Provavelmente algumas pessoas não vão gostar do que eu vou dizer, mas aí vai...
Eu sou a favor de ir pras ruas e lutar por direitos e por espaço na sociedade. As classes historicamente reprimidas têm mais é que se organizar e forçar a criação deste espaço. Quando olhamos para a situação social da mulher no ocidente (e aqui vou me permitir generalizar), vemos um histórico de lutas que resultou em grandes conquistas desde meados do século XIX. As lutas foram árduas, mas hoje vemos mulheres indo às urnas, às universidades, competindo no mercado de trabalho, constituindo renda, entre outras coisas. Sobre a marcha das vadias, eu havia lido pouca coisa a respeito. E pude entender algumas questões um pouco melhor a partir das discussões neste tópico.
Bom, vamos ao ponto. Existe uma coisinha chamada cultura, em que estão envolvidos costumes, práticas sociais e representações. As pessoas crescem e se formam nesse meio cultural, que embora não seja estático, tem peso significativo na formação do sujeito a partir dos círculos de sociabilidade que este freqüenta. O que me incomoda por vezes nesses discursos é supor que a mulher que se idealiza é um extra-terrestre sem qualquer vinculação com o meio social que a produziu e que, portanto, pode tomar quais atitudes queira sem ser submetida a quaisquer formas de julgamento. A questão da roupa curta é uma bandeira? Certo, mas toda mulher na maior parte do ocidente tem o direito de se vestir da maneira como escolher. Mas elas não vão mudar a consciência cultural de uma hora pra outra. Se recorrermos aos clássicos da Sociologia (e aqui o Felagund pode falar com mais propriedade que eu), quando Durkheim teoriza sobre os "fatos sociais", ele diz em determinado momento que é possível escapar às suas determinações... mas nesse processo o sujeito sofre múltiplas coações. Se recorremos a Marx, podemos ainda buscar o conceito de dominação, historicamente presente nas relações de gênero.
Mas a mim a tal Marcha das Vadias parece um movimento burro, que não teve sequer a capacidade de definir de maneira mais precisa as suas bandeiras. Privilegiou-se muito o espetáculo: "oh, estamos chocando com esse nome radical e com os peitos de fora...", e o movimento foi extremamente esvaziado do ponto de vista político. O objetivo da marcha é chocar para propor reflexões? Não vejo este efeito, com exceção de alguns nichos. O objetivo é a construção de um consenso menos opressor em relação à mulher (digo menos opressor, porque opressões sempre haverão sobre homens ou mulheres) no seio da sociedade civil e não apenas em determinados círculos interessados, certo? Então há algo de errado na forma como a manifestação foi levada adiante.
Noções de moda e estética são historicamente elaboradas, isto é, há uma noção de bonito e feio socialmente aceita. Se se pretende atacar essa questão, é preciso fazê-lo de maneira mais inteligente. Adotar como nome, de bom grado, a pecha que os ditos "machistas" atribuem a certos comportamentos femininos é um erro político. Isso ataca o problema ou o reforça perante a sociedade civil? O nome de um movimento não é um detalhe sem importância... é a síntese de uma luta.
Me chamem de machista se quiserem, mas acho pouco provável que eu algum dia namore uma mulher que use roupas muito curtas. Sou um homem do meu tempo, gerado em um contexto em que as representações interiorizadas classificam como imoral este tipo de comportamento. E assim eu penso. A moral não é algo alienígena, que as pessoas escolhem a que mais lhe aprouver na 25 de março. Ela é historicamente constituída. E se se pretende mudá-la, o caminho é muita luta mesmo. Mas essa luta deve ser bem pensada para não cumprir o papel contrário do que tem como objetivo no plano da retórica. Como o feminismo como ação política em geral está situado na esquerda, acho que, na forma como essa tal marcha vem sendo realizada, não seja um abuso classificá-la como um "esquerdismo" de gênero.
PS: Só pra ressaltar: essa coisa de culpabilizar mulheres vítimas de estupro com base na maneira como se vestem é uma babaquice aviltante.
Opa! Brigado pela citacao Timewolf, mas voce foi muito bem na citacao dos dois "porquinhos" da Sociologia (digo porquinhos porque brincamos na faculdade sobre " os tres porquinhos" da Sociologia, com Durkheim, Marx e Weber).
Sobre a manifestacao, eu tenho uma opiniao que muitos aqui ja expressaram:
Eu apoiei todas as ocupacos da reitoria na PUC e na USP desde que entrei na faculdade. Apoio todo o tipo de luta contra opressao e contra abusos das camadas dominantes. Para mim a questao da mulher esta nesse mesmo ponto.
Historicamente a mulher sempre foi propriedade do homem? Sim, mas as caracteristicas dessa " propriedade" mudaram. Com o capitalismo, a mulher foi jogada nas industrias, no mercado de trabalho, recebendo menos, trabalhando muito. Os poucos direitos dos trabalhadores homens nao eram repassados as mulheres, o que dificultava uma tranquilidade financeira de uma mulher que quisesse viver sozinha.
A sociedade e a cultura oprimem as mulheres, isso eh um fato, porem no meu ponto de vista, o capitalismo oprime ainda mais.
Sobre a manifestacao em si, eu tenho um exemplo proprio:
Na ocupacao da reitoria e do predio administrativo da USP, eu fui as reunioes e apoiei sim as ocupacoes, achava que so dessa forma chamariamos a atencao da midia e da sociedade, e que as nossas ideias seriam absorvidas e alimentariam o debate na sociedade de temas como a militarizacao do estado de Sao Paulo, termino das atividades de uma policia militarizada na sociedade civil, o que representa para uma cidade e uma sociedade uma universidade como a USP e porque precisamos garantir a liberdade de pensamento nela, a questao das drogas e etc..
Porem, depois de toda a repercussão tao negativa que se deu todo o episodio, com a sociedade civil atancando ferozmente alunos e professores da USP, percebi que, infelizmente, a sociedade brasileira e seus veiculos de midia nao tem interesse nenhum em debate, muito menos quando usamos dos exageros para tentar acender a discussao.
Acredito que, depois de todo o ocorrido na USP, o Movimento Estudantil saiu mais fraco, ridicularizado pela midia, massacrado pela PM, e sem conseguir despertar o debate.
Vejo o mesmo na Marcha das Vadias, a sociedade se prendeu nos exageros, na extravagancia (proposital) que as manifestantes fizeram para sacudir a sociedade e alimentar o debate.
Eu defendo e sempre defendi o direito das mulheres. Vejo machismo em lugares e coisas em que muitos nao veem. Ja fui chamado de neurotico e paranoico por isso. Mas eh assim que um discursso autoritario se reproduz: Nas pequenas coisas, no comercial, na novela, nos desenhos da Disney como bem disse a Melian, nos cultos religiosos e etc.
Porem, infelizmente eu tiro outra triste conclusao da marcha: A sociedade brasileira nao esta acostumada com debate, muito menos com manifestacoes que usam dos exageros para se fazer entender. Eh um deficit de cidadania e reflexao que o povo brasileiro tem, e talvez tenhamos que mudar um pouco a abordagem nas proximas vezes.
Afinal de contas, toda a manifestacao tem interesse de ganhar as massas, se a forma que fazemos hoje nao esta conseguindo ( e as vezes esta servindo apenas para reforcar aquilo que tentamos mudar) eh porque a abordagem ta errada.
No mais, qualquer critica de juizo de valor ou de moralidade sobre a Marcha das Vadias, para mim, eh completamente irrelevante, o ponto a analisarmos e criticarmos nao pode ser exatamente o ponto em que a Marcha se propos a debater.