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Com estilo límpido, romance “Stoner” emula a vida como ela é
JOCA REINERS TERRON
25/04/2015
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustr...lo-limpido-obra-emula-a-vida-como-ela-e.shtml
"Stoner", romance de 1965 tão esquecido quanto seu autor, John Williams (1922-1994), é uma perfeição. Não é possível afirmar o mesmo da primeira edição brasileira, com número de erros acima do aceitável. Deixemos a tragédia ortográfica para o final, já que a obra-prima de Williams é suficientemente triste no impacto que causa, em decorrência de sua tessitura.
Biografia imaginária altamente condensada, "Stoner" é previsível, tanto quanto pode ser a cronologia de um homem.
Nascido no meio rural do Missouri em 1891, filho único destinado a suceder o pai na lida do sítio familiar, William Stoner vai à universidade para estudar ciências agrárias e se apaixona pela literatura, mas não somente: é seduzido pela docência, aderindo aos ritos acadêmicos como a uma religião inventada para abrigar suas inconsistências pessoais.
O responsável, o velho professor Sloane, logo vislumbra no tímido estudante a abnegação necessária para o ofício, forjada pelo caráter estoico da vida no campo. Não se equivoca, e no campus da Universidade de Colúmbia tem início a ascensão pequeno-burguesa de seu pupilo, primeiro como assistente, depois como professor de literatura medieval inglesa.
Stoner, sujeito gris exceto nas paixões, não exige segredos nem invenção estilística por parte de Williams.
A simplicidade estrutural do romance é a mesma da vida, embora se inicie pela morte do protagonista, em 1956 (aos 65, diferentemente do que informa a orelha do livro, que menciona os "50 anos de William Stoner" -- e aí começam os problemas da edição). O estilo é límpido como seu personagem, homem de grande retidão ética e laconismo inquietante.
PODEROSA IMAGÉTICA
O poder alusivo da existência miniaturizada de qualquer um por meio de Stoner não deve ser subestimado, pois a linguagem do autor, acrescida da poderosa imagética resultante de detalhes pinçados da realidade com argúcia, arrasta o leitor sem dó a um jogo comovente que reflete nossas experiências reais por meio da literatura.
A primeira edição do livro no Brasil, lançada no início do ano pela editora Rádio Londres, tem cochilos de revisão e erros em tal número que não cabe mencioná-los neste espaço, assim como não se encaixa a expressão "transar" no Meio-Oeste ("MidWest", no livro) dos EUA dos anos 30 com sua prosa tão austera.
STONER
AUTOR: John Williams
TRADUÇÃO: Marcos Maffei
EDITORA: Rádio Londres
QUANTO: R$ 33,90 (316 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo
§§§
Sobre defeitos grotescos de revisão na primeira edição:
http://capitulodois.com/2015/03/06/stoner-da-editora-radio-londres-precisa-de-um-recall-urgente/
Tem uma ótima resenha que saiu há pouco e que recomendo:
http://www.livrosabertos.com.br/tag/stoner-radio-londres-resenha/
Infelizmente, o blog é desses xaropes que não deixam copiar o texto
Felizmente, posso pegar uns pedacinhos via código-fonte. Só não pego todo por preguiça:
JOCA REINERS TERRON
25/04/2015
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustr...lo-limpido-obra-emula-a-vida-como-ela-e.shtml
"Stoner", romance de 1965 tão esquecido quanto seu autor, John Williams (1922-1994), é uma perfeição. Não é possível afirmar o mesmo da primeira edição brasileira, com número de erros acima do aceitável. Deixemos a tragédia ortográfica para o final, já que a obra-prima de Williams é suficientemente triste no impacto que causa, em decorrência de sua tessitura.
Biografia imaginária altamente condensada, "Stoner" é previsível, tanto quanto pode ser a cronologia de um homem.
Nascido no meio rural do Missouri em 1891, filho único destinado a suceder o pai na lida do sítio familiar, William Stoner vai à universidade para estudar ciências agrárias e se apaixona pela literatura, mas não somente: é seduzido pela docência, aderindo aos ritos acadêmicos como a uma religião inventada para abrigar suas inconsistências pessoais.
O responsável, o velho professor Sloane, logo vislumbra no tímido estudante a abnegação necessária para o ofício, forjada pelo caráter estoico da vida no campo. Não se equivoca, e no campus da Universidade de Colúmbia tem início a ascensão pequeno-burguesa de seu pupilo, primeiro como assistente, depois como professor de literatura medieval inglesa.
Stoner, sujeito gris exceto nas paixões, não exige segredos nem invenção estilística por parte de Williams.
A simplicidade estrutural do romance é a mesma da vida, embora se inicie pela morte do protagonista, em 1956 (aos 65, diferentemente do que informa a orelha do livro, que menciona os "50 anos de William Stoner" -- e aí começam os problemas da edição). O estilo é límpido como seu personagem, homem de grande retidão ética e laconismo inquietante.
PODEROSA IMAGÉTICA
O poder alusivo da existência miniaturizada de qualquer um por meio de Stoner não deve ser subestimado, pois a linguagem do autor, acrescida da poderosa imagética resultante de detalhes pinçados da realidade com argúcia, arrasta o leitor sem dó a um jogo comovente que reflete nossas experiências reais por meio da literatura.
A primeira edição do livro no Brasil, lançada no início do ano pela editora Rádio Londres, tem cochilos de revisão e erros em tal número que não cabe mencioná-los neste espaço, assim como não se encaixa a expressão "transar" no Meio-Oeste ("MidWest", no livro) dos EUA dos anos 30 com sua prosa tão austera.
STONER
AUTOR: John Williams
TRADUÇÃO: Marcos Maffei
EDITORA: Rádio Londres
QUANTO: R$ 33,90 (316 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo
§§§
Sobre defeitos grotescos de revisão na primeira edição:
http://capitulodois.com/2015/03/06/stoner-da-editora-radio-londres-precisa-de-um-recall-urgente/
A sensação é que o livro impresso é a primeira prova da tradução. Até o capítulo 4, contei 65 erros em 74 páginas. Depois, desisti de contar, pois ou eu marcava os erros ou eu lia – mas não consegui deixar de marcar erros absurdos, como vírgulas que separam sujeito do verbo e concordância. Outros erros não têm nem justificativa. As vírgulas, tenho a sensação, foram jogadas aleatoriamente – sobraram em alguns lugares, faltaram em outros.
Exemplos:
“Eles atravessaram vários aposentos até uma sala grande onde (vírgula) a senhora Bostwick murmurou que (vírgula) ela e seu marido tinham o hábito…” (pág 69)
“Já era sete horas” (pág 113)
“A maioria dos convidados tinham” (pág 113)
“Stoner acompanhou seus convidados até a porta e permaneceu ali por alguns momentos, observou-o (singular) descendo os degraus e caminhando para fora da luz da varanda” (pág 115)
“Era como se ele tivesse descoberto um motivo de hostilidade que (vírgula) afastava-o irremediavelmente de Stoner” (pág 116)
“E as economias que acumulara lecionando no verão (vírgula) diminuíam cada vez mais” (pág 116)
“O perfume das flores que tinham acabado de desabrochar (vírgula) espalhava-se pelo ar e quente e úmido” (pág. 120)
E por aí vai. O livro teve um tradutor e três revisores. O resultado foi esse.
** Posts duplicados combinados **
Tem uma ótima resenha que saiu há pouco e que recomendo:
http://www.livrosabertos.com.br/tag/stoner-radio-londres-resenha/
Infelizmente, o blog é desses xaropes que não deixam copiar o texto
Felizmente, posso pegar uns pedacinhos via código-fonte. Só não pego todo por preguiça:
Escrito na década de 1960 pelo norte-americano John Williams, Stoner, da maneira como alguns romances semiesquecidos são redescobertos, voltou a ser lido e discutido. Com suas pouco mais de 300 páginas, é um livro aparentemente inesgotável. De tudo o que se pode pinçar da narrativa a fim de analisar seu funcionamento, a capacidade de operar simultaneamente como um elogio e uma condenação da própria literatura me parece a chave ideal. Haverá um meio-termo?
[...]
Com a literatura, Stoner toma “consciência de si mesmo de um jeito que nunca lhe ocorrera antes”. Suas mãos vibram “com o contato, ainda insólito, com a lombada, a capa e as páginas”. De objetos estranhos, os livros se transformam em dispositivos sagrados. Ele, que deveria deixar a faculdade como agrônomo formado para auxiliar — agora com conhecimentos específicos — os pais no campo, emenda um mestrado e um doutorado a fim de tornar-se professor de literatura. A mãe e o pai de Stoner não compreendem a reviravolta, mas não se opõem a ela — em parte por se sentirem intimidados pelo diploma universitário, em parte, o que é quase a mesma coisa, por não entenderem a importância que os livros passam a ter para Stoner. O afastamento dos pais humildes e do filho letrado é um dos aspectos mais dolorosos de Stoner, para onde convergem boa parte dos dilemas propostos pelo autor. No caso do protagonista, a aguda consciência de si rompeu a ponte de contato com o outro.
[...]
William Stoner acredita na universidade. Acredita no conhecimento. Acredita na literatura. Acredita no Verdadeiro, no Bom e no Belo. Quando descobre que um doutorando — não apenas orientado, mas protegido por um colega de caráter duvidoso — é um embusteiro, Stoner, mesmo sofrendo ameaças, expõe a ignorância do rapaz. Faz isso motivado não por alguma antipatia pelo professor ou pelo aluno, mas para defender a instituição à qual (não há outra palavra) é devotado. Para Stoner, um estudante desqualificado e preguiçoso não teria nada a fazer ali. Ciente das consequências, ele escolheu, em uma situação delicada, o que parecia justo. Sofreu, sem reclamar, todas as represálias.