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O Mundo Sarumanizado

“Acho que agora entendo o que ele [Saruman] está querendo. Ele está planejando tornar-se um Poder. Ele tem uma mente de metal e engrenagens, e não se importa com coisas que crescem, exceto enquanto elas o servem no momento” [As Duas Torres, cap. “Barbárvore”]. </P>




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Isso é Saruman. Não consigo achar outra definição mais clara do sujeito do que a feita por Barbárvore; afinal, o velho Fangorn estava entre os que mais sofreram na mão do antigo líder do Conselho Branco. Até aí tudo bem. O problema é perceber o papel que a figura de Saruman desempenhava na visão de mundo de Tolkien: o de uma metáfora para todas as mazelas que a interferência tecnológica na natureza causava à Terra e ao próprio homem. </P>
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Antes que alguém apareça para esfregar o Prefácio de O Senhor dos Anéis nas minhas fuças, reafirmando pela enésima vez que o livro não é uma alegoria, já aviso que concordo plenamente. O que não pode ser negado, porém, é a aplicabilidade do texto tolkieniano [lembram dessa palavrinha? Também está lá no Prefácio]. Tolkien tinha plena consciência de que sua obra fornecia imagens poderosas para entender o nosso próprio mundo, e não se esquivava a fazer uso delas em suas cartas e conversas pessoais. E uma das imagens mais recorrentes é a da “sarumanização” ou “sarumanismo”. </P>
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Para entender isso, não custa examinar um pouco as origens e a evolução de Saruman dentro da mitologia [ou legendarium, como Tolkien gostava de dizer]. Um fato curioso, por exemplo, é que Saruman [na origem o Maia Curumo] pertencia ao povo de Aulë, o mais criativo e irrequieto dos Valar; o mesmo, aliás, acontecia com o próprio Sauron. </P>
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Essa “filiação” dos dois Maiar explica muita coisa sobre suas atitudes. Em O Silmarillion, ficamos sabendo que Aulë sempre foi cheio de impaciência e vontade criadora, querendo que os desígnios de Eru se realizassem rapidamente. Sua tentativa de “dar um empurrãozinho” no surgimento dos Filhos de Ilúvatar criou os Anões, que foram incorporados à história de Arda graças à misericórdia do Único e à humildade de Aulë. Com efeito, “o deleite e o orgulho de Aulë estão no ato de criar, e na coisa feita, e não na posse ou no domínio” [O Silmarillion, “Ainulindalë”]. </P>
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Na origem, Saruman não devia ser diferente de Aulë: um espírito de criatividade e habilidade, voltado para a organização e a aperfeiçoamento do mundo, mas não para a tirania. E foi com esse propósito que ele foi enviado à Terra-média pelos Valar: utilizar sua sabedoria da melhor maneira possível para orientar os Povos Livres, mas não para submetê-los a seu domínio. Essa era a missão dos Istari ou Magos.</P>
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Porém, confrontado com as dificuldades e inseguranças de sua missão, Curunír não ficou imune às tentações do poder. Quando fixou residência em Isengard, o desejo de usar o palantír de Orthanc deve ter se tornado quase insuportável – e então ele confrontou diretamente Sauron. “Se você olhar para o abismo, o abismo olhará de volta para você”, costumava dizer Nietzsche, e foi o que aconteceu. Tolkien explica, no livro Morgoth’s Ring, que Sauron podia entender e prever as ações com relativa facilidade, pois ambos haviam sido muito parecidos no início. Sob a influência do Olho de Barad-dûr, o desejo de ordem e conhecimento de Saruman sofreu uma aterradora mutação: se transformou também num desejo de domínio. O Círculo de Angrenost, antes repleto de jardins e árvores frutíferas, se transformou numa fábrica infernal, na qual a fumaça e o fedor das fornalhas, o girar de engrenagens e o bater de martelos, formavam uma aterradora prefiguração de Mordor. </P>
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O espírito de Isengard, que reapareceria durante o Expurgo do Condado, era abominável para Tolkien por uma razão que poderíamos considerar religiosa. O Professor enxergava na ordem natural do nosso mundo a perfeição e a sabedoria da mente de Deus, virtudes que deveriam ser veneradas pelo homem. A corrida tecnológica, a obsessão pela máquina, representavam para ele uma violação dessa ordem, e uma forma de tirania; além disso, na destruição que o mundo industrial havia provocado na Inglaterra de sua infância, ele enxergava uma imensa falta de imaginação, uma incapacidade do homem de atuar como sub-criador, e não como destruidor. </P>
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O grande medo de Tolkien era que o “sarumanismo” conduzisse a humanidade a um beco sem saída ecológico, moral e espiritual. Mesmo assim, ele não deixou de expressar seu alerta e sua esperança, falando a fãs holandeses, em 1958: “Olho para o leste, oeste, norte e sul, e não vejo Sauron; mas vejo que Saruman tem muitos descendentes. Nós, hobbits, não temos armas mágicas contra eles. No entanto, meus gentis-hobbits, faço-lhes este brinde: aos hobbits. Que eles perdurem além dos Sarumans e vejam outra vez a primavera nas árvores”.</P>
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Tradução de Reinaldo J. Lopes
 

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