embora eu seja um cara naturalmente irreligioso, algumas das pessoas que mais amei, e amo, em minha vida, eram fortemente religiosas (luteranas e católicas, basicamente). E talvez seja deste amor que brote a estranheza divertida que manifestei em minha postagem anterior.
Abraços.
Então,
@Tar-Mairon ...sugestão.... deixe a discussão da adequação da ortodoxia teológica do Legendarium a qualquer noção canônica, cristã ou judaica e delas entre si, para quem é fortemente "teísta" ou "religioso"....Não corra o risco de dar a impressão de ser o porta-voz de uma ideologia com a qual vc nem parece subscrever ao pé da letra por questão de empatia com quem a perfilha sem o engajamento intelectual correspondente. Isso não vai dar muito certo nem pra vc nem pra ninguém aqui.
Ou esse assunto é debatido de uma posição aberta "ecumênica" ou então é melhor evitar discorrer sobre ele. Engajar o assunto, ir lá, incitar o debate e, depois, se entricheirar num dogmatismo ortodoxo paternalista, que se ajusta mais ao profundamente fundamentalista, não é o modo de se abordar o tema num fórum para "leigos" feito pra discutir a ficção do Tolkien e suas implicações (teológicas, psicanalíticas, antropológicas, musicais, literárias ou o que for).
Pq, se for pra gente discutir a questão da aplicabilidade e verossimilhança de cânones tolkienianos e religiosos, vai ficar cada vez mais parecendo que a gente é que tem que fazer preleção e pregação para explicar como e porque um e outro podem não ser tão mutuamente excludentes assim. E é você que falou que não gosta de discutir a sério teologia inferida em cima de literatura.
E, nesse assunto, tem muita gente, luterana e católica, evangélica e o que for, que NÃO tem condição de opinar e julgar adequadamente o tema, principalmente pq já começam de uma perspectiva meio monolítica que descura da noção de Cristianismo dentro de uma evolução histórica, do ponto de vista teológico e epistemológico. Pessoas que nunca se aprofundam, por questões de ideologia, na relação, profundamente simbiótica, que a criação literária, a teologia e a religião tem entre si e na forma como elas evoluíram e continuam evoluindo por causa disso. E não dá pra fazer boa teologia sendo só "crente". Esse pode ser o ponto de partida mas não o de chegada.
Nada te impede de fazer análises psicológicas e freudianas, por exemplo, mannns... conhecendo Tolkien e tendo lido suas cartas, posso te afirmar que isso não tem nada a ver com ele e ele teria um nojo bem carola de alguém se referir a Eru assim. Ele ia pra missa todo domingo se ajoelhar perante Ele na adoração eucarística.
@Caio Alves ...admiro seu entusiasmo...mas vamos baixar um pouco a vazão do lança-chamas.... Psicanálise e Teologia não são de modo nenhum incompatíveis como vc deve saber já que mencionou Dostoiévski aqui no tópico. O que o Tar Mairon falou a respeito das mentiras auto-infligidas por Melkor a si mesmo e o fato dele ter mentido para seus subordinados maiar é totalmente correto do ponto de vista teológico e psicológico... O Demônio cristão não é o "Príncipe das Mentiras"?
E John Milton não sugeriu brilhantemente que a tragédia dele não é mentir mesmo para si próprio (e, no fundo, SABER que faz isso)? E isso, o tal do "recalque" freudiano, não é a base das enfermidades mentais? Pois é....Teologicamente, a mentira auto-infligida, aquilo que é inumado no inconsciente do Demônio se torna o Mal....não só para ele mas para todos nós.
Eu acho que, na longa postagem onde Tar Mairon discorreu sobre isso, ele estava, justamente, fazendo o que eu aconselhei aí em cima no meu post....Abstraiu o conteúdo intrinsecamente teológico, com o qual ele não se sente à vontade pra debater, e se focou nas implicações, logísticas e psicanálíticas, das ações dos Senhores das Trevas na relação de um com o outro e de ambos com as suas respectivas "agendas"....Uma dia eu falei para o
@César exatamente o que ele falou.
O próprio Tolkien não disse, de forma meio misteriosa, que Melkor
temia os homens pq eles eram parecidos com ele? Isso é Tolkien falando, em termos poéticos, de dois conceitos freudianos....Negação ( que Tolkien correlacionou com o Niilismo de Nietszshe) e Projeção.
A própria Ungoliant não resulta, talvez, de uma projeção de Melkor ( ou, quiçá, de Eru, gerando a Noite Primordial (como parece sugerir a teologia da cabala hebraica em relação a Jeová-Elohim e sua conexão com a origem do Mal para aquele "sistema") para fora de si que, sendo ele o que é, não produz algo com dimensão ontológica?)
Então, de boa....deve ter excelente literatura e até teses a respeito disso...Psicanálise, Freud, Teologia, Cristianismo e Legendarium do Tolkien
não são incongruentes. E Tolkien e C.S. Lewis, embora meio avessos a admitir a aplicabilidade da Psicanálise ( eles, também, malhavam a análise de fontes literárias, contanto que não fossem eles mesmos que a fizessem e não mexesse nos seus calos e soft spots ideológicos), respeitavam Freud e Jung (
tem até uma excelente tese recente comparando as implicações dos dois "Livros Vermelhos de Tolkien e Jung) mesmo que os textos onde eles tenham discorrido mais a respeito deles não sejam muito debatidos ou não sejam publicados justamente pra se evitar alguns debates mais acirrados a respeito disso tudo.
Mas vamos sempre realçar....o que é entrave pra qualquer debate produtivo não é a disparidade de crenças ou ideologias....é a falta de Caritas ("caridade", uma das formas de amor, obrigação para nós cristãos) e de civilidade para com o interlocutor.