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kuinzytao disse:O Espelho eu não li, podia dar uma palhinha
Como e por que ler Machado de Assis
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Por que ler Machado de Assis? Antes de mais nada, porque é muito bom! O que, convenhamos, já é razão suficiente para se fazer qualquer coisa. De todo modo, se você acha que a resposta é pouco convincente, temos outras: porque Machado é um escritor que nos ensina a ler e a escrever sem que pareça estar ensinando coisíssima nenhuma; porque é um autor que inventava, em pleno século XIX, a literatura do século XX; porque é engraçado; porque é inteligente sem ser pedante; porque cai no vestibular (opa, essa não vale).
Tudo isso serve como resposta. Há, no entanto, um outro motivo, que nos toca a todos nesse momento específico. Machado de Assis nos mostra que o mundo não pode ser entendido a partir de uma mera oposição entre certo e errado, bem e mal. Era assim, dessa forma tão simplória, que pensava Bentinho, o narrador de Dom Casmurro. E foi por pensar desse modo que Bentinho jamais conseguiu entender Capitu, a única mulher que ele realmente amou. Capitu é a própria imagem da ambigüidade. Menina e mulher, inocente e maliciosa, ela escapa a qualquer definição redutora, qualquer tentativa de rotulação. Bentinho passa a história toda tentando descobrir se foi ou não traído por Capitu, e essa obsessão só o leva a... perder Capitu, para sempre.
Pensando bem, talvez Bentinho não a merecesse. Quem há de saber? O importante é que Machado, ao criar personagens como Capitu, Bentinho, Brás Cubas, Quincas Borba, entre outros, coloca em xeque nossa mania de querer entender as coisas sempre a partir de duas únicas opções: certo ou errado.
Quando Machado escreveu Memórias póstumas de Brás Cubas, a moda - não muito diferente de hoje - era escrever romance cuja história girasse ao redor do eterno duelo entre o bem e o mal. Romance tinha que ter herói e tinha que ter vilão. Machado foge da armadilha e escreve uma história sem heróis nem vilões, um história de pessoas comuns, com seus acertos e erros. Só o narrador é diferente das pessoas comuns, afinal trata-se de um defunto, mas é exatamente aí que reside a ambigüidade. Por estar morto, não tem mais que se sujeitar ao maniqueísmo da moral, das leis e das conveniências sociais, e então pode, finalmente, ser o que sempre foi, o que todos somos: contraditórios, ambíguos, certos e errados.
Num momento em que o mundo parece se dividir entre terroristas malucos e presidentes desajustados, é interessante saber que há mais de cem anos um escritor brasileiro já mandava seu recado, de uma lucidez exemplar. É Brás Cubas quem diz, a certa altura de suas memórias: "Deus te livre, leitor, de uma idéia fixa."
* Artigo publicado em: Jornal O Popular. Goiânia, página especial sobre Memórias Póstumas de Brás Cubas, do dia 03/10/2001.
Breno C. disse:Barbs, dá um tempo para o Alisson...
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Literatura Infantil e Literatura Juvenil - É fundamental diferenciarmos essas duas categorias. A primeira, iniciada provavelmente por algumas mães ou avós simples e analfabetas da Idade Média no interior da Europa Central, continua até hoje na forma de fábulas e de histórias com forte enredo, geralmente bastante criativo e mirabolante. Essas histórias devem sustentar-se por si mesmas e, muitas vezes, encerram alguma lição de vida no final. Há, portanto (e sempre houve!), uma clara intenção educacional nessas histórias, desde suas origens até nossos dias.
A galinha ruiva, por exemplo, deve ter sido criada por alguma mãe que queria mostrar a seus filhos a importância de todos dividirem uma tarefa. Em Bom dia todas as cores, como outro exemplo, Ruth Rocha monta uma bela fábula para mostrar a impossibilidade de um camaleão ficar sempre mudando de cor para contentar a todos, tal como na fábula de Esopo O velho, o menino e o burro.
Já no caso da Literatura Juvenil, o que temos não é um passo cronológico à frente da Literatura Infantil; é antes um passo anterior da Literatura adulta - essas histórias são filhas dos folhetins, dos textos curtos e de ação. A Literatura Juvenil seria, então, uma simplificação da Literatura dita adulta, ou sem idade.
Normalmente, eu sou este tipo de escritor: alguém que procura escrever de modo livre, sem a intenção de lições de moral da história.
Este foi o meu primeiro livro, escrito depois de anos como redator profissional de histórias curtas para revistas. Nele, fica clara a intenção lobatiana de criar um grupo de personagens que critica o mundo. Uma história que procura atingir as crianças dos nove aos doze anos, com uma forma muito simples, uma narrativa linear, um narrador onisciente na terceira pessoa. Os trilhos dessa composição formam um círculo fechado: quase nada acontece em termos de enredo e nem se apresenta uma solução final para o conflito dramático proposto. Aliás, essa é uma das características do que escrevo; penso que é nocivo o conceito de que se deva sempre apresentar um final feliz para crianças e jovens, de modo a não chocá-los. Essa intenção catártica é muitas vezes mentirosa. Se eu trato do problema das drogas, por exemplo, será mentira se, no final, com a prisão do criminoso do enredo, eu sugerir que o problema das drogas estaria resolvido. Ao contrário, devo mostrar que, fora do livro, o problema continua e sua solução depende da atuação futura do leitor. Escrever para crianças e jovens é também participar de seu processo educacional, e qualquer processo educacional objetiva, antes de tudo, amadurecer a criança, informá-la, afastá-la da inocência e da ignorância, torná-la um adulto, fazer com ela deixe de ser criança.
Neste livro, o desafio principal foi criar um narrador na terceira pessoa que não sabe tudo; narra apenas aquilo que as personagens podem compreender. E, como as personagens são cães, muitas das ocorrências são narradas do modo equivocado como aqueles cães as interpretam.
Por exemplo: no Canil Municipal, alguém, com um revólver, mata um cão hidrófobo. Os cães jamais tinham visto alguém morrer e jamais tinham visto um revólver disparar. Assim, eles confundem o ruído do tiro com o ruído das descargas dos canos de escapamento dos automóveis, do qual eles têm medo, e comentam: "Por que o vira-lata amarelo ficou quietinho depois daquele barulho de escapamento de automóvel? Vai ver ficou com medo. Eu também tenho medo de barulho de escapamento...".
Desse modo, o jovem leitor, aí entre os oito e os dez anos, deve ler o livro compreendendo o engano das personagens, descobrindo a verdade por trás desses enganos, e até concluindo que a ingenuidade deles pode ser a responsável pelas agruras de que eles são vítimas.
Em "O dinossauro que fazia au-au" já não há final feliz mas, neste É proibido miar o final é realmente infeliz, uma vez que o cãozinho protagonista, perseguido e expulso de casa por que resolve miar, termina a história fugindo para longe e não voltando para casa e sendo novamente aceito pelos pais. Ser separada dos pais é, para uma criança, a pior das infelicidades e o livro causa, assim, um impacto muito grande nos leitores. Eu sabia disso e mesmo assim resolvi arriscar.
Eu procurava mostrar os preconceitos que perseguem as pessoas de raças, idéias e comportamentos diferentes dos dominantes. Desse modo, se eu terminasse o livro com o cãozinho sendo aceito por todos, eu estaria mostrando à criança que o problema do preconceito estava resolvido. Como eu já disse acima, jamais poderia pregar tal mentira aos meus leitores.
O primeiro é o grande responsável por minha profissionalização como escritor. Junto com A marca de uma lágrima é o meu carro-chefe e o da Editora Moderna. Acerca desta série, é preciso definir o que eu entendo por um livro que mescla mistério e suspense. Para mim, uma novela de mistério é aquela em que alguns dados são ocultos do leitor, de modo que este, a partir de uma série de pistas mais ou menos explícitas, possa resolver o desfecho (no caso dos finais-surpresa, o que acontece é que o leitor deixou de perceber algumas pistas ou o autor ocultou-as demais).
Assim, uma novela de mistério é aquela que se destina ao raciocínio, à razão. Na novela de suspense, o autor oculta certas informações não do leitor, mas da personagem. É o caso de uma criança que entra em casa despreocupadamente, quando o leitor sabe que um louco armado com uma faca está atrás da porta, a sua espera. Neste caso, o apelo não é ao raciocínio, não é à razão, é à emoção.
Na série iniciada por A Droga da Obediência, procurei utilizar as duas técnicas. Há alguns dados do enredo básico que levarão ao tal final-surpresa, mas há também muitos fatos perigosos conhecidos pelo leitor e desconhecidos pelas personagens, de modo a criar o tal clima de suspense.
Quanto à forma, procurei usar dois aspectos básicos da técnica cinematográfica. Em primeiro lugar, temos a estrutura em cenas justapostas, com cortes bruscos, bruscas entradas e retomadas de ação já a partir da ação anterior, sem perdas de tempo com descrições, e flash-backs estruturados da mesma forma. Em segundo lugar, o foco narrativo, na terceira pessoa, explica a ação como se fosse o olho único de uma câmera de cinema. O narrador só fotografa o que está exposto a esse olho único, a esse único ponto de vista. Assim, ele não sabe tudo, ele não enxerga todos os ângulos. Um exemplo: o narrador descreve dois homens sentados na mesa de um restaurante. Um deles tem um revólver, sob a mesa, apontado para o outro. Como a tomada de cena é frontal, o narrador não verá o revólver; para tanto, será necessário um corte ou um travelling para debaixo da mesa.
Creio que o ponto de vista único de uma câmara cinematográfica é o mesmo de todos nós, de todo mundo. Ninguém vê, ao mesmo tempo, mais do que um ângulo cinematográfico. Mas, tal como faço nesta série, todos vêem um só ângulo mas imaginam os ângulos que não estão ao alcance de sua observação. É o caso do escuro. Uma criança tem medo do escuro porque, não podendo enxergar nada, cria em sua imaginação perigos que poderiam estar ocultos pela escuridão. Tememos o escuro quando crianças, porque tememos o que nossa própria imaginação elabora a partir do que os olhos não estão vendo.
Assim, nestes livros, eu não descrevo apenas o que a câmara vê; eu descrevo o que ela vê e o que ela infere do que não vê, complementando o que ela desconhece. Ela (ou o narrador) infere o que não pode ver. A forma, não é, deste modo, uma simples descrição como seria se eu me ativesse apenas ao olho único da câmara cinematográfica. Usando ainda a linguagem do cinema, seria o que chamam de inner-shots, para configurar pensamento e introspecção.
As histórias são protagonizadas por cinco adolescentes normais, estudantes de uma escola de elite. São extremamente corajosos, mas não são infalíveis. Eles erram, tropeçam, enganam-se o tempo todo, mas têm a capacidade de reconhecer os próprios erros e procurar a solução por novos caminhos. Criados do modo como foram, esses cinco adolescentes - os Karas - conseguiram uma grande identificação com os leitores.
Nesta série, acontecem algumas ações que podem ser consideradas violentas. Minha intenção, porém, foi deixar todas as ações violentas para os antagonistas das histórias. As ações dos protagonistas são sempre não-violentas, sempre baseadas na inteligência, na pertinácia, no amor, no trabalho. Desse modo, eu pretendi mostrar ao leitor que o caminho da civilização não é violência dos Rambos, ou John Waynes.
É uma recriação de Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand. A idéia romântica do autor francês é muito boa, mas sua forma, atualmente, é rebuscada demais para uma leitura popular. Usei apenas a idéia central das cartas escritas secretamente, mas criei outra história. Há, porém, equivalências: a guerra, em Cyrano, virou o crime, em A marca...; a cena do balcão é feita ao telefone; a famosa fala do nariz está no final, quando Isabel desiste de Cristiano.
Por que eu transformei uma grande personagem masculina em uma personagem feminina? Porque, se eu usasse um rapaz, correria o risco de fazer autobiografia; lançando mão de uma menina, vi-me obrigado a pesquisar, a sentir fora da minha pele, a imaginar o que pensa alguém que eu nunca poderia encarnar. E não é essa a função de um escritor?
Para este livro, desde o título, adotei descaradamente a forma folhetim por duas razões. Primeiro, porque este é o estilo de Rostand, o autor de Cyrano, e segundo porque eu creio que esta forma apaixonada, radical, melodramática de comunicação ajuda muito a conquistar as jovens leitoras, principalmente aquelas pouco afeitas ao hábito de ler. E, como estas são a maioria...
A marca de uma lágrima tem um interessante recurso literário que, até agora, pelo menos que eu saiba, ninguém percebeu. Eu pretendi criar uma personagem feminina que descobre bastar-se a si mesma, descobre poder realizar-se e ser feliz sem que a felicidade dependa única e exclusivamente do apêndice masculino, tomando-se apêndice em seus dois sentidos, o social e o sexual.
Não importa o que eu penso sobre isso, importa a coerência interna da personagem Isabel, uma cabeça superior, realizadora, corajosa e independente. Neste livro, é possível ver que, no transcorrer do enredo, a lógica aponta para uma solução, se não solitária, pelo menos de grande independência em relação ao sexo oposto. Assim, como pode ser visto no desfecho dramático do enredo, há um rompimento moderno do estilo folhetinesco que eu adotei para este livro.
Procurei, com o final racionalizante, uma saída a la Brecht, com a quebra de clima e tudo o mais. O tal distanciamento brechtiano. Em seguida, baseando-me no mesmo Brecht, usei a solução genialmente bolada por ele em A ópera dos três vinténs.
Esta peça termina de modo lógico, racional, com o enforcamento de Mac Navalha. No momento em que o carrasco vai puxar a corda, o Autor interrompe a peça e faz um dos personagens ir à boca-de-cena e explicar para a platéia que o Autor sabe que as pessoas não vêm ao teatro para ver finais infelizes e que gostam de voltar para casa com a alma lavada pela catarse. Eis então que, pensando nisso, o Autor preparou um outro final.
Nesse instante, a peça assume um clima operístico e entra em cena um mensageiro com um perdão real, Mac Navalha abraça sua namorada, é perdoado por todos e os espectadores saem do teatro com uma sensação de terem sido cinicamente enganados e manipulados pelo Autor em sua (deles) expectativa estética convencional. Desse modo, criei também um segundo final para A marca de uma lágrima, operístico, novelesco, falso, no melhor estilo de M. Delly.
Parece, felizmente, que as leitoras entenderam estas boas intenções, ou encontraram outras qualidades aqui não indigitadas. O livro é um grande sucesso de vendas. A marca... foi também bem acolhido pela crítica, recebendo o Prêmio A.P.C.A. como O melhor livro juvenil de 1986.
Este livro começou a nascer sem o personagem que o intitula. Minha idéia era reviver as histórias de fadas, discutindo as grandes heroínas após do fim de suas histórias, de modo a mostrar a importância desse tipo de literatura na formação de cada um de nós. Aos poucos, porém, a personagem Feiurinha apareceu, impôs-se e... tomou o livro!
De especial mesmo, eu creio que há neste livro três aspectos. Em primeiro lugar está sua estrutura, como se ele fosse um livro antes do livro, com sua organização em capítulos que vêm antes do primeiro capítulo. Em seguida, temos a fábula de Feiurinha, que eu montei com o máximo de clichês extraídos de todas as histórias da carochinha: bruxas, príncipe, transformações, heroína pobre, linda e infeliz, a idéia bíblica do Rei Salomão etc. E, por último, está a discussão da importância do leitor em relação à Literatura. Como eu disse, um livro não existe se não houver leitores para ele; um autor nada é, se não houver pessoas dispostas a ler o que ele escreve. Feiurinha é um sucesso de público e de crítica, tendo recebido o Prêmio Jabuti de 1986.