O filme é bom, mas não atingiu minhas expectativas enquanto fã do Nolan e interessado na temática. Seria esperado que um filme do Nolan, que dispendesse a pletora de personagens interessantíssimos que dispende (como Einstein, Heisenberg, Bohr, Feynman, Gödel), superasse em muito a mera narrativa da criação da bomba atômica e da vida do físico que a criou, discutindo temas mais abstratos e universais correlacionados à ciência. Mas não é isso que ocorre. Vi muita gente falando frases do tipo "não é um filme só sobre a bomba atômica", mas sim, é um filme essencialmente sobre a bomba atômica e sobre a figura histórica de Oppenheimer. Discussões sobre física ou sobre a ética da bomba surgem meramente quando os personagens se deparam diretamente com esses problemas, e o filme como um todo não parece se encaminhar para esses problemas em seus aspectos essenciais, de forma cinematograficamente orgânica, para além de sua historicidade episódica. Aliás, a historicidade é tanta que o filme me soou como uma espécie de romance muito grande que é mal adaptado porque o roteirista quis colocar tudo no filme. Por exemplo, muitos físicos ali poderiam ser cortados ou fundidos, num filme mais preocupado no significado autêntico da história e menos na historicidade. O roteiro do filme caberia muito mais num (ótimo) documentário. E o começo do filme, pior, seria uma espécie de trailer ou retrospectiva de documentário, de tão entrecortadas que acabaram sendo as cenas.
É um filme verborrárgico, muito é explicado através de falas e não através da linguagem simbólica típica do cinema. Quando o filme tenta ser menos concreto, mostrando imagens de ondas e partículas, ou certos delírios e dissociações de Oppenheimer, me soou como recursos de significado óbvio e de uso dispensável. Tomando uma outra cine-biografia como exemplo: Alexandre, de Oliver Stone. A despeito de certas más atuações do filme, é um filme que conta não só a história de Alexandre, mas que também supera em muito a biografia do conquistador. Através da vida de Alexandre, temos discussões envolvendo mitologia e o seu significado simbólico, e essas discussões não são meramente discutidas pelos personagens, mas vividas por eles: os mitos explicam a vida de Alexandre e a vida de Alexandre expõe ao espectador o significado dos mitos. Esperava do filme do Nolan, nesse mesmo sentido, alguma sinergia entre suas várias temáticas: que o filme, usando o seu enredo apenas como premissa, discutisse ciência, política e ética, muito além das questões mais óbvias que os personagens históricos se viram enfrentando, e fazendo o espectador sair do filme refletindo sobre esses assuntos.
Por exemplo, o filme cita o interesse de Oppenheimer pelo hinduísmo, mas fica como mera curiosidade histórica e contexto para o filme usar frase batida do físico. Um filme mais ambicioso poderia tentar trabalhar conjuntamente certo "irracionalismo" (ou melhor, "não-cartesianismo") presente tanto no hinduísmo, quanto na mecânica quântica, quanto nos dilemas éticos da guerra, de forma conjunta e orgânica - até porque esse interesse pelo hinduísmo não era restrito a Oppenheimer, mas também existia em outras figuras como Bohr, Heisenberg e Schrödinger, fazendo parte do caldo cultural de certos meios intelectuais da época (diga-se de passagem, há quem defenda que esse mesmo irracionalismo favoreceu, na Alemanha, a emergência tanto do nazismo quanto da mecânica quântica). Mas no filme todas essas temáticas ficam pouco amarradas e independentes entre si.
Enfim, tudo isso só pra citar um caminho que teria sido possível. Um filme que lança mão das variadas figuras que citei ali em cima poderia muito bem fazer, sim, uma discussão mais ambiciosa, assim como Alexandre lança mão de várias figuras mitológicas e históricas para fazê-lo. Mas, em Oppenheimer, aquelas figuras fazem apenas figurações de luxo em uma história que, se não é linear, poderia muito bem ter sido. Nesse sentido, muita coisa me pareceu como "fan service": aparições que pouco são úteis para a narrativa geral, mas que estão lá meramente para constituir curiosidade histórica. Salta os olhos, nesse sentido de "fan service", a menção a Kennedy, a aparição de Gödel, de Heisenberg e (arrisco dizer) até de Bohr, e mesmo as aparições de Richard Feynman, que aparece em um punhadinho de cenas, quase sempre calado (e, em parte considerável delas, com...
bongôs!).
Seja como for, repito, o filme é bom, e por isso pretendo revê-lo com as expectativas melhor ajustadas: esperando um filme, sobretudo, de interesse histórico, mas não que exploda cabeças ou que desenvolva grandes reflexões.