o cisne entrevistou o gaiman para a folha
Livro de Neil Gaiman, "O Oceano no Fim do Caminho" celebra as mulheres¹
Neil Gaiman, o criador da aclamada série de quadrinhos "Sandman", está de volta à seara dos romances para adultos com uma trama que reúne alguns dos elementos centrais de suas obras anteriores: um garoto normal que é arrastado para um mundo mágico e perigoso e um trio de mulheres misteriosas que guiam o menino nesse universo sobrenatural.
As três personagens --uma menina, sua mãe e sua avó-- moram numa fazenda de Sussex, na Inglaterra, cenário inspirado na infância de Gaiman, e cozinham todo tipo de guloseima para o jovem protagonista, mas estão longe de ser pessoas normais.
A garota diz que é dona de um oceano (embora ele pareça só um laguinho de chácara) --daí o nome do novo livro, "O Oceano no Fim do Caminho". Já a avó diz se lembrar de como era o Cosmos antes do Big Bang, e nenhuma delas parece envelhecer.
Elas são, no fundo, encarnações da chamada Deusa Tripla --figura identificada por estudiosos em várias mitologias europeias, que representaria o poder da mulher nas principais fases de seu ciclo de vida (virgindade, maternidade e velhice).
O escritor diz que esse é seu livro mais pessoal --"o narrador de sete anos de idade é mais ou menos eu", afirma--, mas recusa o rótulo de autobiografia, a começar pelas cenas violentas envolvendo o protagonista e seu pai. Leia trechos de sua entrevista.
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Folha - Até que ponto o sr. diria que seu novo livro é autobiográfico?
Neil Gaiman - Ele é, de longe, o livro mais pessoal que eu já escrevi, mas não significa que os fatos ali sejam verdadeiros, mesmo no caso dos fatos que eu roubei da vida real.
F - Perdi as contas de quantas vezes figuras parecidas com a chamada Deusa Tripla já figuraram na sua obra. E elas são muito importantes nesse novo livro. O sr. consegue explicar o porquê disso?
G - Não, na verdade não consigo. É algo que parecia totalmente a coisa certa a fazer quando comecei a escrever "Sandman", quando me deram carta branca para usar uma série de personagens antigos da DC [a editora de HQs que publica "Batman" e "Superman", por exemplo].
Eu achei uma delícia transformar as três bruxas que apareciam nos quadrinhos de terror da DC na Deusa Tripla, a donzela, a mãe e a velha. Depois de fazer isso, acabei me dando conta de que esse era um jeito muito interessante de falar com o leitor e de criar personagens, e elas continuaram a morar dentro da minha cabeça.
F - O sr. acha que isso é um tema comum na sua obra, essa visão quase reverencial das mulheres como seres poderosos e sábios?
G - É engraçado, nesta manhã mesmo eu estava conversando com minha mulher [a cantora americana Amanda Palmer], e ela disse: "Sabe, querido, a grande mensagem que fica de todos os seus livros é que você venera as mulheres" (risos). E acho que isso é verdade. As mulheres são incríveis, maravilhosas, dão-nos a vida, afinal de contas.
F - Levando em conta esses personagens recorrentes, o sr. já sentiu a tentação de amarrar todas as suas histórias num único universo, criando a sua "Terra-média" ou a sua "Nárnia", digamos?
G - Muitas delas são amarradas pela parte dos fundos, digamos, mas nunca senti esse impulso de juntar todas as coisas, acho que há o perigo de tudo ficar menos interessante.
F - A literatura de fantasia ainda sofre preconceito. Do ponto de vista literário, o que a fantasia é capaz de realizar e que outros gêneros não?
G - Fantasia é um termo tão amplo... Para mim, cobre tudo, inclusive a ficção realista. O que estamos tentando fazer é sempre a mesma coisa: falar de coisas grandes e verdadeiras contando mentiras.
E, se você conseguir fazer com que aquilo pareça mítico, com o sabor de uma história verdadeira que você sente que sempre soube, mas tinha esquecido, então terá sucesso.
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¹Vale a pena clicar no link pq tem umas imagens e talz