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O Amante, Marguerite Duras

Anica

Usuário
(Copiado e colado lá do Hellfire :traça: )

A Cosac & Naify já tem fama de lançar obras caprichadíssimas, daquelas tão lindas, lindas, lindas que não basta só ler o livro, você quer TER o livro também. É esperto da parte deles, claro. O chato é que a esperteza custa dinheiro, né. Por exemplo: foi lançada recentemente a coleção “Mulheres Modernistas”, com obras de Karen Blixen, Virginia Woolf, Katherine Mansfield e Marguerite Duras. A coleção completa (com sete livros) vem dentro de uma sacola féchion, e custa por aí nada mais nada menos 295 reais.

É, 295. Mas por sorte, você pode adquirir os livros separadamente, o que já alivia um pouco as coisas. E por sorte minha ( :mrpurple: ), ganhei de presente de aniversário do Lira e da Giorgia O Amante, da Marguerite Duras livro que simplesmente devorei (e pelo qual estou apaixonada, vale dizer).

O que faz da obra algo tão bom? Afinal de contas, seria um romance autobiográfico no qual a autora relata as primeiras experiências sexuais que viveu com um amante chinês na Indochina francesa (atual Vietnã). A questão é: histórias assim, já foram escritas às pencas. Mas o modo como Duras escreve que é todo o diferencial.

O estilo da escrita retrata exatamente como as memórias aparecem em nossa mente de quando em quando. Não são lineares, um evento ligando ao outro. São confusas, você relata algo que te conduz direto para a conclusão disso, e então você retorna para o início. Inclui julgamentos sobre o que na época não via, preenche os vazios com o que pensa se encaixar melhor.

É assim que flui a narrativa de Duras. O jogo com a lembrança continua com outros artifícios ainda mais interessantes, como por exemplo o que ela faz com o narrador. Sendo um romance autobiográfico, é natural que seja narrado em primeira pessoa, certo? E de fato, a autora o faz. Mas só em alguns momentos. Em outros, ela se distancia e torna-se uma observadora como nós, e aí passa a narrar em terceira pessoa.

É simplesmente um trabalho lindo, porque ela não revela nada de forma óbvia, é através de imagens. Como por exemplo, a falta de sintonia do casal na conversa no restaurante:

Não ouço mais o que ele diz. Ele percebe e se cala. Peço que continue falando. Ele continua. Escuto de novo. Ele diz que pensa muito em Paris. Acha que sou muito diferente das parisienses, muito menos gentil. Digo que esse negócio de alojamentos não deve ser tão lucrativo assim. Ele não responde mais.

O que dizem é que a autobiografia tem elementos ficcionais, mas eu sinceramente não acho que isso importa. No final das contas, em pequena ou grande escala, somos todos personagens mesmo, e a ficção de um pode ser a realidade de outro - depende só do ângulo que se vê.
 
Comprei o livro por causa desse post seu no Hellfire e fique boquiaberto. Sério, indico para qualquer um que tiver o interesse. O romance é recheado de passagens líricas lindíssimas, como esse:

“Permitam-me dizer, tenho quinze anos e meio.
Uma balsa desliza sobe o Mekong.
A imagem permanece durante toda travessia do rio.
Tenho quinze anos e meio, esse país não tem estações, vivemos numa estação só, quente e monótona; vivemos uma longa zona quente da terra, sem primavera, sem renovação.”

Aqui a autora cria um momento subjetivo que é mais uma imagem atemporal que funde a si mesmo em sua personagem, do que o presente propriamente dito. Nesse contexto, as estações do ano se tornam nada mais que metáforas para renovação da vida, para mudança da realidade, excluindo a significância climática da situação.

Foda!
 
É realmente maravilhoso, né? Na realidade, gostei tanto que estava até pensando em reler. O legal é o quanto ela diz com essas pequenas imagens. Tem coisas ali que você tem o quadro perfeito pintado na sua cabeça, entretanto ela falou muito pouco sobre a situação em si. E sério, eu fecho os olhos e lembro dos lugares que ela descreveu até agora. É realmente imperdível.
 
Verdade, Anica. As idas ao quarto com o chinês, diz tão pouco, mas posso até imaginar o mobiliário do local, como o restaurante onde ele levava a família dela. Simplesmente maravilhoso.
 
Tive a honra de receber a visita da tradutora do livro (a Denise Bottmann) no Hellfire Club. Vou deixar aqui o comentário que ela deixou lá porque achei muito, muito bacana:

que legal, anica! normalmente não traduzo literatura, e para mim foi uma experiência muito interessante. te repasso um comentário que eu tinha feito sobre o trabalho, que me pediram para uma matéria sobre o livro.

‘o que me chamou a atenção foi, como dizer, a untuosidade da fala da
personagem. pareceu-me um tipo de texto eminentemente oral - quando lido em
voz alta, vc sente uma espécie de onda, não fluida, não líquida, não
avassalaradora nem, ao contrário, “embaladora”. é uma fala untuosa, diria
eu - não chega a envolver nem arrastar, mas como que impele leve e
inexoravelmente o leitor, como se seus pés estivessem mergulhados (não
presos) num ou dois palmos de lama.
sem dúvida é um texto para ser lido em murmúrio, e então ele se revela
implacável, quase uma prece de uma menina afundada na autopiedade - ou
melhor, a prece amaldiçoada de uma “velha” torturada pela autopiedade diante
da menina que ainda sente ferida dentro de si. essa autopiedade é que a leva
a ser quase cruel e injusta, sobretudo com a mãe, e a mantém falando
incessantemente, incessantemente.
a pontuação no original era muito escassa, e tentei manter essa sensação
meio de fluxo - não chega a ser propriamente um fluxo, pois há a repetição
constante de uma ou outra palavra na frase, de modo que sugere uma certa
hesitação da personagem, um certo empenho seu em conseguir dizer, ou
conseguir descobrir, o que quer dizer, pois nem ela própria sabe - isso
funciona como um certo caracoleio, um certo leve encrespar da tessitura da
fala que não permite nenhum envolvimento completo ou nenhuma adesão
emocional fácil do leitor. (naturalmente, a referência concreta que, a meu
ver, explica esse tipo de discurso é o alcoolismo - uma definição mais
“vulgar” dessa untuosidade, derivada da mescla de tantos sentimentos ainda
tão vivos dentro dela, seria “a fala de um bêbado”.)
como o vocabulário é muito simples, o encanto do texto, a meu ver, se
concentra nessa falta de pontuação, nessas repetições dos pronomes, nessa
hesitação cuidadosa - a qual, julgo eu, se reproduz em ponto maior na
estruturação dos blocos do texto, como se a narradora tivesse a visão geral
do que, para ela, é horror e tristeza, mas também não tivesse muita certeza
e não soubesse bem como exprimir, a não ser repetindo, dando voltas, pegando
o mesmo “fato” (ou os mesmos “fatos” - pois são três ou quatro) de vários
ângulos.’

abraço
denise

=D
 
Confesso q não gostei do livro. Não pintou aquele clima, ou talvez foi a forma narrativa da escritora q não bateu comigo.

Já o filme, achei muito bem feita a reconstituição do local e da época e me fez até captar alguns detalhes q não tinham sido mto relevantes para mim na leitura. Recomendo, mas tirem as crianças da sala.
 
Anica disse:
Tive a honra de receber a visita da tradutora do livro (a Denise Bottmann) no Hellfire Club. Vou deixar aqui o comentário que ela deixou lá porque achei muito, muito bacana:

que legal, anica! normalmente não traduzo literatura, e para mim foi uma experiência muito interessante. te repasso um comentário que eu tinha feito sobre o trabalho, que me pediram para uma matéria sobre o livro.

‘o que me chamou a atenção foi, como dizer, a untuosidade da fala da
personagem. pareceu-me um tipo de texto eminentemente oral - quando lido em
voz alta, vc sente uma espécie de onda, não fluida, não líquida, não
avassalaradora nem, ao contrário, “embaladora”. é uma fala untuosa, diria
eu - não chega a envolver nem arrastar, mas como que impele leve e
inexoravelmente o leitor, como se seus pés estivessem mergulhados (não
presos) num ou dois palmos de lama.
sem dúvida é um texto para ser lido em murmúrio, e então ele se revela
implacável, quase uma prece de uma menina afundada na autopiedade - ou
melhor, a prece amaldiçoada de uma “velha” torturada pela autopiedade diante
da menina que ainda sente ferida dentro de si. essa autopiedade é que a leva
a ser quase cruel e injusta, sobretudo com a mãe, e a mantém falando
incessantemente, incessantemente.
a pontuação no original era muito escassa, e tentei manter essa sensação
meio de fluxo - não chega a ser propriamente um fluxo, pois há a repetição
constante de uma ou outra palavra na frase, de modo que sugere uma certa
hesitação da personagem, um certo empenho seu em conseguir dizer, ou
conseguir descobrir, o que quer dizer, pois nem ela própria sabe - isso
funciona como um certo caracoleio, um certo leve encrespar da tessitura da
fala que não permite nenhum envolvimento completo ou nenhuma adesão
emocional fácil do leitor. (naturalmente, a referência concreta que, a meu
ver, explica esse tipo de discurso é o alcoolismo - uma definição mais
“vulgar” dessa untuosidade, derivada da mescla de tantos sentimentos ainda
tão vivos dentro dela, seria “a fala de um bêbado”.)
como o vocabulário é muito simples, o encanto do texto, a meu ver, se
concentra nessa falta de pontuação, nessas repetições dos pronomes, nessa
hesitação cuidadosa - a qual, julgo eu, se reproduz em ponto maior na
estruturação dos blocos do texto, como se a narradora tivesse a visão geral
do que, para ela, é horror e tristeza, mas também não tivesse muita certeza
e não soubesse bem como exprimir, a não ser repetindo, dando voltas, pegando
o mesmo “fato” (ou os mesmos “fatos” - pois são três ou quatro) de vários
ângulos.’

abraço
denise

=D

Foda, sem mais palavras. Esse foi o meu livro de 2008.
 

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