Quisito
GOD
Hoje eu assisti a Rio Vermelho (Red River, 1948) e ele se tornou o meu western favorito do Howard Hawks.
Rio Vermelho (Hawks, 1948)
É a história de um comboio, o primeiro a completar com sucesso a travessia pela Trilha Chisholm, do Texas ao norte, na busca de mercado para a venda do gado. Mais do que isso, é a história de dois homens: o primeiro, Tom Dunson (John Wayne) um fazendeiro velho e obstinado, que lidera a travessia do rebanho; o segundo, Matt Garth (Montgomery Clift), filho adotivo de Dunson, um jovem flexível e "de coração mole", como é dito no filme. E é dessa relação de opostos que resulta muito da complexidade da história.
O filme começa num comboio, não o de Tom Dunson, mas ele está lá e decide abandoná-lo para estabelecer-se numa terra e começar sua criação. Ele é acompanhado de Groot Nadine (Walter Brennan), um velho rabugento, porém leal e pouco depois Matt, até então um adolescente, pede para ficar com eles. Tom comenta com Groot: "Ele serve", e o garoto junta-se a eles. Tom não possuia nada além de duas cabeças, um macho e uma fêmea, quando começou a construir seu rancho nesse lugar, uma terra não-utilizada que ele toma de um tal Don Diego. Nesse ponto há um diálogo que chama a atenção, entre Tom e dois capangas de Diego:
"Como ele conseguiu a posse dessas terras?" - pergunta Tom
"Elas foram doadas pelo rei da Espanha" - responde o capanga
"Você está dizendo que ele as tirou de alguém que estava aqui antes, quem sabe os índios. Bem, eu as estou tirando dele."
E em seguida, Tom o mata.
Catorze anos se passam e agora o rancho de Tom tornou-se um dos maiores de todo o país, e seu rebanho beira a casa das dez mil cabeças. No entanto, ele está falido e pretende chegar ao Missouri com seu rebanho para vendê-lo. Enquanto, Tom discute a idéia com Groot e Matt, podemos observar que, ao fundo, existem várias cruzes fincadas no chão, o que significa que o capanga de Don Diego não foi o único a morrer naquele lugar e por motivos semelhantes. Dunson não hesita em atirar, mesmo na situação mais insignificante, sob qualquer circunstância.
Pouco antes do início do comboio, um fazendeiro acompanhado de alguns homens, incluindo um pistoleiro chamado Cherry Valence (John Ireland), conhecido como um dos mais rápidos e perigosos da região, vai até o rancho de Dunson reclamar alguns bois que ele diz terem sido roubados. Há um clima de tensão nessa cena e achamos que um combate está prestes a começar, mas Tom decide pagar pelas cabeças, evitando uma briga que lhe custaria muito. Essa tensão é reforçada pela relação "quase" antagônica entre Matt e Cherry, que passa para o outro lado para acompanhá-los na empreitada. Eu disse "quase" porque ela não é desenvolvida, apesar de Groot afirmar "Certamente, teremos problemas entre esses dois". Esses problemas não acontecem nunca, o que torna essa relação entre os dois ambígua. Mais tarde isso foi citado no documentário The Celluloid Closet, sobre a homossexualidade encoberta no cinema.
No dia anterior ao início do comboio, Tom diz aos homens que quem decidir acompanhá-lo, terá de ir até o fim. Há algumas desistências em que homens, sem-graças, tentam justificar a decisão de não acompanhá-lo ao passo que Tom responde que não se preocupassem. Eles comemoram, entusiasmados, o começo da travessia e essa é a última vez em que vemos uma cena num lugar fechado, atá os dez minutos finais. E olhando de novo essa cena, temos uma noção da evolução das personagens e de suas relações interdependentes.
Rio Vermelho é também o filme em que John Wayne tem sua melhor atuação, IMO. Dizem que quando John Ford assistiu a esse filme, ele comentou com Hawks: "Eu nunca imaginei que esse filho da puta saberia atuar". A medida em que o comboio prossegue, diversas situações (que eu não vou revelar, para não estragar o filme) têm lugar e elas levam a conflitos entre as personagens, Dunson contra o resto do grupo, encabeçado por Matt, culminando num motim. Uma curiosidade é que John Wayne e Montgomery Clift eram conhecidos por terem visões políticas opostas, por isso havia uma certa preocupação no início de que eles não se dariam bem. Por isso, quando as filmagens começaram os atores concordaram em não discutir política no set.
E Howard Hawks é um dos maiores diretores norte-americanos e um dos que melhor sabe lidar com as situações de seus filmes. Um exemplo disso é o episódio do estouro da boiada; ele cria perfeitamente o clima de tensão e expectativa que o antecede. Outro grande mérito do filme é a fotografia de Russel Harlan. Ele sabe exatamente onde colocar a câmera. Se extrairmos um quadro fílmico de uma cena qualquer, dará numa imagem linda. E noventa por cento das cenas são externas!
O filme só apresenta problemas em relação ao roteiro, e em poucas cenas. Eu li que o próprio roteirista, Borden Chase, odeia o final do filme. O motivo, segundo ele, é que durante duas horas nós acompanhamos a complexidade das relações adversas entre as duas personagens principais, pra terminar em uma breve repreensão de uma mulher que só aparece nos vinte minutos finais. E ele tem razão! A resolução dos principais conflitos do filme se dá em apenas um instante boçal e um tanto redundante. Também não entendi qualé a do pôster, que mostra o John Wayne e uma mulher, sendo que nem Tom nem Matt têm seus relacionamentos com personagens femininas devidamente desenvolvidos.
Rio Vermelho (Hawks, 1948)
É a história de um comboio, o primeiro a completar com sucesso a travessia pela Trilha Chisholm, do Texas ao norte, na busca de mercado para a venda do gado. Mais do que isso, é a história de dois homens: o primeiro, Tom Dunson (John Wayne) um fazendeiro velho e obstinado, que lidera a travessia do rebanho; o segundo, Matt Garth (Montgomery Clift), filho adotivo de Dunson, um jovem flexível e "de coração mole", como é dito no filme. E é dessa relação de opostos que resulta muito da complexidade da história.
O filme começa num comboio, não o de Tom Dunson, mas ele está lá e decide abandoná-lo para estabelecer-se numa terra e começar sua criação. Ele é acompanhado de Groot Nadine (Walter Brennan), um velho rabugento, porém leal e pouco depois Matt, até então um adolescente, pede para ficar com eles. Tom comenta com Groot: "Ele serve", e o garoto junta-se a eles. Tom não possuia nada além de duas cabeças, um macho e uma fêmea, quando começou a construir seu rancho nesse lugar, uma terra não-utilizada que ele toma de um tal Don Diego. Nesse ponto há um diálogo que chama a atenção, entre Tom e dois capangas de Diego:
"Como ele conseguiu a posse dessas terras?" - pergunta Tom
"Elas foram doadas pelo rei da Espanha" - responde o capanga
"Você está dizendo que ele as tirou de alguém que estava aqui antes, quem sabe os índios. Bem, eu as estou tirando dele."
E em seguida, Tom o mata.
Catorze anos se passam e agora o rancho de Tom tornou-se um dos maiores de todo o país, e seu rebanho beira a casa das dez mil cabeças. No entanto, ele está falido e pretende chegar ao Missouri com seu rebanho para vendê-lo. Enquanto, Tom discute a idéia com Groot e Matt, podemos observar que, ao fundo, existem várias cruzes fincadas no chão, o que significa que o capanga de Don Diego não foi o único a morrer naquele lugar e por motivos semelhantes. Dunson não hesita em atirar, mesmo na situação mais insignificante, sob qualquer circunstância.
Pouco antes do início do comboio, um fazendeiro acompanhado de alguns homens, incluindo um pistoleiro chamado Cherry Valence (John Ireland), conhecido como um dos mais rápidos e perigosos da região, vai até o rancho de Dunson reclamar alguns bois que ele diz terem sido roubados. Há um clima de tensão nessa cena e achamos que um combate está prestes a começar, mas Tom decide pagar pelas cabeças, evitando uma briga que lhe custaria muito. Essa tensão é reforçada pela relação "quase" antagônica entre Matt e Cherry, que passa para o outro lado para acompanhá-los na empreitada. Eu disse "quase" porque ela não é desenvolvida, apesar de Groot afirmar "Certamente, teremos problemas entre esses dois". Esses problemas não acontecem nunca, o que torna essa relação entre os dois ambígua. Mais tarde isso foi citado no documentário The Celluloid Closet, sobre a homossexualidade encoberta no cinema.
No dia anterior ao início do comboio, Tom diz aos homens que quem decidir acompanhá-lo, terá de ir até o fim. Há algumas desistências em que homens, sem-graças, tentam justificar a decisão de não acompanhá-lo ao passo que Tom responde que não se preocupassem. Eles comemoram, entusiasmados, o começo da travessia e essa é a última vez em que vemos uma cena num lugar fechado, atá os dez minutos finais. E olhando de novo essa cena, temos uma noção da evolução das personagens e de suas relações interdependentes.
Rio Vermelho é também o filme em que John Wayne tem sua melhor atuação, IMO. Dizem que quando John Ford assistiu a esse filme, ele comentou com Hawks: "Eu nunca imaginei que esse filho da puta saberia atuar". A medida em que o comboio prossegue, diversas situações (que eu não vou revelar, para não estragar o filme) têm lugar e elas levam a conflitos entre as personagens, Dunson contra o resto do grupo, encabeçado por Matt, culminando num motim. Uma curiosidade é que John Wayne e Montgomery Clift eram conhecidos por terem visões políticas opostas, por isso havia uma certa preocupação no início de que eles não se dariam bem. Por isso, quando as filmagens começaram os atores concordaram em não discutir política no set.
E Howard Hawks é um dos maiores diretores norte-americanos e um dos que melhor sabe lidar com as situações de seus filmes. Um exemplo disso é o episódio do estouro da boiada; ele cria perfeitamente o clima de tensão e expectativa que o antecede. Outro grande mérito do filme é a fotografia de Russel Harlan. Ele sabe exatamente onde colocar a câmera. Se extrairmos um quadro fílmico de uma cena qualquer, dará numa imagem linda. E noventa por cento das cenas são externas!
O filme só apresenta problemas em relação ao roteiro, e em poucas cenas. Eu li que o próprio roteirista, Borden Chase, odeia o final do filme. O motivo, segundo ele, é que durante duas horas nós acompanhamos a complexidade das relações adversas entre as duas personagens principais, pra terminar em uma breve repreensão de uma mulher que só aparece nos vinte minutos finais. E ele tem razão! A resolução dos principais conflitos do filme se dá em apenas um instante boçal e um tanto redundante. Também não entendi qualé a do pôster, que mostra o John Wayne e uma mulher, sendo que nem Tom nem Matt têm seus relacionamentos com personagens femininas devidamente desenvolvidos.