Melkor- o inimigo da luz
Senhor de todas as coisas
[Melkor, o inimigo da luz] [Revolta das marmotas assassinas]
Minha primeira comédia, espero que gostem, aqui vão apenas os três primeiros capítulos:
------------------------------------------------------------
A CELA
Ela acordou olhou ao redor. Nada. O local escuro onde estava não deixava que visse nada, mas ouvia com clareza os passos do lado de fora, passos pesados que se aproximavam. Levantou-se do chão frio onde havia dormido e cerrou os olhos a espera de algo, não sabia o que, mas esperava algo. Esperava algo há muito tempo, já não tinha certeza do que era e se viria, mas continuava a esperar.
O rangido da porta de metal a fez sentir um arrepio estranho, então com a fraca luz que vinha de fora viu alguém parado na porta. Uma mulher, uma mulher gorda e de cabelos longos, era só o que podia ver. Quando o braço daquela mulher se precipitou para tocar no interruptor ela gritou:
- Não tente!
- Oh, minha criança, então já está acordada? – respondeu a mulher com uma voz doce, retirando o braço de perto do interruptor – Porque não podemos acender a luz, minha querida?
- Não me chame assim, pare!
- Como quiser, mas terá que me dar um motivo para não acender a luz.
- A luz... Tudo menos ela... A luz, você não sabe o que significa a luz, você não entende...
- É só luz, minha pequena criança... Como conversaremos no escuro?
- Estou aqui há meses no escuro e não senti falta da luz, se quer conversar será do meu jeito. Feche a porta.
- Não acho que seja uma boa idéia, além do que...
- Feche-a!
- Como quiser, pequena – disse a mulher com sua voz doce.
- Sinta-se à vontade em meu quarto.
- Querida, você sabe que isto não é um quarto. É uma cela.
- Qual a diferença?
- A diferença é que está aqui presa. Você sabe porque está presa?
- É claro que sei.
- O que tem a dizer sobre isto?
- Nada.
- Você não está ajudando
- Nem você. Não quero conversar, me deixe em paz.
- Você não pode passar sua vida inteira assim, você era tão bela e alegre, o que aconteceu?
- Como sabe se era bela e alegre?
- É meu trabalho, Mel.
- Não me chame de Mel, nunca. Meu nome é Rosana.
- Seu nome não é Rosana, querida.
- Quem decide isto não é você.
- Não, mas foi sua mãe. Você foi registrada como Melissa, e este é seu nome.
- Me diz, o que é o nome?
- Como assim, criança?
- Você entendeu. O que é um nome?
- É como as pessoas te chamam, qual é sua identificação perante a lei, mocinha.
- Já te avisei, pare de usar esses nomes comigo. Não sou uma criança há muito tempo.
- Para alguns, nós sempre seremos crianças, não concorda?
- Não.
- Olha, agora chega. Não tenho muito tempo, você deve imaginar que sou uma mulher ocupada e você não está cooperando. Quer me contar o que aconteceu?
- Você sabe, porque está me perguntando?
- Porque relatórios não contam sentimentos, quero saber o que você sentiu, o que passou na sua cabeça enquanto tirava a vida de um ser vivo cruelmente.
- Ah! Sejamos francas aqui! Não era um ser vivo, era um babuíno!
- E babuínos não são seres vivos?
- Sim, são... Mas aquele... Aquele monstro...
- Continue, querida.
- Já te avisei! Pare de me chamar assim!
- Está bem, desculpe... Onde paramos?
- No babuíno. Você entende, não entende? Eu tinha meus motivos, ele... Ele nos traiu...
- Traiu a quem, afinal?
- A nós! Aos humanos, às marmotas!
- Marmotas, você disse?
- Você ouviu, não se faça de idiota.
- Como assim “marmota”?
- A sigla AMARGA lhe diz algo?
- Não, realmente não.
- Como imaginava... Não posso explicar para você, sua ignorância a faria desconfiar de minha sanidade.
- Querida, sua sanidade já está em maus lençóis, senão não estaria aqui.
- Não me chame de querida, a última pessoa que o fez morreu, já lhe avisei.
- Então você matou mais alguém além do babuíno?
- Não exatamente...
- Bom, falemos disto depois. Voltemos então para a sigla AMARGA. O Que significa? Tenho quase certeza que o primeiro “A” significa associação.
- Acertou. AMARGA... Desculpe, mas não estou preparada para falar sobre isto.
- É necessário, que tal fazer um esforço?
- Impossível.
- Então acho melhor eu ir embora, minha criança – disse a mulher gorda virando-se para a porta.
- Associação das Marmotas Anônimas Revolucionárias Guerreiras da África.
- Como?
- AMARGA. A sigla...
- Ah, entendo – a mulher então virou-se novamente para Mel.
- E não me chame nunca mais de criança.
- Então quer falar sobre as tais marmotas?
- Não, hoje não... A lembrança ainda é muito dolorosa... Sinto o sangue escorrer pelas minhas mãos... Prefiro que conversemos amanhã, tudo bem?
- Está bem... Adeus, minha... Adeus.
Quando a mulher saiu pela porta de ferro e a solidão voltou para a cela de Mel, ela sussurrou para si mesma:
- Parece que estamos nos entendendo, Rebeca.
INICIA-SE A LENDA
Agora tudo começou a ficar claro... As Marmotas... Ela lembrava direito o que acontecera... Aquele dia na fazenda, o encontro com Roger... Sim, como era feliz...
Estava sentada na pedra, embaixo da pedra passava o rio que dividia a fazenda de sua avó com a fazenda do vizinho. Qual era mesmo o nome dele? Sam, isto mesmo. Sammy, como eu o chamava.
Chorava de raiva, não sabia porque, mas chorava. Um vazio estava no seu coração desde que era uma criança... Costumava ir até lá para chorar. Estava pensando no rio. Ele parecia estar cada vez mais alto, dava a impressão que um dia engoliria a pedra onde sentava.
Caminhando nas planícies viu um grupo de animais andando, mas não eram vacas ou cavalos, eram seres pequenos, gordos e peludos. Não exatamente gordos, fofinhos, sim, fofinhos.
O que ia à frente era maior e usava uma armadura, no inicio não acreditou que estivesse usando uma armadura, mas era sim uma armadura. Levantou-se e ficou de pé olhando aqueles animais caminhando, coloquei uma mão na frente do sol para enxergar melhor, então o que usava uma armadura parou e virou-se para a tropa.
Não pôde entender o que acontecia, mas todas viraram e começaram a marchar rapidamente para perto de Meggy. Sem saber o que fazer, apenas esperou até que chegassem até ela. Cerrou os olhos como costumava fazer em ocasiões de tensão.
Elas chegaram e ficaram a olhando, o líder sempre na frente da tropa. Ela não entendia o que estava acontecendo, afinal, o que elas queriam?
- Está aqui há muito tempo? – perguntou o líder das marmotas para ela.
- Hey, você fala?
- Não
- Claro que fala, está falando comigo!
- Então eu falo!
- O que você quer?
- Justiça
- Fala sério
- Justiça! É o que todas nós queremos!
- Nós quem? Estes ratos que estão te seguindo?
- Não somos ratos, somos marmotas!
- O que é uma marmota?
- Então é verdade, o mundo está perdido – disse ele abaixando a cabeça com um olhar triste.
- O mundo está perdido porque?
- Não percebe?
- Não
- A nossa cultura está sumindo, sendo substituída... As pessoas nem ao menos lembram de nós!
- Porque lembraríamos?
- Porque? Você quer saber porque? Nós salvamos a humanidade no passado, nós vivíamos como iguais, até que fomos traídos pelos castores guerreiros e tivemos que nos esconder por séculos até novamente ressurgimos.
- O que os castores fizeram?
- Não queremos lembrar disto, desculpe. Mas estávamos dispostos a esquecer tudo que eles fizeram contra nós, eles, porém, atacaram nossa cidade subterrânea ontem e mataram milhares de crianças de nosso povo, isso é intolerável!
- Que maldade!
- Sim, por isso queremos saber se você viu um exército de castores passar por aqui. Acreditamos que eles vão fazer um dique neste rio para acabar com o suprimento de água de nossas cidades.
- É claro que não!
- Certeza?
- E eu não perceberia um exército de castores passando embaixo do meu nariz?
- Obrigada, menina... Precisamos continuar nossa marcha, apesar de tudo...
- Ei, espere!
- Diga
- Eu não vi o exército, mas agora que você tocou no assunto, o nível do rio aumentou muito hoje, estava pensando sobre isto agora mesmo...
- Então o que temíamos se concretizou – disse ele com um tom de medo na voz – precisamos ir! Soldados, sigam o curso do rio, andem, vou na retaguarda, preciso conversar com esta garota.
- Pode falar, senhor marmota.
- Ei! Sou uma marmota, mas tenho nome!
- E qual é seu nome? O meu é Meggy!
- Roger... Prazer em conhece-la.
- O prazer é meu, o que você queria falar comigo afinal?
- Acho que preciso da sua ajuda. Você conhece o terreno daqui, não é? Além do mais é uma humana e pode se aproximar dos castores sem que eles a ataquem.
- Eu adoraria... Mas tenho medo...
- Não tem o que temer, é grande. Nós somos pequenas e não temos como nos defender dos castores guerreiros.
- O que exatamente eu tenho que fazer?
- Pôr esta essência de gambá azedo em cima do dique. Então eles de lá sairão e nossos exércitos camuflados no ambiente os matarão impiedosamente.
- Ma...Matar?
- Sim. M, E, T, E, R!
- Errr...
- Diga
- É M, A, T, A, R...
- Bah, que seja! Meter, matar... Faz diferença?
- Faz...
- Alguém já te disse que você não tem educação?
- Já. Algum problema? – disse ela o encarando e atravessando o rio com um pulo.
- Não, não... Oh, céus! O exército já está longe daqui, você me distraiu!
- Não, não distraí.
- Não importa, me leve até eles, você tem passos longos... Atravessa um rio enorme com um passo...
- Que rio enorme? Ah... Esse rio... Fala sério, nem é tão grande. De qualquer jeito, não importa o que vocês digam, não ajudarei num assassinato cruel...
O 14° DIQUE DO OESTE
“Diabos, como foi que deixei que uma marmota falante e peluda a convencesse? Droga, é só uma marmota, marmotas nem ao menos falam! Acho que estou pirando, sim, só pode ser!
Se não estivesse pirando porque eu estaria correndo atrás de um exército de marmotas com uma marmota de armadura sentada em meu ombro me dando ordens? Não há outra explicação, não. Marmotas não falam, o que estou fazendo?”
- Porque parou, Meggy?
- Porque marmotas não falam...
- Mas é claro que falam! Não estou falando com você?
- Por isso mesmo!
- Eu falo e posso garantir que sou uma genuína Cynomys ludovicianus da família Scuridae, resumindo, uma bela marmota do rabo preto!
- Que bizarro! E você acha isso legal?
- Isso o que?
- Como isso o que? Ser uma marmota! Que coisa ridícula!
- Olha quem fala! Você parece uma jamanta andando, toda desengonçada...
- Ah, então é melhor que você vá correndo...
- Não, não... Esquece o que eu disse e corre.
Continuou a correr. “Que marmota atrevida! Rabo Preto... Vou mostrar pra ele!”. Tinha que rever o plano. Chegaria até o dique, despejaria aquele liquido fedorento e sairia correndo, não era um grande papel, mas seria de extrema importância.
Mas... E as crianças? Ajudaria no assassinato de castores inocentes? Bom, não eram tão inocentes, mas quem são as marmotas para julgar alguém?
Agora era tarde demais, aquela maldita marmota a convenceu e ela deu sua palavra... Quem mandou ser fraca e facilmente influenciável?
Finalmente alcançou o exército, estava simplesmente atônita. Eram marmotas, como corriam tão rápido?
- Senhor, chegamos ao nosso limite. A tropa que foi mais para frente já está camuflada a espera da saída dos castores, nós, da tropa da retaguarda, iremos impedir a fuga deles.
- E as crianças? – interferiu Meggy
- Como assim?
- Matarão todas crianças do dique?
- E desde quando crianças ficam em diques de guerra?
- Diques de guerra?
- Você não acreditou que os castores realmente vivem em diques? Papo furado! Eles os constroem como fortalezas!
- Incrível...
- Sim, agora você tem que ser rápida, nós... Err... Estamos com problemas financeiros e não temos disfarces muito eficientes, se você me entende.
- Está bem, vou indo, é só seguir para aquela direção, certo?
- Certíssimo! Boa sorte, menina!
- Eu tenho nome, sabia?
- Não, agora anda logo e para de reclamar.
Não deu nenhuma resposta para a marmota mal educada. Coitada, ninguém contou pra ela que ela não pode falar...
“Já posso avistar o dique... Ele é enorme, posso ver ali um castor vigia e... Ei! Espere, não pode ser! As marmotas acham mesmo que estão camufladas? Tem um ali segurando um graveto com algumas folhas na frente de seu rosto... Problemas de orçamento? Santa marmota!”.
Calma. Precisava de calma, só isto. Aproximou-se do dique lentamente com o frasco na mão, gotas de suor escorriam de sua testa. Bastava fazer aquilo e sair correndo... Só isto...
Então um castor gritou e saiu correndo do dique girando um laço. Amarrou Meggy e a olhou com um olhar sádico.
- Acha que pode nos enganar, mocinha? Não nos destruirá, nós conquistaremos o mundo, não pode nos impedir!
- Droga, eu sabia que vocês não se enganariam com os disfarces das marmotas!
- Marmotas? Tem marmotas aqui? Oh, uma marmota em cima da árvore, e outra atrás de um arbusto! É verdade, estamos sob ataque!
- Ataque? – disse outra saindo do dique
- Sim, marmotas por todos os lados! Atacar!
Então saíram centenas de marmotas de alçapões do chão e do dique, então as marmotas abandonaram seus disfarces e começaram a atacar. O castor que havia prendido ela saiu correndo, então ela retirou a corda e se escondeu longe dali em um local de onde poderia ver a luta sangrenta. Que animais mais selvagens!
Enquanto algumas marmotas lutavam, outras destruíam o dique, de forma com que finalmente com um estrondo a água forçou o dique já enfraquecido e o destruiu. Todos pararam de lutar e então os castores lamentaram a destruição do dique.
- A água do rio é livre para correr, não cabe a vocês decidir seu curso. Que isto seja um aviso, vocês não destruirão nosso povo.
- Somos mais fortes que vocês, suas marmotas malditas. Somos castores guerreiros e não perdemos tão facilmente. Vocês verão, vocês verão!
- Chega! – gritou Meggy
- O que? – disse o líder dos castores
- Esta briga infantil já me deu nos nervos. Vocês são animais bonitinhos e pequenininhos, deviam ser fofinhos e inocentes!
- Não, não devíamos!
- Ah, deviam sim!
- Se sua ignorância acha que marmotas e castores são seres irracionais inocentes, realmente você está perturbada.
- Eu achei por 13 anos que marmotas e castores não falassem!
- E não se enganou?
- Não exatamente... Ainda acho que isso é um sonho, se alguém me beliscasse eu aposto que acordaria... Ei, o que significa isto? Tem um castor roendo minha perna!
- Você disse que se alguém te beliscasse você acordaria... Acordou?
- Claro que não! Quer dizer... Eu acho... Ah, vocês estão me confundindo!
- Então não se intromete... Onde estávamos?
- Não sei – disse Roger
- Ah, estávamos brigando.
- Ah sim! Vocês não destruirão nosso sonho de um mundo onde marmotas e humanos possam viver em harmonia com direitos iguais.
- Esqueça, seu velho tolo! Eles já esqueceram a importância dos animais. Já esqueceram quantas vezes os castores destruíram exércitos de babuínos mercenários que atacaram suas cidades, quantas vezes as marmotas perseguiram até a morte as fuinhas que roubaram ovos de galinhas para vender pro mercado negro. Não há nada para fazermos, Roger.
- Devemos lutar.
- Faça o que quiser, só não me inclua no seu plano inútil.
- Não estou te incluindo no meu plano...
- Não discute comigo! Que marmota insistente!
- Mas porque vocês atacaram nossas cidades?
- Não podemos dizer, no devido tempo vocês saberão. Tropas, recuar!
- Vai deixa-los ir? – perguntou Meggy
- É inútil tentar algo, os castores são guerreiros hábeis, nós não temos tropas suficientes para continuarmos a luta.
- Ah, e aqueles seus disfarces... Pelo amor de deus, quem vocês acharam que estavam enganando?
- Na verdade, até você ser capturada os castores não tinham visto as marmotas camufladas...
Vamos mudar de assunto?
---------------------------------------------------------------------------------
Minha primeira comédia, espero que gostem, aqui vão apenas os três primeiros capítulos:
------------------------------------------------------------
A CELA
Ela acordou olhou ao redor. Nada. O local escuro onde estava não deixava que visse nada, mas ouvia com clareza os passos do lado de fora, passos pesados que se aproximavam. Levantou-se do chão frio onde havia dormido e cerrou os olhos a espera de algo, não sabia o que, mas esperava algo. Esperava algo há muito tempo, já não tinha certeza do que era e se viria, mas continuava a esperar.
O rangido da porta de metal a fez sentir um arrepio estranho, então com a fraca luz que vinha de fora viu alguém parado na porta. Uma mulher, uma mulher gorda e de cabelos longos, era só o que podia ver. Quando o braço daquela mulher se precipitou para tocar no interruptor ela gritou:
- Não tente!
- Oh, minha criança, então já está acordada? – respondeu a mulher com uma voz doce, retirando o braço de perto do interruptor – Porque não podemos acender a luz, minha querida?
- Não me chame assim, pare!
- Como quiser, mas terá que me dar um motivo para não acender a luz.
- A luz... Tudo menos ela... A luz, você não sabe o que significa a luz, você não entende...
- É só luz, minha pequena criança... Como conversaremos no escuro?
- Estou aqui há meses no escuro e não senti falta da luz, se quer conversar será do meu jeito. Feche a porta.
- Não acho que seja uma boa idéia, além do que...
- Feche-a!
- Como quiser, pequena – disse a mulher com sua voz doce.
- Sinta-se à vontade em meu quarto.
- Querida, você sabe que isto não é um quarto. É uma cela.
- Qual a diferença?
- A diferença é que está aqui presa. Você sabe porque está presa?
- É claro que sei.
- O que tem a dizer sobre isto?
- Nada.
- Você não está ajudando
- Nem você. Não quero conversar, me deixe em paz.
- Você não pode passar sua vida inteira assim, você era tão bela e alegre, o que aconteceu?
- Como sabe se era bela e alegre?
- É meu trabalho, Mel.
- Não me chame de Mel, nunca. Meu nome é Rosana.
- Seu nome não é Rosana, querida.
- Quem decide isto não é você.
- Não, mas foi sua mãe. Você foi registrada como Melissa, e este é seu nome.
- Me diz, o que é o nome?
- Como assim, criança?
- Você entendeu. O que é um nome?
- É como as pessoas te chamam, qual é sua identificação perante a lei, mocinha.
- Já te avisei, pare de usar esses nomes comigo. Não sou uma criança há muito tempo.
- Para alguns, nós sempre seremos crianças, não concorda?
- Não.
- Olha, agora chega. Não tenho muito tempo, você deve imaginar que sou uma mulher ocupada e você não está cooperando. Quer me contar o que aconteceu?
- Você sabe, porque está me perguntando?
- Porque relatórios não contam sentimentos, quero saber o que você sentiu, o que passou na sua cabeça enquanto tirava a vida de um ser vivo cruelmente.
- Ah! Sejamos francas aqui! Não era um ser vivo, era um babuíno!
- E babuínos não são seres vivos?
- Sim, são... Mas aquele... Aquele monstro...
- Continue, querida.
- Já te avisei! Pare de me chamar assim!
- Está bem, desculpe... Onde paramos?
- No babuíno. Você entende, não entende? Eu tinha meus motivos, ele... Ele nos traiu...
- Traiu a quem, afinal?
- A nós! Aos humanos, às marmotas!
- Marmotas, você disse?
- Você ouviu, não se faça de idiota.
- Como assim “marmota”?
- A sigla AMARGA lhe diz algo?
- Não, realmente não.
- Como imaginava... Não posso explicar para você, sua ignorância a faria desconfiar de minha sanidade.
- Querida, sua sanidade já está em maus lençóis, senão não estaria aqui.
- Não me chame de querida, a última pessoa que o fez morreu, já lhe avisei.
- Então você matou mais alguém além do babuíno?
- Não exatamente...
- Bom, falemos disto depois. Voltemos então para a sigla AMARGA. O Que significa? Tenho quase certeza que o primeiro “A” significa associação.
- Acertou. AMARGA... Desculpe, mas não estou preparada para falar sobre isto.
- É necessário, que tal fazer um esforço?
- Impossível.
- Então acho melhor eu ir embora, minha criança – disse a mulher gorda virando-se para a porta.
- Associação das Marmotas Anônimas Revolucionárias Guerreiras da África.
- Como?
- AMARGA. A sigla...
- Ah, entendo – a mulher então virou-se novamente para Mel.
- E não me chame nunca mais de criança.
- Então quer falar sobre as tais marmotas?
- Não, hoje não... A lembrança ainda é muito dolorosa... Sinto o sangue escorrer pelas minhas mãos... Prefiro que conversemos amanhã, tudo bem?
- Está bem... Adeus, minha... Adeus.
Quando a mulher saiu pela porta de ferro e a solidão voltou para a cela de Mel, ela sussurrou para si mesma:
- Parece que estamos nos entendendo, Rebeca.
INICIA-SE A LENDA
Agora tudo começou a ficar claro... As Marmotas... Ela lembrava direito o que acontecera... Aquele dia na fazenda, o encontro com Roger... Sim, como era feliz...
Estava sentada na pedra, embaixo da pedra passava o rio que dividia a fazenda de sua avó com a fazenda do vizinho. Qual era mesmo o nome dele? Sam, isto mesmo. Sammy, como eu o chamava.
Chorava de raiva, não sabia porque, mas chorava. Um vazio estava no seu coração desde que era uma criança... Costumava ir até lá para chorar. Estava pensando no rio. Ele parecia estar cada vez mais alto, dava a impressão que um dia engoliria a pedra onde sentava.
Caminhando nas planícies viu um grupo de animais andando, mas não eram vacas ou cavalos, eram seres pequenos, gordos e peludos. Não exatamente gordos, fofinhos, sim, fofinhos.
O que ia à frente era maior e usava uma armadura, no inicio não acreditou que estivesse usando uma armadura, mas era sim uma armadura. Levantou-se e ficou de pé olhando aqueles animais caminhando, coloquei uma mão na frente do sol para enxergar melhor, então o que usava uma armadura parou e virou-se para a tropa.
Não pôde entender o que acontecia, mas todas viraram e começaram a marchar rapidamente para perto de Meggy. Sem saber o que fazer, apenas esperou até que chegassem até ela. Cerrou os olhos como costumava fazer em ocasiões de tensão.
Elas chegaram e ficaram a olhando, o líder sempre na frente da tropa. Ela não entendia o que estava acontecendo, afinal, o que elas queriam?
- Está aqui há muito tempo? – perguntou o líder das marmotas para ela.
- Hey, você fala?
- Não
- Claro que fala, está falando comigo!
- Então eu falo!
- O que você quer?
- Justiça
- Fala sério
- Justiça! É o que todas nós queremos!
- Nós quem? Estes ratos que estão te seguindo?
- Não somos ratos, somos marmotas!
- O que é uma marmota?
- Então é verdade, o mundo está perdido – disse ele abaixando a cabeça com um olhar triste.
- O mundo está perdido porque?
- Não percebe?
- Não
- A nossa cultura está sumindo, sendo substituída... As pessoas nem ao menos lembram de nós!
- Porque lembraríamos?
- Porque? Você quer saber porque? Nós salvamos a humanidade no passado, nós vivíamos como iguais, até que fomos traídos pelos castores guerreiros e tivemos que nos esconder por séculos até novamente ressurgimos.
- O que os castores fizeram?
- Não queremos lembrar disto, desculpe. Mas estávamos dispostos a esquecer tudo que eles fizeram contra nós, eles, porém, atacaram nossa cidade subterrânea ontem e mataram milhares de crianças de nosso povo, isso é intolerável!
- Que maldade!
- Sim, por isso queremos saber se você viu um exército de castores passar por aqui. Acreditamos que eles vão fazer um dique neste rio para acabar com o suprimento de água de nossas cidades.
- É claro que não!
- Certeza?
- E eu não perceberia um exército de castores passando embaixo do meu nariz?
- Obrigada, menina... Precisamos continuar nossa marcha, apesar de tudo...
- Ei, espere!
- Diga
- Eu não vi o exército, mas agora que você tocou no assunto, o nível do rio aumentou muito hoje, estava pensando sobre isto agora mesmo...
- Então o que temíamos se concretizou – disse ele com um tom de medo na voz – precisamos ir! Soldados, sigam o curso do rio, andem, vou na retaguarda, preciso conversar com esta garota.
- Pode falar, senhor marmota.
- Ei! Sou uma marmota, mas tenho nome!
- E qual é seu nome? O meu é Meggy!
- Roger... Prazer em conhece-la.
- O prazer é meu, o que você queria falar comigo afinal?
- Acho que preciso da sua ajuda. Você conhece o terreno daqui, não é? Além do mais é uma humana e pode se aproximar dos castores sem que eles a ataquem.
- Eu adoraria... Mas tenho medo...
- Não tem o que temer, é grande. Nós somos pequenas e não temos como nos defender dos castores guerreiros.
- O que exatamente eu tenho que fazer?
- Pôr esta essência de gambá azedo em cima do dique. Então eles de lá sairão e nossos exércitos camuflados no ambiente os matarão impiedosamente.
- Ma...Matar?
- Sim. M, E, T, E, R!
- Errr...
- Diga
- É M, A, T, A, R...
- Bah, que seja! Meter, matar... Faz diferença?
- Faz...
- Alguém já te disse que você não tem educação?
- Já. Algum problema? – disse ela o encarando e atravessando o rio com um pulo.
- Não, não... Oh, céus! O exército já está longe daqui, você me distraiu!
- Não, não distraí.
- Não importa, me leve até eles, você tem passos longos... Atravessa um rio enorme com um passo...
- Que rio enorme? Ah... Esse rio... Fala sério, nem é tão grande. De qualquer jeito, não importa o que vocês digam, não ajudarei num assassinato cruel...
O 14° DIQUE DO OESTE
“Diabos, como foi que deixei que uma marmota falante e peluda a convencesse? Droga, é só uma marmota, marmotas nem ao menos falam! Acho que estou pirando, sim, só pode ser!
Se não estivesse pirando porque eu estaria correndo atrás de um exército de marmotas com uma marmota de armadura sentada em meu ombro me dando ordens? Não há outra explicação, não. Marmotas não falam, o que estou fazendo?”
- Porque parou, Meggy?
- Porque marmotas não falam...
- Mas é claro que falam! Não estou falando com você?
- Por isso mesmo!
- Eu falo e posso garantir que sou uma genuína Cynomys ludovicianus da família Scuridae, resumindo, uma bela marmota do rabo preto!
- Que bizarro! E você acha isso legal?
- Isso o que?
- Como isso o que? Ser uma marmota! Que coisa ridícula!
- Olha quem fala! Você parece uma jamanta andando, toda desengonçada...
- Ah, então é melhor que você vá correndo...
- Não, não... Esquece o que eu disse e corre.
Continuou a correr. “Que marmota atrevida! Rabo Preto... Vou mostrar pra ele!”. Tinha que rever o plano. Chegaria até o dique, despejaria aquele liquido fedorento e sairia correndo, não era um grande papel, mas seria de extrema importância.
Mas... E as crianças? Ajudaria no assassinato de castores inocentes? Bom, não eram tão inocentes, mas quem são as marmotas para julgar alguém?
Agora era tarde demais, aquela maldita marmota a convenceu e ela deu sua palavra... Quem mandou ser fraca e facilmente influenciável?
Finalmente alcançou o exército, estava simplesmente atônita. Eram marmotas, como corriam tão rápido?
- Senhor, chegamos ao nosso limite. A tropa que foi mais para frente já está camuflada a espera da saída dos castores, nós, da tropa da retaguarda, iremos impedir a fuga deles.
- E as crianças? – interferiu Meggy
- Como assim?
- Matarão todas crianças do dique?
- E desde quando crianças ficam em diques de guerra?
- Diques de guerra?
- Você não acreditou que os castores realmente vivem em diques? Papo furado! Eles os constroem como fortalezas!
- Incrível...
- Sim, agora você tem que ser rápida, nós... Err... Estamos com problemas financeiros e não temos disfarces muito eficientes, se você me entende.
- Está bem, vou indo, é só seguir para aquela direção, certo?
- Certíssimo! Boa sorte, menina!
- Eu tenho nome, sabia?
- Não, agora anda logo e para de reclamar.
Não deu nenhuma resposta para a marmota mal educada. Coitada, ninguém contou pra ela que ela não pode falar...
“Já posso avistar o dique... Ele é enorme, posso ver ali um castor vigia e... Ei! Espere, não pode ser! As marmotas acham mesmo que estão camufladas? Tem um ali segurando um graveto com algumas folhas na frente de seu rosto... Problemas de orçamento? Santa marmota!”.
Calma. Precisava de calma, só isto. Aproximou-se do dique lentamente com o frasco na mão, gotas de suor escorriam de sua testa. Bastava fazer aquilo e sair correndo... Só isto...
Então um castor gritou e saiu correndo do dique girando um laço. Amarrou Meggy e a olhou com um olhar sádico.
- Acha que pode nos enganar, mocinha? Não nos destruirá, nós conquistaremos o mundo, não pode nos impedir!
- Droga, eu sabia que vocês não se enganariam com os disfarces das marmotas!
- Marmotas? Tem marmotas aqui? Oh, uma marmota em cima da árvore, e outra atrás de um arbusto! É verdade, estamos sob ataque!
- Ataque? – disse outra saindo do dique
- Sim, marmotas por todos os lados! Atacar!
Então saíram centenas de marmotas de alçapões do chão e do dique, então as marmotas abandonaram seus disfarces e começaram a atacar. O castor que havia prendido ela saiu correndo, então ela retirou a corda e se escondeu longe dali em um local de onde poderia ver a luta sangrenta. Que animais mais selvagens!
Enquanto algumas marmotas lutavam, outras destruíam o dique, de forma com que finalmente com um estrondo a água forçou o dique já enfraquecido e o destruiu. Todos pararam de lutar e então os castores lamentaram a destruição do dique.
- A água do rio é livre para correr, não cabe a vocês decidir seu curso. Que isto seja um aviso, vocês não destruirão nosso povo.
- Somos mais fortes que vocês, suas marmotas malditas. Somos castores guerreiros e não perdemos tão facilmente. Vocês verão, vocês verão!
- Chega! – gritou Meggy
- O que? – disse o líder dos castores
- Esta briga infantil já me deu nos nervos. Vocês são animais bonitinhos e pequenininhos, deviam ser fofinhos e inocentes!
- Não, não devíamos!
- Ah, deviam sim!
- Se sua ignorância acha que marmotas e castores são seres irracionais inocentes, realmente você está perturbada.
- Eu achei por 13 anos que marmotas e castores não falassem!
- E não se enganou?
- Não exatamente... Ainda acho que isso é um sonho, se alguém me beliscasse eu aposto que acordaria... Ei, o que significa isto? Tem um castor roendo minha perna!
- Você disse que se alguém te beliscasse você acordaria... Acordou?
- Claro que não! Quer dizer... Eu acho... Ah, vocês estão me confundindo!
- Então não se intromete... Onde estávamos?
- Não sei – disse Roger
- Ah, estávamos brigando.
- Ah sim! Vocês não destruirão nosso sonho de um mundo onde marmotas e humanos possam viver em harmonia com direitos iguais.
- Esqueça, seu velho tolo! Eles já esqueceram a importância dos animais. Já esqueceram quantas vezes os castores destruíram exércitos de babuínos mercenários que atacaram suas cidades, quantas vezes as marmotas perseguiram até a morte as fuinhas que roubaram ovos de galinhas para vender pro mercado negro. Não há nada para fazermos, Roger.
- Devemos lutar.
- Faça o que quiser, só não me inclua no seu plano inútil.
- Não estou te incluindo no meu plano...
- Não discute comigo! Que marmota insistente!
- Mas porque vocês atacaram nossas cidades?
- Não podemos dizer, no devido tempo vocês saberão. Tropas, recuar!
- Vai deixa-los ir? – perguntou Meggy
- É inútil tentar algo, os castores são guerreiros hábeis, nós não temos tropas suficientes para continuarmos a luta.
- Ah, e aqueles seus disfarces... Pelo amor de deus, quem vocês acharam que estavam enganando?
- Na verdade, até você ser capturada os castores não tinham visto as marmotas camufladas...
Vamos mudar de assunto?
---------------------------------------------------------------------------------