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Cachalote (Daniel Galera e Rafael Coutinho)

Meia Palavra

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Fazia tempo que não pegava quadrinhos para ler, apesar de apreciar muito esse hábito. Ler Cachalote, graphic novel com história de Daniel Galera e arte de Rafael Coutinho, foi uma espécie de reencontro com a linguagem quadrinesca e as potencialidades que às vezes parecem ser menosprezadas pelo público ou pela crítica.

É difícil tentar estabelecer uma sinopse que seja concisa o suficiente para caber em um ou dois parágrafos e ainda assim abarcar as diversas histórias que se encontram na obra. Temos um ator chinês às voltas com uma suspeita de assassinato; um escultor tendo uma espécie de crise existencial por conta da sua arte; um riquinho enfrentando ou fugindo de problemas familiares; um escritor indeciso na inércia amorosa causada pela sua ex-mulher; e um rapaz praticante de bondage que encontra a suposta mulher de sua vida.

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Resenha (e Entrevista com autores) por Ronaldo Bressane. LINK ORIGINAL AQUI[

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Por mares nunca dantes
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1, 6, julho, 2010


(Rara parceria no Brasil entre escritor e artista plástico, chega à praia Cachalote, impressionante graphic novel de quase 300 páginas. Resenha para o Outlook de 3-7)

A graphic novel brasileira vive seu melhor momento. Provas do crime são álbuns autorais como os recentes de Allan Sieber (É Tudo Mais ou Menos Verdade), Marcelo Quintanilha (Sábado dos Meus Amores), André Kitagawa (Chapa Quente), Rafael Grampá (Mesmo Delivery), Fabio Lyra (Menina Infinito) e os diversificados trabalhos dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, entre uma longa lista de etc. Mais próxima da literatura que do cartum ou da tira, modalidades em que a arte sequencial já demostrou vários craques, o romance gráfico teve pontos culminantes com Luiz Gê (Fragmentos Completos), Marcatti (Mariposa) e Lourenço Mutarelli (O Dobro de Cinco) – e agora atinge um ousado patamar com Cachalote (Companhia das Letras, 280 págs.).

A obra guarda ineditismo em vários aspectos, além do porte cetáceo. É a primeira graphic novel assinada pelo artista paulistano Rafael Coutinho, o “filho de Deus” (a/ka/ Laerte Coutinho, que atravessa fase bem-aventurada no blog Manual do Minotauro). Seu parceiro é o escritor gaúcho Daniel Galera (do romance Até o Dia em que o Cão Morreu, base do filme Cão Sem Dono, de Beto Brant). Além disso, Cachalote vadeia em águas profundas: em vez de uma única história linear, o livro cruza cinco histórias curtas + prefácio e epílogo misteriosos, em três arcos narrativos. Editadas concisamente, sem começo nem fim, as histórias retratam pontos de inflexão nas vidas de pessoas que parecem bem esquisitas – mas estão bem aí, à vista de todos, preto no branco.

Xu, genial e genioso ator chinês perdido em São Paulo, é acusado da morte de seu melhor amigo. Hermes, escultor que vive insulado em uma floresta, aceita participar em um filme de um insistente diretor, escancarando sua própria vida. Vitório, atendente de uma loja de ferragens, fanático por bondage, se apaixona por Princesa, garota linda com pulsões masoquistas, cujo rosto nunca vemos. O playboy Rique é expulso da casa do tio por pegar a namorada dele e vai encalhar a solidão vazia na Europa. Túlio e Vita, triste casal recém-separado, une-se pela filha, as pílulas dela e o bloqueio criativo dele. Há ainda uma mulher grávida que topa com uma baleia numa piscina. Cada narrativa suspende-se na lâmina, ou seja, pouco antes de um momento marcante, e nunca se justifica, se explica nem mesmo se resolve. Muitas vezes, o silêncio – tanto nos balões quanto na ação descrita – é oferecido ao leitor como única solução ao impasse narrativo: como se a idéia de viagem residisse na própria sugestão, na contemplação. Uma descrição possivel para cada história seria a de paisagem interior.

O atrito dessas histórias encrencadas produz impactos emocionais – para insistir na metáfora aquática – de tirar o fôlego. E aos diálogos existencialistas de Galera, pontuados com humor esparso e espessa melancolia, somam-se as sequências magistrais de Coutinho – um virtuose do incompleto, aproximando violentamente figura de fundo, num ritmo que imprime intimismo e ação ágil em doses venenosas. Parece fácil definir o livro usando arpões verbais como “obra-prima pop“, mas é preciso reconhecer uma quando aparece. Como quando se avista uma baleia no horizonte.


A seguir, a conversa com o escritor Daniel Galera – que, durante os dois anos que passou escrevendo o roteiro em Garopaba (SC), costumava nadar com baleias-francas –, e com o artista Rafael Coutinho, que dividiu o mesmo período entre extenuantes sessões de nanquim no estúdio Salão de Beleza e calibragens de trigo e lúpulo no pompeiano bar Aníbal.


Quais histórias você criou?
GALERA Os personagens que partiram de argumentos iniciais meus foram o Hermes, e Túlio e a Vita, e o Vitório e a Princesa. O Rique, o Xu e a Nana (a senhora grávida sem nome) foram trazidos pelo Rafa. Mas ao longo do processo de criação, os personagens deixaram de ter dono. O destino, o conflito e a personalidade de cada um foram construídos em conjunto, e no resultado final é impossível rastrear quem criou o quê.

Uma característica marcante na arte de Cachalote é a aproximação violenta entre figura e fundo, como se o personagem estivesse confuso em relação à paisagem que habita. Mas essa é minha interpretação…

COUTINHO Fiz questão de usar a mesma caneta e o mesmo tratamento gráfico na HQ pra que isso acontecesse. Nós desenhistas somos uma raça idiossincrática, não sei te dizer bem porque quis isso, mas é algo que me atrai imediatamente em trabalhos de outros artistas e pintores. Lembro de uma entrevista com o Lucian Freud em que ele diz que sua pintura deu um salto no momento em que ele percebeu que figura e fundo eram a mesma coisa, e passou a tratá-las assim. Existe um significado profundo nisso, tudo é informação visual e se você olhar muito um objeto acaba percebendo que ele funciona espacialmente como complemento do resto, como se tudo fosse bidimensional. Ajuda muito na hora de desenhar algo, mesmo que você não saiba como. Me dá muito prazer em seguir as linhas e volumes, determinar tudo como parte do mesmo plano, completar a imagem conforme meu olho a procura, e não obcecar por proporções pré-determinadas de anatomia e perspectiva. Sei que soa meio Gestalt demais, mas é como gosto de desenhar, sem fazer o traço ficar mais fino porque a imagem está ao fundo.

Há dois eixos temáticos claros: artistas em crise (o ator chinês detido, o escultor isolado, o escritor travado) e relacionamentos empacados (pais separados que não conseguem deixar de se ver, moleques sadomasôs que não conseguem trepar, playboy sem amigos). O “encalhe” está associado a outra tragicomédia moderna, Esperando Godot, de Beckett, cuja citação tem papel fundamental na trama. Em que medida essa aflição enquadrada se relaciona a narrativas como Até o Dia em que o Cão Morreu e Mãos de Cavalo?
GALERA O protagonista do Até o Dia em que o Cão Morreu é uma figura paralisada pela apatia, encalhado em um certo sentido, e que encontra algum tipo de conexão com os outros apenas em instantes fugazes, o que tem um pouco a ver com o universo ficcional da HQ. Além disso, ele é um personagem que não muda de nenhuma forma ao longo do livro, um tanto como o Rique, por exemplo. O que dá corpo à história é a tentativa de um ser humano de entender o que se passa para talvez mudar num momento posterior, que não chega a ser contado. Acho interessante, às vezes, narrar dessa forma, sem expor uma possível transformação que fica somente insinuada. Já Mãos de Cavalo é um romance sobre os limites das nossas escolhas na formação da identidade, tema que também permeia Cachalote. Hermes só começa a se abrir para as outras pessoas quando um acontecimento surreal e inexplicável o arranca do cotidiano endurecido e disciplinado, por exemplo. Os personagens da Cachalote não querem tanto transformar suas vidas mas compreender melhor quem são, e se conciliar com isso.

Outra interpretação minha é de uma certa ‘incompletude’ no traço definidor de cada personagem, em oposição ao rico e extremo detalhamento de certas passagens (sobretudo as descrições arquitetônicas). Essa incompletude me passou como uma tradução visual da angústia que move ou identifica os personagens. O quanto disso é traço do Rafa e o quanto tem a ver com a história que conduz?
COUTINHO Mudei de tratamento infinitas vezes, não sei exatamente de qual parte você se refere, Bressane. Tentei me manter o mais fiel e próximo possível de uma idéia inicial que eu tinha quanto ao nível de detalhamento e tratamento gráfico que eu queria, mas pra cada parte do livro novos desafios surgiam, e isso eu não tinha como prever (e nem queria, era aí que morava a melhor parte). Existia também a rotina, o produto de dois anos em cima das páginas. Meu traço respondia aos meus humores e minha capacidade de concentração, minha relação com a história. Desenhar história longa é viver pelo desenho. Acho que essa incompletude deve ser minha. Mas procurei usar pinceladas mais soltas em alguns momentos nos personagens pra torná-los mais interessantes.

Chegaram a pensar em apresentar a HQ como simplesmente um livro de contos?
GALERA As histórias têm mais força da maneira que são apresentadas no livro, entremeadas. Se fosse escrevê-las em prosa, provavelmente usaria uma estrutura semelhante à da HQ, em alternância e sem encontros entre as tramas. A intenção era fazer com que todas as histórias convergissem para um único clímax, mesmo sendo narrativas paralelas.

Me fale das histórias ou personagens que foram criados especificamente por você…
COUTINHO Foram três, mas tudo foi feito em dupla. O chinês foi um sonho que tive anos atrás, na faculdade. Tenho ela inteira anotada em um caderno da época, de um período em que eu estava completamente apaixonado com a capacidade criativa que a minha inconciência tinha. A história mudou muito, todas mudaram, mas a origem era essa. A Nana foi uma sugestão gráfica, se não me engano. A idéia de uma velha entrando na piscina, grávida, encontrando uma baleia, tudo era muito visual pra mim, gostava dela por isso. O fim dessa história também foi assim, o Galera me deu carta branca pra bolar algo da mesma forma, deixamos pro útimo. E a terceira do Rique foi fruto de anotações e lembranças de uma viagem que eu fiz pra Europa, quando meu irmão morreu. Vi personagens brasileiros vivendo lá, gente sozinha, muambeira, estudante, moleques ricos, fiquei com essa experiência muito marcada em mim. Mas como disse, todas as histórias foram reescritas e reformuladas por inteiro em dupla, não me considero dono de nenhuma.

Ou seja, no processo criativo, vocês não formaram a clássica dupla roteirista/desenhista: compuseram Cachalote de modo mais orgânico. Como descreveria essa dinâmica?
GALERA A melhor maneira de descrever a criação de Cachalote é imaginar uma conversa constante entre duas pessoas que se apaixonaram pelos mesmos personagens e histórias. Sugeri muita coisa nos desenhos e o Rafa participou bastante do texto – até redigiu rascunhos de cenas que desenvolvi em seguida. Mas falar sobre os personagens era o essencial. As histórias carregam esse nosso esforço de compreendermos os personagens, e suspeito que isso acabará se refletindo também na experiência dos leitores.

Perguntas sobre processo criativo são sempre chatas, mas, num trampo de 300 páginas, são inevitáveis. Então, direto ao ponto… tem idéia de quantos lápis, vidros de nanquim e dias você consumiu para Cachalote?
COUTINHO Não tenho, mas por alto acho que foram uns cinco potes de nanquim e duas caixas de caneta nanquim. Papel foi o que tá lá, só perdi uma folha no processo. Não sou de refazer página, trabalho até ficar do jeito que gosto, o que ficar muito feio conserto no computador.

Em quais artistas você se inspirou?
GALERA Pensei nos contos do Tchekhov, nos filmes do David Lynch e de certos diretores asiáticos, e em HQs de Bastien Vivès, Christophe Blain, Charles Burns… mas não sei se nada disso está evidente. Nos deixamos inspirar por muita coisa, mas acho que a nossa própria sensibilidade foi determinante.

E em quais artistas você se inspira?

COUTINHO Pensei muito em música, muitos discos me ajudaram a achar o tom da hq. Muita PJ Harvey, muito Leonard Cohen e Tom Waits. Teve o período do MGMT que deu um gás novo pro trabalho. Muito filme também, descobri o John Cassavetes no meio da segunda parte, me influenciou muito. Adoro os Dardenne também, a Claire Dennis, Vincent Gallo, Fellini. Mas podemos continuar pra sempre, sou obcecado por referências, baixo muito material, pesquiso bastante.

Qual seu próximo projeto?
GALERA Comecei a escrever um novo romance. Barba Ensopada de Sangue.

E o seu plano?
COUTINHO Uma HQ de duelo de espadas. Dessa vez vou fazer sozinho, minha primeira história solo.

Qual a coisa mais adorável e a mais irritante em Rafael Coutinho
?
GALERA A mais adorável é o bigode, que infelizmente ele usou somente por poucos dias. A mais irritante é o hábito de ignorar meu roteiro e inventar cenas inexistentes, mas é uma irritação que dura pouco, porque em geral não demoro a reconhecer que está melhor que antes.

Qual a coisa mais adorável e a mais irritante em Daniel Galera?
COUTINHO A mais legal é o comprometimento quase cego do Galera, muito inspirador. A mais irritante é o comprometimento quase cego do Galera: pode te deixar louco
 

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