Shakespeare, 444 anos e um dia - ou quase isso
Ninguém sabe direito se a data é mesmo essa, mas o mundo comemorou ontem, 23 de abril, os 444 anos do nascimento de William Shakespeare. Como o dia exato é incerto, e aliás motivo de empolgantes pelejas acadêmicas, o atraso deste blog não será assim tão grave. Vamos então à "Slate", onde Ron Rosenbaum lista alguns livros, filmes e sites dedicados ao escritor, e lamenta:
É triste que algumas pessoas deixem de reler ou assistir às peças de Shakespeare (...) e gastem tempo em controvérsias tão desprovidas de base factual quando a recente escaramuça entre Germaine Greer (...) e Stephen Greenblatt (...) a respeito da questão irrespondível: Shakespeare amava sua esposa? (Greer: Sim. Greenblatt: Não. Evidências: Nenhuma.)
A lista de Rosenbaum, autor de "The shakesperean wars", tem uma curiosidade: o filme que ele considera a maior adaptação de Shakespeare para o cinema é "Chimes at midnight", de Orson Welles, e a única versão disponível do filme em DVD é... brasileira.
Tentando lembrar de alguma citação de Shakespeare para jogar casualmente neste post, acabei apelando para o Google e topei com essa compilação de "bardismos famosos". São 263, o que dá uma medida do quanto Shakespeare está diluído, entranhado, em nosso repertório cultural. Sempre que leio um texto seu pela primeira vez, tenho iluminações genealógicas - do tipo "ah... então é daqui que isso saiu" - numa freqüência só comparável à que a leitura da Bíblia proporciona.
Um autor que não se cansava de citar Shakespeare era Machado de Assis. Segundo o crítico John Gledson, a citação preferida de Machado era a fala de Hamlet a Horácio: "Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, / do que sonha nossa vã filosofia".
As aparições shakespereanas em textos de outros autores são incontáveis. Fui ler "A Tempestade" por causa de uma alusão que T.S. Eliot faz em "The Waste Land" a esse trecho da peça: "Full fathom five thy father lies / Of his bones are coral made / Those are pearls that were his eyes". Não tem a sabedoria encapsulada da fala de Hamlet, mas para mim é assombrosa a combinação num trecho tão breve de virtuosismo (nas aliterações do primeiro verso), imaginação poética (corais no lugar de ossos, pérolas no lugar de olhos) e senso musical para evocar, afinal, um sentimento humano - o mistério da morte, a passagem do tempo.
Enfim, o conselho de Ron Rosenbaum - aos textos - é bom, mas, como estou longe de ser especialista, não me atrevo a recomendar traduções de Shakespeare em português além das referências óbvias: Barbara Heliodora e Millôr Fernandes. Os mais bem informados estão obviamente convidados a colaborar. Texto de Miguel Conde, do Jornal o globo
Ninguém sabe direito se a data é mesmo essa, mas o mundo comemorou ontem, 23 de abril, os 444 anos do nascimento de William Shakespeare. Como o dia exato é incerto, e aliás motivo de empolgantes pelejas acadêmicas, o atraso deste blog não será assim tão grave. Vamos então à "Slate", onde Ron Rosenbaum lista alguns livros, filmes e sites dedicados ao escritor, e lamenta:
É triste que algumas pessoas deixem de reler ou assistir às peças de Shakespeare (...) e gastem tempo em controvérsias tão desprovidas de base factual quando a recente escaramuça entre Germaine Greer (...) e Stephen Greenblatt (...) a respeito da questão irrespondível: Shakespeare amava sua esposa? (Greer: Sim. Greenblatt: Não. Evidências: Nenhuma.)
A lista de Rosenbaum, autor de "The shakesperean wars", tem uma curiosidade: o filme que ele considera a maior adaptação de Shakespeare para o cinema é "Chimes at midnight", de Orson Welles, e a única versão disponível do filme em DVD é... brasileira.
Tentando lembrar de alguma citação de Shakespeare para jogar casualmente neste post, acabei apelando para o Google e topei com essa compilação de "bardismos famosos". São 263, o que dá uma medida do quanto Shakespeare está diluído, entranhado, em nosso repertório cultural. Sempre que leio um texto seu pela primeira vez, tenho iluminações genealógicas - do tipo "ah... então é daqui que isso saiu" - numa freqüência só comparável à que a leitura da Bíblia proporciona.
Um autor que não se cansava de citar Shakespeare era Machado de Assis. Segundo o crítico John Gledson, a citação preferida de Machado era a fala de Hamlet a Horácio: "Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, / do que sonha nossa vã filosofia".
As aparições shakespereanas em textos de outros autores são incontáveis. Fui ler "A Tempestade" por causa de uma alusão que T.S. Eliot faz em "The Waste Land" a esse trecho da peça: "Full fathom five thy father lies / Of his bones are coral made / Those are pearls that were his eyes". Não tem a sabedoria encapsulada da fala de Hamlet, mas para mim é assombrosa a combinação num trecho tão breve de virtuosismo (nas aliterações do primeiro verso), imaginação poética (corais no lugar de ossos, pérolas no lugar de olhos) e senso musical para evocar, afinal, um sentimento humano - o mistério da morte, a passagem do tempo.
Enfim, o conselho de Ron Rosenbaum - aos textos - é bom, mas, como estou longe de ser especialista, não me atrevo a recomendar traduções de Shakespeare em português além das referências óbvias: Barbara Heliodora e Millôr Fernandes. Os mais bem informados estão obviamente convidados a colaborar. Texto de Miguel Conde, do Jornal o globo