discordo de muita coisa....bom, depois eu falo....
Crítica: J.K. Rowling perdeu interesse em Hogwarts em "Harry Potter e a Ordem da Fênix"
AFP
» Visite o site especial de Harry Potter no UOL
BIA ABRAMO
Colunista da Folha
Atenção, este texto contém, como se diz em sites de fãs, "a really big spoiler" - ou um enorme desmancha-prazeres. Não, não vou contar quem morre em "Harry Potter e a Ordem da Fênix". O que pode estragar o dia de algum eventual leitor é uma revelação de caráter mais sutil, embora de formulação um tanto categórica. Aí vai: o quinto livro de Harry Potter é realmente ruim.
É? É. Claro que, por paradoxal que pareça, é possível ler as 704 páginas com algum interesse, desde que se tenha lido e gostado dos outros quatro volumes. A esta altura, J.K. Rowling sabe melhor o que tem nas mãos e, portanto, manipula com bastante desenvoltura personagens, situações e o fio da meada. "A Ordem da Fênix" é, num certo sentido, o livro em que a autora mostra melhor o enorme controle que tem sobre o mundo de Hogwarts.
Mas quem começar a ler hoje a série sobre o adolescente bruxo, vai encontrar uma escritora que parece estar cheia de seus personagens e com gás apenas para manter a máquina em movimento. A impressão, ou melhor, a suspeita que se insinua é que Rowling se desinteressou de Harry.
Os acontecimentos do livro 5 são pálidas sombras do suspense que move os outros quatro volumes. No primeiro, o próprio deslumbramento de Harry com o universo mágico transfere-se para o leitor e conduz uma ótima história de aventura, cheia de descrições vivazes e interessantes.
No segundo, Rowling volta com uma boa trama de mistério e ótimos personagens Dobby e a Murta-que-Geme. Além disso, em "A Câmara Secreta", a autora avança na complexidade de seu herói, ao fazer Harry se confrontar com um terrível segredo sobre sua prórpria origem.
Em "O Prisioneiro de Azkhaban", a escritora faz uma aposta ousada, ao combinar aventura imaginativa de atmosfera densa e sombria, com uma certa profundidade simbólica, que resulta em um emocionante romance juvenil sobre o luto dos pais. Os traços de caráter do trio Harry, Ron e Hermione também estão mais bem delineados.
Deu tão certo que o terceiro volume marca o final da fase "ingênua" do fenômeno Harry Potter. A partir daqui, a Pottermania extrapolaria qualquer previsão maluca, mas os livros passariam a ficar mais frouxos.
A culpa é do cinema? É uma hipótese a se considerar - nem que seja pela coincidência temporal. Uma vez que personagens e cenários foram para Hollywood (e, portanto, tiveram interpretações homogeneizadas e fixadas), a capacidade de encantar da autora vem diminuindo.
No "O Cálice de Fogo", pelo menos ainda há a Copa do Mundo de quadribol, que rende algumas boas imagens, e toda a complicação do torneio do Tribruxo, responsável por alguns poucos vôos de imaginação.
"A Ordem da Fênix", entretanto, anda em círculos. Aos 15 anos, Harry tornou-se um sujeito ranheta e mal-humorado, ou seja, exatamente como um irmão mais novo percebe e descreve seu irmão adolescente. Tudo o que ele faz é gritar com os amigos e arriscar um namorico com Cho Chang. De resto, tem pesadelos recorrentes e espera alguma coisa acontecer.
Enquanto isso, a vida em Hogwarts vai mal, com a ausência de Dumbledore, afastado do cargo de diretor por intrigas de Cornélio Fudge.
Sim, no final há um confronto com Lorde Voldemort e Harry que acaba por juntar mais uma ou duas peças ao quebra-cabeças de sua origem. Mas é só. É como se Hogwarts e o mundo mágico tivessem se tornado prosaicos demais para Harry e, por extensão, para o leitor.
É pena. Rowling estava conseguindo uma espécie de proeza não apenas na extensão amazônica de seu êxito comercial. Os livros de Harry pareciam ter concentrado e reinventado diversas virtudes de boa literatura de entretenimento. A julgar pelo livro 5, Rowling está substituindo a imaginação pelo controle programático - e isso, é, definitivamente, aborrecido.