Para encher os corações de poesia, vamos com um dos melhores exemplares de Machado de Assis:
Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"
Não sei ler esse poema sem imaginar o Bentinho. Sério.
De todo modo, vamos agora de Fernando Pessoa ele-mesmo-e-não-outro-nem-seu-vizinho-ou-essas-coisas-e-tal-e-coisa:
Nasce um Deus. Outros morrem. A Verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.
Mas esse é meio negativo, né? Gosto desse aqui também, que é mais positivo:
Natal… Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.
Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade !
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei !
Pelo menos a primeira estrofe é.
Enfim. Prosseguindo, vamos agora de Olavo Bilac:
No ermo agreste, da noite e do presepe, um hino
De esperança pressaga enchia o céu, com o vento...
As árvores: "Serás o sol e o orvalho!" E o armento:
"Terás a glória!" E o luar: "Vencerás o destino!"
E o pão: "Darás o pão da terra e o pão divino!"
E a água: "Trarás alívio ao mártir e ao sedento!"
E a palha: "Dobrarás a cerviz do opulento!"
E o tecto: "Elevarás do opróbrio o pequenino!"
E os reis: "Rei, no teu reino, entrarás entre palmas!"
E os pastores: "Pastor, chamarás os eleitos!"
E a estrela: "Brilharás, como Deus, sobre as almas!"
Muda e humilde, porém, Maria, como escrava,
Tinha os olhos na terra em lágrimas desfeitos;
Sendo pobre, temia; e, sendo mãe, chorava.
Acho esse bem ruinzão...
Para finalizar, cito esse do Rafael de la Fuente, escritor peruano, com tradução do Manuel Bandeira (essa tradução faz parte de um conjunto de quatro traduções; mas, infelizmente, não detectei com minhas antenas atômicas as outras 3...). Ele me lembra um pouco o "Animais do Presépio", do Drummond. Mas o clima deste último não é bem natalino...
Teus olhos
Juntam as mãos
Como as madonas
De Leonardo.
Os bosques do ocaso,
As frondes amoradas
De um Renascimento sombrio.
O rebanho do mar
Bale para a gruta
Do céu cheio de anjos.
Deus encarna-se
Num menino que busca os brinquedos
De tuas mãos.
Teus lábios
Dão o calor que negam
A vaca e o burro.
E na penumbra
Tua cabeleira afofa as suas palhas
Para o Deus Menino.
E, como
gran finale, esse poema do Manuel Bandeira ele-mesmo-e-não-outro-nem-seu-vizinho-ou-essas-coisas-e-tal-e-coisa que, além de lindo, encerra esse meu post de forma cíclica (legal, né?):
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados;
Espelho, amigo verdadeiro
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado,obrigado!
Mas,se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta este homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera de Natal
Ainda pensa em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
É com lágrimas (fala sério, esse poema é lindo) que me despeço de vocês. Para sempre. Até nunca mais, pessoal...
Se quiserem conversar um pouco mais, eu vou estar em alguma sessão dedicada aos avarentos no Inferno.