Não tô lendo nada direito, porque só não tenho mais medo de spoilers do que tenho de palhaços. Mas, aí, essa história de CARACTERÍSTICA PRINCIPAL é meio que aquela coisa de ESSÊNCIA. Vamos parar de procurar uma essência, de procurar uma célula inicial que deu origem à vida. Vamos ver a vida em si, completamente formada, não a vida em potencial. Se apegar a uma única característica é potencializar algo sem ter noção da dimensão real da coisa. Vamos ver a pessoa como um todo, com a influência do meio sócio-histórico-cultural. Eu, que sou a feminista do fórum, não piro nesse lance de achar o Martin machista, porque ele não é. As personagens dele não são claras como a água da nascente de um rio, nem escuras como uma rede de esgoto. Elas são a mistura dos dois, como todos os seres humanos são. Olha, sério, eu sou muito chata com isso. Se eu achasse Martin machista, eu não seria herege a ponto de ter falado que prefiro Martin a Tolkien.
Acho que Martin criou personagens que são TIPOS SOCIAIS, independente de ser homem ou mulher. A Arya é o retrato do DESEJO. Sim, do desejo, da superação. E isso não faz dela uma maluca. Não seguir o script que nos mandam não faz com que sejamos malucos, faz com que sejamos autênticos, ousados. Uma coisa que eu gosto no Martin é o fato de ele sempre lembrar que, embora as personagens tenham de amadurecer, mesmo com pouca idade, elas ainda são jovens demais. Às vezes a Arya vacila não por não ser inteligente, mas por que ela ainda é uma criança. E ainda se sente insegura. Sinto vontade de abraçá-la, sabe? Assim como sinto vontade de pegar o Rickon no colo.
Cersei é de uma família de filhos da puta, em uma época dominada por filhos da puta, e ela é um fruto do seu tempo, mas é UMA LEOA, literalmente, quando se trata dos seus filhos. Ela faz merda pra caramba, mas não deixa de ser uma personagem FENOMENAL. O livro deixa claro pelo que ela teve de passar, como mulher também. Cersei é uma mulher-denúncia, quando demonstra quais são as frustrações de se ter de casar politicamente e dormir com o homem que te chama pelo nome da outra. Etc. Etc. Etc.
Cat não é burra. Ela é impulsiva, às vezes, mas não é burra. E a Cat... eu acho que a minha identificação com ela se dá pelo fato de eu me compadecer da situação das MIL Cats existentes no mundo. Em um determinado momento, ela fala que "sempre cumpriu seu dever". Não é isso que tantas mulheres fazem, ainda hoje? Cumprem seu dever, o que não quer dizer que são felizes. Gosto dos "monólogos em forma de pensamento" da Cat. Gosto daquela luta dela tentando ser mãe e sensata. Tentando ser mãe e estrategista. Eu fiquei comovida quando ela estava orando aos Sete, no segundo livro. Sério, aquilo foi lindo demais. Na verdade, aquele capítulo foi sensacional, meu Deus. Tanto pelo momento da oração quanto pelo que acontece depois.
A Sansa... me irritava demais, no primeiro livro. Mas aí, ao invés de odiá-la, optei por tentar entendê-la. Tem dado certo. Os capítulos dela, em A fúria dos Reis, foram ótimos. Eu não posso julgar a Sansa por ela ser diferente de mim. Não posso odiá-la por ela não ser a Arya, sabe? Tá, a Sansa vive em um romantismo louco. Ela não está, mesmo, neste mundo. Ela faria Pollyanna corar. Mas, aí, eu me pergunto: quando está tão difícil viver, será que sonhar não é a única maneira de conseguir viver? Às vezes (quase sempre), sim, ela passa dos limites. Ela tem uma inocência, uma crença nas pessoas. Mas, meu Deus, não consigo mais julgá-la por isso. Ainda bem.