consciente de seus direitos, aparenta uma tranqüilidade rara em garotos da sua idade.
"Antes, como todo adolescente, era muito distraído. Achava que racismo era coisa do outro mundo e que não tinha nada a ver comigo. Agora, presto mais atenção, estou mais esperto", disse ao Link no início de março.
Com autorização da mãe, a enfermeira Maria Aparecida, 46, a reportagem do Estado visitou C. (cujo nome não pode ser divulgado por ele ser menor de idade) na casa simples e bem arrumada onde vive no bairro da Casa Verde, em São Paulo. Eram 7 horas da noite, ele havia acabado de chegar da escola e curtia suas duas horas diárias de internet, tempo máximo que a mãe permite ao filho navegar na web.
A transformação na vida de C. começou em 6 de janeiro, quando sua página no Orkut - comunidade virtual criada nos EUA e que tem milhões de adeptos no Brasil - foi alvejada por dezenas de mensagens ("scrapbooks") com teor racista. "Seu macaco, você não tem direito de usar o Orkut", dizia uma delas.
Quem percebeu primeiro que algo estava errado foi seu irmão Dante, 19 anos. Ao visitar a página de C. naquele dia, ele estranhou o enorme número de scrapbooks em um único dia. Ao ler as mensagens, assustou-se com a violência contida nelas. O passo seguinte foi conversar com a mãe e preparar o irmão mais novo para enfrentar a situação inédita.
"Poderia pensar em mil e um lugares (para sofrer um ataque racista), menos na internet. Nunca fiz nada contra ninguém do Orkut. Não esperava isso", disse C. Mas como as mensagens racistas foram parar em sua home page?
Um membro do Orkut apelidado como Arthur White postou a seguinte mensagem no grupo de discussão "Anti-Heróis": "Se você já foi atacado por algum maldito que se julga herói, está na hora de se vingar. Descarregue toda a sua fúria nesse pobre pretinho inocente." Ao clicar no local indicado, os membros do Orkut caíam na página de C., onde podiam deixar uma mensagem.
Após o ataque, amigos de C. no Orkut (são mais de 200) agiram em conjunto para tirar o grupo "Anti-Heróis" do ar. Mas não se sabe, até agora, quem é Arthur White, pois os membros do Orkut não precisam se identificar para participar da comunidade virtual. Basta receber um convite de quem já está dentro. Na última quinta-feira, não havia home page em nome de Arthur White, mas sim de Artur White. A página não continha perfil nem foto.
Estudante de jornalismo, Dante agiu rapidamente: pediu ajuda à Ordem dos Advogados do Brasil, que contatou o deputado estadual Sebastião Arcanjo, da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial. O deputado pediu a abertura de uma investigação pelo Ministério Público. No final de janeiro, o promotor de Justiça Christiano Jorge dos Santos abriu duas investigações sobre racismo no Orkut, uma voltada para o preconceito e o ódio contra negros e a outra contra judeus.
Sua intenção (leia entrevista abaixo) é identificar os autores das mensagens e processá-los criminalmente. Também pretende reunir provas para entrar com um pedido de indenização contra o Google, um dos ícones empresariais da internet, criador do Orkut. Um eventual processo nos EUA não será fácil, pois a legislação norte-americana é muito diferente da brasileira. A Primeira Emenda da Constituição dos EUA garante o direito à liberdade de expressão e não há uma lei específica que criminalize manifestações racistas. No Brasil, racismo é crime e dá cadeia.
Além disso, mover um processo em outro país é sempre muito complicado, pois envolve os respectivos governos. No último dia 4, o advogado norte-americano Robert Vance anunciou que entrará, em breve, com uma ação indenizatória nos EUA contra o Google, em nome de C. "Embora a Primeira Emenda garanta a liberdade de expressão, cresce nos EUA a consciência de que a internet está sendo usada para espalhar o ódio racial", disse Vance.
"Não espero que a Justiça americana interfira diretamente no conteúdo do Orkut, mas, se o Google tiver que pagar uma indenização, prestará mais atenção no que é publicado no site."
C. recebeu a novidade com um misto de satisfação e apreensão: "Achei interessante porque há uma mobilização para mostrar que o que aconteceu não foi brincadeira, é coisa séria. Mas não quero que isso prejudique meu acesso e o de outras pessoas ao Orkut. Não quero perder os elos que tenho lá."
Apesar do acontecido, C. continua gostando de freqüentar a comunidade virtual, onde reencontrou antigos colegas. Na internet, ele usa o programa de mensagens instantâneas MSN, ouve música e visita o site de suas bandas favoritas, entre elas Yellowcard e Slipknot.
Sua mãe não permite que ele grave músicas no computador ("Ocupa muito espaço", diz Maria Aparecida) e limita o tempo no computador a duas horas por dia. "Se deixar, ele fica o dia inteiro", afirmou.
"Ela poderia deixar eu ficar um mais pouquinho, mas mãe é mãe", disse C. Segundo ele, a fissura dos jovens pela internet acaba levando ao "sedentarismo". "É da cozinha para o PC, do PC para a cama e mais nada. Para marcar encontros, decidir onde ir e discutir um assunto, fazemos tudo pelo computador", disse.
C. vai além: para ele, a comunicação online 24 horas chega a banalizar as relações. "Se eu converso com uma pessoa a noite inteira pela internet, no dia seguinte rola uma falta de assunto. Todo mundo diz que isso precisa mudar, mas acaba não mudando. Tento, bem de leve, não exagerar muito.", disse.
Apesar de fazer parte de uma família sem recursos financeiros de sobra, C. estuda numa boa escola privada nos Jardins, onde tem uma bolsa de estudo. E compartilha com outros 5,3 milhões de brasileiros o privilégio de ter acesso à banda larga em casa.
O computador da pequena família - formada por Maria Aparecida (divorciada), Dante e C. - é um PC honesto sem marca conhecida. A banda larga foi instalada há cerca de três anos, quando a mãe realizava, nas hora vagas, frilas para um banco em casa.
"Depois que você tem banda larga, não dá mais para ficar sem. É importante para todos, especialmente para o Dante, que estuda jornalismo e começa a trabalhar", disse. "A internet tem lados bons e lados ruins. É preciso achar um meio termo", afirmou.
Existe, por exemplo, uma combinação entre ela e C. não apenas no que diz respeito ao número de horas em frente do computador, mas também do tipo de sites que o garoto pode acessar. "Ele tem 13 anos, tem alguns sites que o Dante pode acessar e o irmão mais novo, não."
O que chama a atenção, durante uma breve visita, é o respeito e a confiança entre a mãe e os dois filhos, o que parece ter se reforçado com o ataque a C. "Nosso primeiro impulso, meu e do Dante, foi o de proteger o C. Mas o que eles queriam era impedir que ele usasse livremente a internet. Isso não vai acontecer", disse.