Caixa de "Clube da Esquina" é boa oportunidade para revisitar clássicos da turma mineira
As duas edições do álbum "Clube da Esquina" (1972 e 1978) voltam às lojas --pela primeira vez juntas-- em uma edição comemorativa cuidada, digitalizada, restaurada e remixada sob a direção artística do próprio Milton Nascimento.
Boa oportunidade para revisitar clássicos da turma mineira que se reunia em torno de Milton em Belo Horizonte nos anos 60 para misturar rock, samba, bossa nova, música do mundo e raízes mineiras, tudo com muito apuro musical, simplicidade aparente e aspirações (legítimas) ao jazz. Apesar de muitas vezes criticada e incompreendida, a turma conseguiu a façanha de se firmar como um movimento musical criativo logo após o furacão da Tropicália.
Assinada por um Milton já conhecido e um por Lô Borges de 20 anos, a obra prima "Clube da Esquina 1", em 21 faixas, desfila canções hoje clássicas como "Tudo o que Você Queria Ser", "Um Girassol da Cor do Seu Cabelo" (Lô e Márcio Borges), "Cais", "Cravo e Canela" (Milton e Ronaldo Bastos), "O Trem Azul", "Nuvem Cigana" (Lô e Ronaldo), "Paisagem da Janela" (Lô e Brant).
Tudo embalado pelos criativos arranjos de Eumir Deodato, Wagner Tiso e do próprio Milton, pela interpretação acima da média de Milton e por um time afiado de instrumentistas (Robertinho Silva na percussão, Toninho Horta e Milton nos violões, Milton no piano, Horta no baixo, Nelson Angelo e Tavito nas guitarras, entre outros).
Deodato emplaca ao menos dois arranjos memoráveis: de "Um Gosto de Sol" (Milton e Bastos) e da instrumental "Clube da Esquina 2" (Milton, Lô e Márcio Borges). O sabor latino-americano, presente em boa parte do álbum, sobressai particularmente na espanhola e internacional "Dos Cruces" (Carmelo Larrea Carricarte) e em "San Vicente" (Milton e Fernando Brant).
A cantora Alaíde Costa reaparece no disco como convidada, depois de um período de afastamento dos palcos por conta dos problemas de audição que teve à época, cantando ao lado de Milton o lento samba "Me Deixa em Paz" (Monsueto e Ayrton Amorim). Por tudo isso e muito mais, muitos críticos ainda consideram este o álbum mais inspirado da carreira de Milton.
1978
Seis anos depois, "Clube da Esquina 2", em 23 faixas, ampliava o leque de idéias e de participantes, conseguindo reunir, também em um álbum duplo, boa parte do PIB musical da época. Entre os mineiros, aparecem com mais brilho Flavio Venturini, Tavito, Toninho Horta, Nelson Angelo, 14-Bis.
Nos arranjos, Francis Hime, César Camargo Mariano e Nelson Angelo aliam-se a Deodato. Discretos, Gonzaguinha, Miúcha, Cristina Buarque, Telma Costa aparecem nos coros. Joyce toca violão em "Mistérios", dela e Maurício Maestro, e o Boca Livre está lá no vocal, dando retaguarda à emocionada interpretação de Milton.
João Donato toca piano, trombone e também arranja. Danilo Caymmi e Paulo Jobim compõem e tocam flauta. Jaques Morelenbaum toca cello. O cineasta Ruy Guerra assina com Milton a parceria "E Daí? (A Queda)". Nos sopros e metais, aparecem Edson Maciel (trombone), Mauro Senise e Copinha (flauta), Marcio Montarroyos (trompetes).
Algumas faixas tornaram-se clássicos inescapáveis do Clube da Esquina, como a breve e maravilhosa "Nascente" (Flávio Venturini e Murilo Antunes), cantada por Flávio e Milton e valorizada pelo arranjo de Hime; ou "Canção Amiga", mergulho de Milton na mineirice, com versos de Carlos Drummond de Andrade. Sem falar em "Maria, Maria", de Milton e Brant.
Elis Regina, que com seu faro insuperável para novos compositores já havia gravado "Travessia", divide com Milton a "faixa-medley" "O Que Foi Feito Devera/O Que Foi Feito de Vera" (Milton, Brant e Márcio Borges), com arranjo de César Camargo Mariano.
Chico Buarque "brinca" com o portunhol em sua versão da "Canción por la Unidad Latinoamericana" (Pablo Milanés), cantada por ele e Milton, e também é parceiro de Bituca na suave "Leo", injustamente pouco ouvida hoje em dia -canção que parece ter versos típicos de Chico, mas mergulhados no universo dos mineiros.
Em suma, como bem diz o integrante Ronaldo Bastos no texto de apresentação da nova edição: "o Clube da Esquina é a imaginação no poder". Trinta e cinco anos depois, ele parece ainda ter razão. (ROGER MODKOVSKI)