• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

Ficções, Jorge Luis Borges

Mavericco disse:
Mavericco disse:
Acreditam que exista alguma ligação entre a polícia de Sikar e os ladrões de Guzerat?

É possível que essa ligação se dê apenas num plano de vileza sem muitos aprofundamentos. Para o narrador (e seu factível reflexo, o ladrão da torre), os cavalos ligam-se com o aspecto vil das coisas, sendo assim, para ele, tanto a polícia de Sikar e os ladrões podem ser considerados como vis. Isso, no entanto, tem uma consequência talvez até um tanto quanto considerável, que é o de se tentar perceber até onde, mais ou menos, o narrador considerava como sendo vil em Bombain. Antes esse aspecto vil era abstrato, mas hoje nós temos uma ligação com cavalos. Será que existem outras ligações ao longo do texto? Será que esse narrador considerava todos em Bombain vis? Afinal de contas, essas pessoas de Bombain são reflexos dele, e por isso são abomináveis...
Mavericco disse:
E quem é essa malka-sansi? Uma alegoria? Do quê?
Mavericco, tive a impressão que a vileza nesse conto surgiu a partir do contato com o homem esquálido que estava urinando. Isso porque esse homem tem a profissão de ladrão e diz coisas vis. A menção aos parsees também parece não ser aleatória pois se vincula a rituais de purificação (narrados de forma exaustiva no Zend Avesta, s.m.j. no Vendidad, no Vispered ou em alguns dos Gathas). Mais, tive a impressão que ao conflito entre os hindus (os deuses=panteão hindu) e muçulmanos (o deus unitário=Alá), que levou os estudante ao contato com o homem vil insuflou nele uma visão maniqueísta (para os Parses o Universo se resume ao conflito entre Ahura Mazda vs Angra Manyu=bem vs mal=homem esquálido vs Malka Sansi), o que o levou a procurar Malka-sansi.

Mavericco disse:
Malka-sansi é uma mulher da classe dos ladrões. Logo, ela é vil. Logo, o narrador não gosta dela. Mas porque o nome desta mulher não sai de sua mente? Será que em algum momento ele saiu? Minha teoria é a de que a malka-sansi representa, obviamente, a mulher, mas não a mulher feminina, mas sim a mulher reprodutora. Esta malka-sansi é a alegoria de toda a vileza do mundo, visto que os espelhos bem como a cópula ou a paternidade são abomináveis, sendo assim, esta malka-sansi é a origem, o ponto inicial de todos esses aspectos abomináveis.

Pelo que entendi, a busca por Malka-sansi começou em decorrência do homem vil ter demonstrado rancor em relação aos ladrões de cavalo e a ela própria. Logo o herói foi buscar nela o que seria o bem (se o homem vil desferiu imprecações de ódio contra ela é porque ela corresponde ao oposto do homem vil (numa visão masdeísta=maniqueísta=parsee ela é o anti-homem vil). Se não me engano o contato com os mortos no Zend Avesta exige uma purificação (o Fargard n. VI do Vispered fala sobmente sobre isso). Note-se que a partir daí o estudante já não tem mais certeza se o mulçumano tem mais razão que o idólatra (hindu), o que o leva a buscar uma terceira via. Aí ele descobre a vileza e a partir daí, passa a refletir a vileza que recebeu após participar do conflito religioso.

Mavericco disse:
Pois bem, você tem mãos e pés,
cabeça e artes inteiramente suas;
se posso encontrar prazer nas coisas,
isso por acaso as torna menos minhas?
Se eu posso comprar seis cavalos,
a força deles não se tornará minha?
Posso correr com eles, e ser um verdadeiro homem,
como se suas dúzias de patas fossem minhas. (1820-28)


A força dos cavalos é uma moeda de troca de poder, na sua essência, como afirma Mefistófeles. Você é o que você tem, você é o quanto você tem. Em o narrador como ladrão de cavalos, temos aqui um narrador que tenta ser mais do que ele é, que tenta, de forma mefistofélica, expandir seus limites e passar a ter a força de seis cavalos.

Mas o narrador não quer ter a força de seis cavalos. Ele quer mais do que isso. A aproximação deífica que Almostásim-Deus permite ao narrador é exatamente o que ele quer. Os seis cavalos que o narrador procurava transmutam-se na plenitude infinita dos cavalos que Almostásim poderia oferecê-lo. É porque Almostásim ou a malka-sansi são todos os cavalos do mundo, pois eles são a plenitude da alma... Ele quer encontrar prazer nas coisas e continuar fazendo com que essas coisas sejam suas...

A metáfora para o ladrão de cavalo é a metáfora daquela pessoa que tenta transcender sua existência de reflexo dum espelho ou de resultado duma cópula...

Sendo assim, talvez seja superficial o que o homem da torre tenha dito ao narrador sobre os ladrões de cavalos de Guzerat, sobre o fato deles serem vis... Ou será que não? Basta observarmos que os ladrões de cavalos de Guzerat roubam seis cavalos mas param por aí, ao contrário do narrador, que ao invés de seis, possui um desejo fáustico:

As sensações da espécie humana em peso,
quero-as eu dentro de mim; seus bens, seus males
mais atrozes, mais íntimos, se entranhem
aqui onde à vontade a mente minha
os abrace, os tateie; assim me torno
eu próprio a humanidade; e se ela ao cabo
perdida for, me perderei com ela. (1768-75)

Muito interessante essa tese ! Agora, outra referência, além da Sacred Fount é da mentepsicose. Não levantei as referências mas um tipo de mentepsicose encontra-se em Puschkin (livros - Eugene Oineguin - Cap. 1 - XLIV) e na entrevista do Borges. Não seriam todos aqueles que ele estava procurando exemplos de cavalos de quem ele estaria extraindo as forças (=idéias). Do homem vil ele extraiu a vileza. Agora, outra questão interessante é que
também a história de Almostasin se limita a versões. Será que o estudante de fato matou alguém ? Ou sua história também se limitou às aparências como em The Sacred Fount ?
 
Dessa vez eu vou (tentar) dar o pontapé inicial.

Esse foi, até agora, o conto que eu mais gostei. Para começar vou apenas destacar algumas partes:

Não queria compor outro Quixote -- o que é fácil -- mas o Quixote. Inútil acrescer que nunca visionou qualquer transcrição mecânica do original; não se propunha copiá-lo. Sua admirável ambição era produzir páginas que coincidissem -- palavra por palavra e linha por linha -- com as de Miguel de Cervantes.

O primeiro destaque é dizer que "é fácil" escrever outro Quixote. Existiram outros Quixotes na literatura?

Mas o que mais intrigou foi a difícil tarefa que Pierre se propôs. E fiquei bastante encucado para saber como ele faria isso: não iria copiá-lo, mas produziria páginas que concidissem. Mais pra frente no conto, no único momento em que é citado um trecho do livro de Pierre em comparação com o de Cervantes ele é... exatamente igual! Porém, o autor do conto nos dá interpretações diferentes para o trecho. Se o que Cervantes escreveu no século XVII é "um mero elogio retórico da história", o que Pierre escreveu é uma ideia espantosa.

Ou seja, três séculos fizeram mudar a interpretação do trecho, mas não por uma nova interpretação de Cervantes (que não poderia capturar a mudança história que ocorreria no futuro) e sim por um novo autor (que poderia capturar essa mudança) tê-lo reescrito.

Até porque, Pierre não quis esquecer a história e ser Cervantes. Ele tentou chegar por ele mesmo. A história do mundo entre Cervantes e ele o influenciou bastante. "Não transcorreram em vão trezentos anos, carregados de complexíssimos fatos. Entre eles, para citar um apenas: o próprio Quixote."

Mas se a história o influenciou tanto, por que o livro é tão parecido? O narrador chega a dizer que vê a escrita de Menard até em trechos que ele não escreveu, mas apenas Cervantes!

(Eu ri quando ele diz que o texto de Menard é "mais ambíguo, dirão seus detratores; mas a ambiguidade é uma riqueza." Seria uma indireta de Borges aos seus críticos? XD)

"Minha empresa não é essencialmente difícil", leio noutro lugar da carta. "Bastar-me-ia ser imortal para realizá-la."

Gostei desse trecho na primeira vez que li. De fato, uma tarefa muito trabalhosa, apenas os poucos anos de vida que temos não seriam suficentes. Mas depois me veio à cabeça: talvez ele precisasse ser imortal num outro sentido. Vários escritores são, de certo modo, imortais. O próprio Cervantes é um desses. Menard não se considera ao lado desses "Imortais da Literatura Universal" (minha edição do livro é da Abril XD). Ele inclusive rasgou mil páginas manuscritas. "Não permitiu a ninguém examiná-las e cuidou que não lhe sobrevivessem. Em vão, procurou reconstruí-las." Ele não se achava imortal e tentou impossibilitar com que outros o achassem. Porém, depois tentou mudar isso. Por quê?

Não há exercício intelectual que não resulte, ao fim, inútil. Uma doutrina filosófica é no princípio uma descrição verossímil do universo; os anos giram e é um simples capítulo -- quando não um parágrafo ou um nome -- da história da Filosofia. Na literatura, essa caducidade final é ainda mais notória. O Quixote -- disse-me Menard -- foi antes de tudo um livro agradável; agora é uma ocasião de brindes patrióticos, de soberba gramatical, de obscenas edições de luxo. A glória é uma incompreensão e talvez a pior.

Esse trecho foi o que eu mais gostei. Arrebatador mesmo. Vejo novamente a importância que ele dá a história na construção do pensamento humano (o que para mim é bastante claro, mas muitos autores desconsideram). A inutilidade no caso seria por se dedicar toda a vida a uma teoria, a um livro e então se tornar imortal. Mas essa imortalidade não passaria de um parágrafo ou um mero nome. No caso da literatura é ainda pior (talvez por existir uma produção literária mais intensa do que a filosófica e também pela subjetividade da literatura em comparação com a objetividade filosófica).

Wilde diz que toda obra de arte é inútil. O problema é que na nossa sociedade associamos "inútil" como algo ruim. Mas não creio que Borges tenha essa inutilidade como algo ruim. Já o "útil" está ligado com o consumo de bens materiais que gerem lucro. Foi uma das utilidades que deram aos clássicos: "obscenas edições de luxo".

--
O post já está ficando grande, vou esperar vocês agora para continuar.
 
Queria agradecer vocês por uma discussão tão rica, perdi o fio da meada e vou tentar retomar em breve, mas até onde li está incrível.
 
Kelvin disse:
Mavericco disse:
Mavericco disse:
Acreditam que exista alguma ligação entre a polícia de Sikar e os ladrões de Guzerat?

É possível que essa ligação se dê apenas num plano de vileza sem muitos aprofundamentos. Para o narrador (e seu factível reflexo, o ladrão da torre), os cavalos ligam-se com o aspecto vil das coisas, sendo assim, para ele, tanto a polícia de Sikar e os ladrões podem ser considerados como vis. Isso, no entanto, tem uma consequência talvez até um tanto quanto considerável, que é o de se tentar perceber até onde, mais ou menos, o narrador considerava como sendo vil em Bombain. Antes esse aspecto vil era abstrato, mas hoje nós temos uma ligação com cavalos. Será que existem outras ligações ao longo do texto? Será que esse narrador considerava todos em Bombain vis? Afinal de contas, essas pessoas de Bombain são reflexos dele, e por isso são abomináveis...
Mavericco disse:
E quem é essa malka-sansi? Uma alegoria? Do quê?
Mavericco, tive a impressão que a vileza nesse conto surgiu a partir do contato com o homem esquálido que estava urinando. Isso porque esse homem tem a profissão de ladrão e diz coisas vis. A menção aos parsees também parece não ser aleatória pois se vincula a rituais de purificação (narrados de forma exaustiva no Zend Avesta, s.m.j. no Vendidad, no Vispered ou em alguns dos Gathas). Mais, tive a impressão que ao conflito entre os hindus (os deuses=panteão hindu) e muçulmanos (o deus unitário=Alá), que levou os estudante ao contato com o homem vil insuflou nele uma visão maniqueísta (para os Parses o Universo se resume ao conflito entre Ahura Mazda vs Angra Manyu=bem vs mal=homem esquálido vs Malka Sansi), o que o levou a procurar Malka-sansi.

Mavericco disse:
Malka-sansi é uma mulher da classe dos ladrões. Logo, ela é vil. Logo, o narrador não gosta dela. Mas porque o nome desta mulher não sai de sua mente? Será que em algum momento ele saiu? Minha teoria é a de que a malka-sansi representa, obviamente, a mulher, mas não a mulher feminina, mas sim a mulher reprodutora. Esta malka-sansi é a alegoria de toda a vileza do mundo, visto que os espelhos bem como a cópula ou a paternidade são abomináveis, sendo assim, esta malka-sansi é a origem, o ponto inicial de todos esses aspectos abomináveis.

Pelo que entendi, a busca por Malka-sansi começou em decorrência do homem vil ter demonstrado rancor em relação aos ladrões de cavalo e a ela própria. Logo o herói foi buscar nela o que seria o bem (se o homem vil desferiu imprecações de ódio contra ela é porque ela corresponde ao oposto do homem vil (numa visão masdeísta=maniqueísta=parsee ela é o anti-homem vil). Se não me engano o contato com os mortos no Zend Avesta exige uma purificação (o Fargard n. VI do Vispered fala sobmente sobre isso). Note-se que a partir daí o estudante já não tem mais certeza se o mulçumano tem mais razão que o idólatra (hindu), o que o leva a buscar uma terceira via. Aí ele descobre a vileza e a partir daí, passa a refletir a vileza que recebeu após participar do conflito religioso.

Interessante isso da Malka-sansi como purificadora... :sim: Realmente, realmente...

Kelvin disse:
Mavericco disse:
Pois bem, você tem mãos e pés,
cabeça e artes inteiramente suas;
se posso encontrar prazer nas coisas,
isso por acaso as torna menos minhas?
Se eu posso comprar seis cavalos,
a força deles não se tornará minha?
Posso correr com eles, e ser um verdadeiro homem,
como se suas dúzias de patas fossem minhas. (1820-28)


A força dos cavalos é uma moeda de troca de poder, na sua essência, como afirma Mefistófeles. Você é o que você tem, você é o quanto você tem. Em o narrador como ladrão de cavalos, temos aqui um narrador que tenta ser mais do que ele é, que tenta, de forma mefistofélica, expandir seus limites e passar a ter a força de seis cavalos.

Mas o narrador não quer ter a força de seis cavalos. Ele quer mais do que isso. A aproximação deífica que Almostásim-Deus permite ao narrador é exatamente o que ele quer. Os seis cavalos que o narrador procurava transmutam-se na plenitude infinita dos cavalos que Almostásim poderia oferecê-lo. É porque Almostásim ou a malka-sansi são todos os cavalos do mundo, pois eles são a plenitude da alma... Ele quer encontrar prazer nas coisas e continuar fazendo com que essas coisas sejam suas...

A metáfora para o ladrão de cavalo é a metáfora daquela pessoa que tenta transcender sua existência de reflexo dum espelho ou de resultado duma cópula...

Sendo assim, talvez seja superficial o que o homem da torre tenha dito ao narrador sobre os ladrões de cavalos de Guzerat, sobre o fato deles serem vis... Ou será que não? Basta observarmos que os ladrões de cavalos de Guzerat roubam seis cavalos mas param por aí, ao contrário do narrador, que ao invés de seis, possui um desejo fáustico:

As sensações da espécie humana em peso,
quero-as eu dentro de mim; seus bens, seus males
mais atrozes, mais íntimos, se entranhem
aqui onde à vontade a mente minha
os abrace, os tateie; assim me torno
eu próprio a humanidade; e se ela ao cabo
perdida for, me perderei com ela. (1768-75)

Muito interessante essa tese ! Agora, outra referência, além da Sacred Fount é da mentepsicose. Não levantei as referências mas um tipo de mentepsicose encontra-se em Puschkin (livros - Eugene Oineguin - Cap. 1 - XLIV) e na entrevista do Borges. Não seriam todos aqueles que ele estava procurando exemplos de cavalos de quem ele estaria extraindo as forças (=idéias). Do homem vil ele extraiu a vileza. Agora, outra questão interessante é que
também a história de Almostasin se limita a versões. Será que o estudante de fato matou alguém ? Ou sua história também se limitou às aparências como em The Sacred Fount ?

Eu creio que essa pessoa que o estudante matou não vai aparecer nesse conto, mas em outro... Não sei ainda qual, mas vamos ver se descobrimos, né =p

(...) Quixote (...)

Brianstorm disse:
Dessa vez eu vou (tentar) dar o pontapé inicial.

Esse foi, até agora, o conto que eu mais gostei. Para começar vou apenas destacar algumas partes:

Também adorei esse conto!

Brianstorm disse:
Não queria compor outro Quixote -- o que é fácil -- mas o Quixote. Inútil acrescer que nunca visionou qualquer transcrição mecânica do original; não se propunha copiá-lo. Sua admirável ambição era produzir páginas que coincidissem -- palavra por palavra e linha por linha -- com as de Miguel de Cervantes.

O primeiro destaque é dizer que "é fácil" escrever outro Quixote. Existiram outros Quixotes na literatura?

Existiram ou existem? Ou será que o primeiro Quixote é um espelho de uma obra anterior, sei lá, não descoberta ainda? Se assim for, ele é abominável... Ou, fazendo a coisa ficar ainda mais wtf, será que o Quixote do Cervantes não é um espelho do Quixote do Menard? Mais pra frente, quando começarmos a bagunçar no tempo, vamos perceber que isso é perfeitamente possível...

Por fim... "Fácil"? O maior livro em prosa de todos os tempos? Sim. Fácil. É fácil porque o primeiro Quixote, hipoteticamente livro criado das entranhas do autor, era matéria inexistente até então... Retirar das trevas algo inexistente e transformá-lo em algo existente é trabalho fácil.

AKSAJKSJ

A partir de hoje esse é o nome de meu país. Simples, não? Retirei da inexistência.... Agora é claro que entram aí outros fatores como a forma que você dá a essa inexistência... Frankenstein deu uma forma horrenda à Criatura, e por isso ela é abominável até mesmo por seu criador, da mesma forma que o Deus de Milton é abominatório para com Satã e Adão. Cervantes, no entanto, personificação dum Deus bom, deu forma boa à inexistência que antes circundava sua mente, tanto é que hoje Dom Quixote ocupa o degrau mais alto da prosa de todo o mundo. Nenhum livro chega perto dele quando o assunto é prosa.

Menard, no entanto, possui um papel diferente do de Cervantes, que é o simples ato deífico de se criar algo do nada... Menard é a corporação fidalga (e quão engenhosa também!) do narrador, que procura Almostásim ou Tlon sem saber nada, apenas conhecendo sua existência... É porque Borges brinca com o escuro. Ele gosta de ver como Adão apalpou as trevas antes de conhecer a luz... A diferença aqui é que Menard apalpou no escuro à procura de uma luz forte, intensa, uma estrela que irradiava brilho e fulgor. Menard estava cego pela luz do Quixote, e a escuridão que toldava sua vista era a da árdua tarefa de recriar literalmente o Quixote. Era a de ser abominável com uma das obras mais límpidas da história...

Mas será que Cervantes não foi também? Claro que foi. Quixote é uma cópula múltipla dos romances cavalheirescos, e disso todos sabem, pois Cervantes expugna os mesmos no Prólogo. Ele caça cavaleiros como Amadis de Gaula com a mesma avidez que Menard caçava o rastro bemquisto de Quixote e Pança. Ele é o espelho inverso de Menard, pois é isso que toda e qualquer coisa passada é... Camões e Milton como espelhos inversos de Virgílio e este como de Teócrito e Hesíodo.

Brianstorm disse:
Mas o que mais intrigou foi a difícil tarefa que Pierre se propôs. E fiquei bastante encucado para saber como ele faria isso: não iria copiá-lo, mas produziria páginas que concidissem. Mais pra frente no conto, no único momento em que é citado um trecho do livro de Pierre em comparação com o de Cervantes ele é... exatamente igual! Porém, o autor do conto nos dá interpretações diferentes para o trecho. Se o que Cervantes escreveu no século XVII é "um mero elogio retórico da história", o que Pierre escreveu é uma ideia espantosa.

Ou seja, três séculos fizeram mudar a interpretação do trecho, mas não por uma nova interpretação de Cervantes (que não poderia capturar a mudança história que ocorreria no futuro) e sim por um novo autor (que poderia capturar essa mudança) tê-lo reescrito.

Até porque, Pierre não quis esquecer a história e ser Cervantes. Ele tentou chegar por ele mesmo. A história do mundo entre Cervantes e ele o influenciou bastante. "Não transcorreram em vão trezentos anos, carregados de complexíssimos fatos. Entre eles, para citar um apenas: o próprio Quixote."

Mas se a história o influenciou tanto, por que o livro é tão parecido? O narrador chega a dizer que vê a escrita de Menard até em trechos que ele não escreveu, mas apenas Cervantes!

(Eu ri quando ele diz que o texto de Menard é "mais ambíguo, dirão seus detratores; mas a ambiguidade é uma riqueza." Seria uma indireta de Borges aos seus críticos? XD)

Menard é o tlon de Cervantes. É o reflexo almostasiano de Cervantes... Isso parece, de fato, assustador, mas por mais que Menard tente ser Menard, ele sempre vai ser o reflexo maldito do grande Cervantes...

Brianstorm disse:
"Minha empresa não é essencialmente difícil", leio noutro lugar da carta. "Bastar-me-ia ser imortal para realizá-la."

Gostei desse trecho na primeira vez que li. De fato, uma tarefa muito trabalhosa, apenas os poucos anos de vida que temos não seriam suficentes. Mas depois me veio à cabeça: talvez ele precisasse ser imortal num outro sentido. Vários escritores são, de certo modo, imortais. O próprio Cervantes é um desses. Menard não se considera ao lado desses "Imortais da Literatura Universal" (minha edição do livro é da Abril XD). Ele inclusive rasgou mil páginas manuscritas. "Não permitiu a ninguém examiná-las e cuidou que não lhe sobrevivessem. Em vão, procurou reconstruí-las." Ele não se achava imortal e tentou impossibilitar com que outros o achassem. Porém, depois tentou mudar isso. Por quê?

Acho que ele percebeu, talvez por um reflexo ou algo assim, que conseguiria apenas sê-lo às custas de Cervantes... A "alegre fogueira" que ele fazia, quem sabe, tenha sido a prova disso...

Brianstorm disse:
Não há exercício intelectual que não resulte, ao fim, inútil. Uma doutrina filosófica é no princípio uma descrição verossímil do universo; os anos giram e é um simples capítulo -- quando não um parágrafo ou um nome -- da história da Filosofia. Na literatura, essa caducidade final é ainda mais notória. O Quixote -- disse-me Menard -- foi antes de tudo um livro agradável; agora é uma ocasião de brindes patrióticos, de soberba gramatical, de obscenas edições de luxo. A glória é uma incompreensão e talvez a pior.

Esse trecho foi o que eu mais gostei. Arrebatador mesmo. Vejo novamente a importância que ele dá a história na construção do pensamento humano (o que para mim é bastante claro, mas muitos autores desconsideram). A inutilidade no caso seria por se dedicar toda a vida a uma teoria, a um livro e então se tornar imortal. Mas essa imortalidade não passaria de um parágrafo ou um mero nome. No caso da literatura é ainda pior (talvez por existir uma produção literária mais intensa do que a filosófica e também pela subjetividade da literatura em comparação com a objetividade filosófica).

Wilde diz que toda obra de arte é inútil. O problema é que na nossa sociedade associamos "inútil" como algo ruim. Mas não creio que Borges tenha essa inutilidade como algo ruim. Já o "útil" está ligado com o consumo de bens materiais que gerem lucro. Foi uma das utilidades que deram aos clássicos: "obscenas edições de luxo".

Mas é claro que toda obra de arte é inútil... Pra quê escrever Dom Quixote se daqui há X séculos vão reescrevê-lo literalmente? A arte é um game of shifting mirrors, com a diferença desses espelhos atingirem apenas a burguesia e vez outra mostrarem-se fidedignos...
 
Brianstorm disse:
Mas o que mais intrigou foi a difícil tarefa que Pierre se propôs. E fiquei bastante encucado para saber como ele faria isso: não iria copiá-lo, mas produziria páginas que concidissem. Mais pra frente no conto, no único momento em que é citado um trecho do livro de Pierre em comparação com o de Cervantes ele é... exatamente igual! Porém, o autor do conto nos dá interpretações diferentes para o trecho. Se o que Cervantes escreveu no século XVII é "um mero elogio retórico da história", o que Pierre escreveu é uma ideia espantosa.

Ou seja, três séculos fizeram mudar a interpretação do trecho, mas não por uma nova interpretação de Cervantes (que não poderia capturar a mudança história que ocorreria no futuro) e sim por um novo autor (que poderia capturar essa mudança) tê-lo reescrito.

Olha, eu achei super bacana. Não sei se vcs tiveram a mesma sensação, mas quando eu li o trecho (idêntico) de Cervantes e Mainard, eu senti diferença :rofl: o significado do texto era diferente por que o interpretei sob óticas diferentes. Eu, que pouco me importava pra contexto histórico de obras e autores, percebi que isso, querendo ou não, é relevante pra compreender tudo em sua inteireza. Achei interessante (sim, caí na lábia do Borges), como contextos diferentes produziram um mesmo resultado em termos de significante, mas não de significado (Barthes, oi?).

Mavericco disse:
Existiram ou existem? Ou será que o primeiro Quixote é um espelho de uma obra anterior, sei lá, não descoberta ainda? Se assim for, ele é abominável... Ou, fazendo a coisa ficar ainda mais wtf, será que o Quixote do Cervantes não é um espelho do Quixote do Menard? Mais pra frente, quando começarmos a bagunçar no tempo, vamos perceber que isso é perfeitamente possível...

Nesse ponto eu interpretei diferente de vc, Mavericco. Acho que, pra relacionar esse conto com Tlön, o melhor seria abordar do ponto de vista do autor único (lembram? quem recita Shakespeare é Shakespeare, a personalidade complexa e por aí vai).

Até porque, Pierre não quis ser Cervantes no fim das contas. Ele tentou chegar ao Quixote por ele mesmo, mal explicando, como se uma entidade, zeitgeist ou qq coisa externa o pudessem conduzir a isso.

Esse conto, da primeira vez q li, me deixou ambígua, porque eu não sabia se ele era a ironia mais fina que eu já tinha lido na vida (Borges diz que Cervantes, devido a seu contexto, não tinha outra alternativa a não ser escrever o Quixote, não dava pra ser diferente daquilo.), ou se ele estava só pondo em prática conceitos filosóficos tlonianos e exaltando a obra.


"Minha empresa não é essencialmente difícil", leio noutro lugar da carta. "Bastar-me-ia ser imortal para realizá-la."

A glória é uma incompreensão e talvez a pior.
Adorei também. Esse trecho me deu margem à interpretação irônica. Mas mais tarde vim a saber q Borges era fanático pelo Quixote.

Wilde diz que toda obra de arte é inútil. O problema é que na nossa sociedade associamos "inútil" como algo ruim. Mas não creio que Borges tenha essa inutilidade como algo ruim. Já o "útil" está ligado com o consumo de bens materiais que gerem lucro. Foi uma das utilidades que deram aos clássicos: "obscenas edições de luxo".

De novo interpretei diferente. Não acho que o texto dê margem para esse tipo de inferência, ao menos não literalmente. Pra mim, a inutilidade é no sentido vão desde o momento em que ele queimava tudo. Se fosse útil, porque haveria de queimar tudo?

Mudando o assunto, e aquela bibliografia dele? No prólogo diz que é importante pra entender o desenvolvimento da consciência dele. Vcs viram essa bibliografia influenciar o Quixote dele em algum ponto específico? Qual?
 
Manu M. disse:
Brianstorm disse:
Mas o que mais intrigou foi a difícil tarefa que Pierre se propôs. E fiquei bastante encucado para saber como ele faria isso: não iria copiá-lo, mas produziria páginas que concidissem. Mais pra frente no conto, no único momento em que é citado um trecho do livro de Pierre em comparação com o de Cervantes ele é... exatamente igual! Porém, o autor do conto nos dá interpretações diferentes para o trecho. Se o que Cervantes escreveu no século XVII é "um mero elogio retórico da história", o que Pierre escreveu é uma ideia espantosa.

Ou seja, três séculos fizeram mudar a interpretação do trecho, mas não por uma nova interpretação de Cervantes (que não poderia capturar a mudança história que ocorreria no futuro) e sim por um novo autor (que poderia capturar essa mudança) tê-lo reescrito.

Olha, eu achei super bacana. Não sei se vcs tiveram a mesma sensação, mas quando eu li o trecho (idêntico) de Cervantes e Mainard, eu senti diferença :rofl: o significado do texto era diferente por que o interpretei sob óticas diferentes. Eu, que pouco me importava pra contexto histórico de obras e autores, percebi que isso, querendo ou não, é relevante pra compreender tudo em sua inteireza. Achei interessante (sim, caí na lábia do Borges), como contextos diferentes produziram um mesmo resultado em termos de significante, mas não de significado (Barthes, oi?).

Eu li procurando a diferença... Cheguei a ler umas vinte vezes achando que tinha uma vírgula escondida =p

Manu M. disse:
Mavericco' disse:
Existiram ou existem? Ou será que o primeiro Quixote é um espelho de uma obra anterior, sei lá, não descoberta ainda? Se assim for, ele é abominável... Ou, fazendo a coisa ficar ainda mais wtf, será que o Quixote do Cervantes não é um espelho do Quixote do Menard? Mais pra frente, quando começarmos a bagunçar no tempo, vamos perceber que isso é perfeitamente possível...

Nesse ponto eu interpretei diferente de vc, Mavericco. Acho que, pra relacionar esse conto com Tlön, o melhor seria abordar do ponto de vista do autor único (lembram? quem recita Shakespeare é Shakespeare, a personalidade complexa e por aí vai).

Até porque, Pierre não quis ser Cervantes no fim das contas. Ele tentou chegar ao Quixote por ele mesmo, mal explicando, como se uma entidade, zeitgeist ou qq coisa externa o pudessem conduzir a isso.

Esse conto, da primeira vez q li, me deixou ambígua, porque eu não sabia se ele era a ironia mais fina que eu já tinha lido na vida (Borges diz que Cervantes, devido a seu contexto, não tinha outra alternativa a não ser escrever o Quixote, não dava pra ser diferente daquilo.), ou se ele estava só pondo em prática conceitos filosóficos tlonianos e exaltando a obra.

Também pensei nisso da ironia... E nçao tinha pensado nessa coisa do Shakespeare... Realmente, realmente :hum: ....... Faz sentido. Se todos são Cervantes... Então... Ser Menárd quando na verdade se é Cervantes... Isso deixa a coisa muito mais difícil!


[quote='Manu M.]De novo interpretei diferente. Não acho que o texto dê margem para esse tipo de inferência, ao menos não literalmente. Pra mim, a inutilidade é no sentido vão desde o momento em que ele queimava tudo. Se fosse útil, porque haveria de queimar tudo? [/quote]

Ele queimou tudo pois não achou que estava sendo Menárd ou porque não achou que estava bom, ué...

Manu M. disse:
Mudando o assunto, e aquela bibliografia dele? No prólogo diz que é importante pra entender o desenvolvimento da consciência dele. Vcs viram essa bibliografia influenciar o Quixote dele em algum ponto específico? Qual?

Depois do trabalho eu coloco minhas impressões (digitais) sobre a bibliografia... Que, evidentemente, são pistas...
 
Mavericco disse:
Menard é o tlon de Cervantes. É o reflexo almostasiano de Cervantes... Isso parece, de fato, assustador, mas por mais que Menard tente ser Menard, ele sempre vai ser o reflexo maldito do grande Cervantes...
E como seria se esse conto viesse antes, fosse o primeiro do livro? XD

Mavericco disse:
Acho que ele percebeu, talvez por um reflexo ou algo assim, que conseguiria apenas sê-lo às custas de Cervantes... A "alegre fogueira" que ele fazia, quem sabe, tenha sido a prova disso...
Concordo.

Mavericco disse:
Mas é claro que toda obra de arte é inútil... Pra quê escrever Dom Quixote se daqui há X séculos vão reescrevê-lo literalmente? A arte é um game of shifting mirrors, com a diferença desses espelhos atingirem apenas a burguesia e vez outra mostrarem-se fidedignos...
Mas ele irá durar X séculos. O que o homem faz que dura tudo isso? Então tudo é inútil, melhor não fazer nada (estou lembrando do Schopenhauer :rofl:).

A arte não atinge apenas a burguesia, porém concordo que seja algo elitizado.
 
Manu M. disse:
De novo interpretei diferente. Não acho que o texto dê margem para esse tipo de inferência, ao menos não literalmente. Pra mim, a inutilidade é no sentido vão desde o momento em que ele queimava tudo. Se fosse útil, porque haveria de queimar tudo?

Mudando o assunto, e aquela bibliografia dele? No prólogo diz que é importante pra entender o desenvolvimento da consciência dele. Vcs viram essa bibliografia influenciar o Quixote dele em algum ponto específico? Qual?
Eu acho que não entendi o que você quis dizer. Você acha que a inutilidade foi só no momento que ele queimou tudo? Se for, discordo. Aquele trecho lá fala dos livros em geral, da história da filosofia, da grande literatura se transformando em apenas edições de luxo...

(concordo com a justificativa do Mavericco para ele ter queimado)

Quanto à bibliografia, quando eu li me passou desapercebido. Não vi tanta conexão. Terei que reler... :timido:
 
O tempo aqui tá corrido e eu quase não contribui pro tópico, mas enfim, só vim aqui avisar que não estou com meu livro em mãos pra ler o conto... porém devo ler e postar minhas impressões hoje à noite ou amanhã. =)
 
Como as citações estão muito grandes não vai dar para respondê-las uma a uma. Aí vão minhas primeiras impressões. A referência a Don Quixote, obra em que o mundo fictício interfere no mundo real não é aleatória (Quixote fica louco ao ler livros ficcionais de Cavalaria= mais um exemplo do mundo fictício interferindo no mundo real) e parece refletir os demais contos anteriores na forma narrada pela Manu em post anterior (espelhos). Acho que a 4ª interpretação sobre o diálogo entre as Armas e as letras é a que melhor condiz com o conto. Nela é dito:

"A essa terceira interpretação (que acho irrefutável) não sei se me atreverei a adicionar uma quarta, que condiz com a quase divina modéstia de Pierre menard: seu hábito resignado ou irônico de propagar idéias que eram o estrito reverso das preferidas por ele".

Durante todo o conto, Borges (=Menard) defende idéias que não condizem de forma alguma com sua biografia como "não há exercício intelectual que não resulte inútil" (isso soa estranho vindo de alguém que leu todas as obras de filosofia do seu tempo) ou "o quixote é um livro contingente, o Quixote é desnecessário" (Borges era fã do Quixote). Aliás, o item "p" da biografia parece ressoar essa idéia.

Outro ponto que achei interessante é que as obras de Menard tem inúmeras referências a obras de que Borges gostava (p. ex.: Borges possui um artigo sobre a máquina de pensar de Ramón Llull "f", Borges possui ensaios sobre o problema de Aquiles e da Tartaruga "m").

Quanto a pergunta do Brian se existiriam outros Quixotes na literatura consigo me lembrar dos seguintes: a) o Quixote apócrifo (extremamente criticado pelo "Cavaleiro da Triste Figura" na segunda parte do livro Don Quixote de Cervantes), b) Emma Bovary (=um reflexo distorcido do Quixote de Cervantes que também enlouquece por ler livros de ficção e querer viver na vida real o que acontece nos livros de ficção); c) o Don Quixote de Strauss; d) o livro Don Quixote e Sancho de Unamuno que inclusive parece ser criticado no presente conto (como não li o livro de Unamuno não dá pra ter certeza se de fato há crítica). No mais, muito interessantes os últimos comentários do Brian, Manu e Mavericco.
 
Preciso me retificar. Reli o conto agora a tarde e vi que eu tinha lido errado. O que Menard queimou foi os rascunhos, não o Quixote dele, desculpe. Retiro o que eu disse sobre a inutilidade e cia.

Mas...
Tive um outro insight. Acho que Borges não estava só sendo irônico, não. Sabe o item "p" da bibliografia de Menard, que é "o reverso exato de sua verdadeira opinião sobre Válery"? Acho que o que Borges faz nesse conto é o mesmo. Ele "desdenha" do D. Quixote justamente por sua opinião sobre ele ser o oposto. É o causo do autor que desfigura os acontecimentos, etc. Acho que assim faz mais sentido, né? rs.

Outra coisa que eu queria destacar, aprofundando um pouco o que eu disse antes, é que Borges brinca com essa coisa de significante/significado (faz sentido, já que o Menard era um simbolista), e achei isso o máximo. É mais ou menos o que o lindo do Kundera faz em A insustentável leveza do ser, ao criar o "pequeno léxico de palavras incompreendidas" (e grande parte da obra do Kundera gira em torno desse tema): como uma mesma coisa tem um significado para um e outro significado absurdamente diferente para o outro.

O próprio Borges já antecipa alguns desdobramentos para esse viés (fiquei tão empolgada que até fiz um desenho):

attachment.php


acho que esses desdobramentos dão mil coisas a que pensar, né?

Diante disso, fiquei pensando que o assunto principal do conto é mesmo esse doctor universalis, e que ele faz com que a genialidade individual, a glória pessoal, seja um equívoco. Como aparece nos parágrafos finais:

(...) recordar com ingênua estupefação o que o doctor universalis pensou, é confessar nossa fraqueza de espírito ou a nossa barbárie. Todo o homem tem de ser capaz de todas as ideias e entendo que no porvir será.

(Será que ele já imaginava a wikiculture? hihihi)
Não deixa de ser um cometário refinadamente ácido. Esse cara é um gênio, putz grila.
 
(Que maldade! Há tempo venho reparando que esse tópico sobre "Ficções" estava muito popular, crescendo muito em páginas, mas acabava sempre postergando abrí-lo por falta de tempo, porque certamente acabaria envolvido... Também havia achado muito estranho o comentário do Mavericco na reputação do Kelvin, que sugeria serem companheiros em um Clube Secreto... Clube Secreto, como assim?? Cheguei a digitar no Google: "clube secreto meia", mas desta vez não me serviu o Óraculo... Só agora há pouco finalmente descobri porque os convidados tinham desaparecido para o quarto dos fundos e, tendo descoberto o segredo, não resta outra opção que ser incorporado a ele! ^_^ )

(Uma outra curiosidade antes de começar: meu "Ficciones", de uma edição espanhola vendida nos EUA, não tem esse segundo conto! Esse chamado alguma coisa Almotasin... Agora imaginem, com toda essa paranoia que o Borges cria em torno da autenticidade e realidade das coisas, descobrir que o seu livro falta um conto... Não, melhor nem pensar nisso...)

Sobre o Menard, fiquei meio incerto sobre a interpretação de algumas pessoas, então, para ficar claro: não tenho dúvidas de que o Quixote escrito pelo Menard é feito exatamente pelas mesma palavras que o Quixote original. Não só aquele trecho citado, mas tudo que foi feito pelo Menard, ou seja, os capítulos nove e trigésimo oitavo da primeira parte de D. Quixote e um fragmento do capítulo vinte e dois, pareceriam uma simples cópia a quem lesse. Isso sem considerar o contexto. Como estava dizendo a Manu, com a ilustração desse quadro excelente, o que Borges nos faz ver é que duas coisas escritas com as mesmas palavras podem não ser a mesma coisa...

Assim, entendo a ideia de que seria fácil escrever outro Quixote como se referindo a algo que fosse livremente inspirado no Quixote original. Como alguém que, terminando de ler o livro, se dispusesse a reescrevê-lo, de memória. Ou usar o personagem em novas cenas, novas circunstâncias. Já escrever exatamente "D. Quixote", isso é mesmo uma tarefa hercúlea, tanto que leva Menard a assumir, numa primeira abordagem, um programa de se transformar em Cervantes (mas isso seria a abordagem mais fácil e por isso é descartada).

Com isso fica mais clara também a afirmação de que seria necessário ser "imortal". Vejam que, no tempo de sua vida, Menard só conseguiu atingir dois capítulos e pouco...

Kelvin disse:
"A essa terceira interpretação (que acho irrefutável) não sei se me atreverei a adicionar uma quarta, que condiz com a quase divina modéstia de Pierre menard: seu hábito resignado ou irônico de propagar idéias que eram o estrito reverso das preferidas por ele".

Durante todo o conto, Borges (=Menard) defende idéias que não condizem de forma alguma com sua biografia como "não há exercício intelectual que não resulte inútil" (isso soa estranho vindo de alguém que leu todas as obras de filosofia do seu tempo) ou "o quixote é um livro contingente, o Quixote é desnecessário" (Borges era fã do Quixote). Aliás, o item "p" da biografia parece ressoar essa idéia.

Achei muito bom esse comentário do Kelvin. Realmente isso ajuda a entender aquilo que a Manu perguntou antes, sobre a importância da bibliografia vísivel do Menard para a compreensão do texto. A própria bibliografia está cheia de momentos em que o Menard se volta contra si mesmo, como no item "e", em que ele propõe e logo nega uma modificação nas regras do xadrez.

***

Não sei, acho que se ele queimou os rascunhos é porque isso era necessáro dentro da concepção de trabalho dele. Tipo, considerem que os rascunhos sobrevivessem: lado a lado ao Quixote de Menard, eles seriam algo que não era o Quixote original, o que por sua vez invalidaria todo o trabalho. Para que restassem rascunhos do Quixote de Menard, só se fosse possível fazê-los idênticos as rascunho do "Quixote"... :sacou:
 
Continuo devendo a bibliografia.. Vamos ver nesse fim de semana, certo, Robin?
Certo, Batman.

Brianstorm disse:
Mavericco disse:
Menard é o tlon de Cervantes. É o reflexo almostasiano de Cervantes... Isso parece, de fato, assustador, mas por mais que Menard tente ser Menard, ele sempre vai ser o reflexo maldito do grande Cervantes...
E como seria se esse conto viesse antes, fosse o primeiro do livro? XD

Pergunta maléfica a sua, rapaz... Vou pegar seu lenço e assoar meu nariz quando estivermos em cima de uma torre em Dublin.

Enfim. Vamos lá, então.

O que sabemos?
  • Um ser humano pode reescrever uma obra literalmente X anos depois;
  • A leitura de algo é influenciada pelo tempo em questão;
  • Toda forma de arte é inútil;
  • A genialidade individual é um equívoco;

Menard -> Tlon

Quem, afinal de contas, criou Tlon? Foi mesmo o Orbis Tertius? Ou ela foi uma recriaão? Borges dá a entender que a Rosa Cruz talvez tenha sido um desdobramento disto, mas será que o Orbis Tertius não existiu no passado? Será ele uma recriação literal de algo?

Provavelmente, sim. É possível que no passado tenha existido essa mesma sociedade, e porque não pensar nesse mesmo narrador conjecturando sobre a abominação dos espelhos ou da paternidade? Uma probabilidade pode até mesmo apontar essa dualidade dizendo que nesse primeiro Orbis Tertius, apenas a paternidade era abominável, mas com o passar dos anos, essa primeira sociedade deu luz a uma segunda (abominável, por natureza) que passou a considerar a paternidade e o espelho como sendo abomináveis... Mas, se ela é abominável em sua natureza, o que se pode acreditar dela?

Pode-se, realmente, depreender algo? Esse segundo Tlon, espelho dum segundo factível, é uma recriação literal, mas com efeitos diferenciados... E é aí que mora o perigo, senhoras e senhores. Até que ponto podemos confiar no narrador? As opiniões dele acerca de Tlon podem muito bem ser deturpadas... Ele pode dizer que não existia a contagem numérica definida em Tlon mas isso pode ter sido uma interpretação dele para com essa segunda versão da Enciclopédia... É possíve que um narrador antigo, que tenha analisado o primeiro Tlon, não tenha chegado a essa conjectura...

Mas, se considerarmos que existiu apenas um Orbis Tertius, e não dois, ainda podemos seguir raciocínio? Claro que podemos. Vamos imaginar esse OT como uma barra de ferro. No começo, o começo, é óbvio. Esse começo, no entanto, foi sendo recriado literalmente por seus sucessores... OT, sendo assim, foi recriado literalmente "n" vezes ao longo dos anos.

Mas porque toda essa recriação literal? Isso só vai encontrar resposta no final do conto, onde nós vemos Tlon dissolver o mundo real. Mas será que ele ainda vai dissolver? Ele já dissolveu. A recriação literal de Tlon pode ser vista como uma forma de se manter a fogueira alegre viva, fazendo com que as análises de Tlon multipliquem-se e não se prendam no que dantes fora concebido...

A genialidade individual apenas reforça a teoria de que Tlon não foi desenvolvido por apenas uma pessoa.

A inutilidade da arte talvez seja um reforço para a minha ideia da justificação da recriagem literal de Tlon ao longo dos anos... É tão inútil que se não fosse essa recriação, teria morrido!

Menard -> Almostásim

A Aproximação a Almostásim é a recriação literária de qual obra, sendo assim? The Sacred Fount vem em minha mente. Postei um tempo atrás sobre isso e sobre o que é o livro, mas o que fica interessante ressaltar aqui é onde se diferem os textos, ambos iguais. Apenas no fator temporal? Acho pouco. É preciso que analisemos o fator geográfico, onde Almostásim é o primeiro livro policial de Bombaim... Sendo assim, a dualidade geográfica-temporal é determiante para a compreensão da obra, e me pergunto se no conto de Menard a geografia territorial não foi também determinante: afinal de contas, a terra de Cervantes difere da terra de Menard bem como todo o campo físico que os cerca...

É importante também ressaltarmos aqui outra faceta interessante: Almostásim teve duas versões: a princeps e a que o comentarista tem em mãos. Esta última é prefaciada por Dorothy Sayers... Mas.. Será que ela fez apenas o prefácio? São duas obras diferentes por natureza, mas creio ser válido pensarmos se Sayers, eventualmente não reescreveu literalmente a editio princeps de Almostásim, adicionando suas visões de mundo religiosas -- visto que ela traduziu a Divina Comédia, poema cristão (quer dizer, pelo menos a crítica clássica o diz) por natureza...

Já a genialidade de Almostásim pode sair muito bem do campo "autor-da-obra" e alcançar o ponto do enredo. Almostásim é o doctor universalis do texto. Mas será que ele é mesmo este tal? Manu, mais abaixo, fala de Jorge que diz que aceitar o doctor universalis é confessar nossa fraqueza de espírito ou a nossa barbárie... Sendo assim, acreditar em Almostásim é aceitar a fraqueza de espírito e a barbárie?

Cai como uma luva. O narrador do livro é fraco de espírito, tanto que procura por Almostásim, simbolizado por uma figura divina... Isso sem contar na "barbárie" que o narrador fez ao assassinar um hindu ou um muçulmano ou ao simplesmente matar a fraqueza de seu espírito, a ponto de procurar um Deus ou qause isso -- coisa inconcebível antes...

Menard -> Tlon -> Almostásim

Temos aqui um Tlon que precisa ser recriado literalmente de tempos em tempos pois é fraco, pois não é um doctor universalis, pois precisa das releituras temporais para existir.

Passamos dessa atmosfera propícia para uma narração de perseguição aos moldes policiais, onde um narrador procura um homem simbolicamente tido como Deus. Podemos retirar algumas coisas dessas conjecturas.

A primeira é a da renovação literal afim de se alcançar uma pujança, digamos, subsistente. O narrador precisa se renovar, ou se purificar (com bosta de búfalo?), para alcançar a plenitude espiritual, ou ao mesmo almejar ser um doctor universalis. Mas ele precisa recriar-se literalmente tendo como molde quem? Em uma hipótese, ele não sabe e está à procura de Almostásim. A primeira parte do livro, que compreende a primeira viagem, quando ele "mata" o hindu-muçulmano e encontra o ladrão, ele percebe sua vileza e tenta fortalecer seu espírito de várias formas; mas é apenas com o primeiro reflexo que ele encontra seu objetivo principal, que é o de encontrar Almostásim. Na segunda hipótese, ele já sabe quem é Almostásim e procura por ele desde sempre, mas enquanto no começo tenta procurar Almostásim sendo ele mesmo, logo depois ele passa a procurar Almostásim sendo Almostásim -- e daí o reconhecimento dos reflexos almostasianos nas pessoas.

A segunda parte está nas conjecturas acerca da originalidade da figura de Almostásim. Sabemos que ele não é original, que ele é provavelmente uma recriação literal de algo, assim como o narrador é sua recriação literal. Mas de quem Almostásim seria uma recriação?

O parente santo de Almostásim parece jogar uma luz no assunto, mas para por aí. Talvez com outros contos aprofundemos mais nestas conjecturas...

Penso, aqui, numa rede de recriações, ou de hronirs, que segue o infinito ou uma tabela finita extensa. Muito bem. Sabemos que a ordem dos hronirs de hronirs pode modificar seu estado (ver mais abaixo no post), e isso pode dar algumas luzes interessantes... Afinal de contas, alguns hronirs de X graus podem ser tanto abomináveis ao extremo bem como normais ou até mesmo uma pureza...

Essa questão da pureza, por sua vez, leva-me a perguntar-me se a purificação do narrador não estaria relacionada com este fator: se o narrador for um hron de nono grau (ou múltiplo), então ele estaria purificando-se... Mas isso cairia novamente nas conjecturas de "antepassados", que por enquanto é por demais nebulosa.

Menard -> Almostásim -> Tlon

Almostásim fala da fraqueza de espírito e da barbárie, fala de fatores temporais-geográficos, fala de recriações literais tendidas à religiosidade, relaciona-se com buscas superficiais (como em The Sacred Fount).

Vamos começar com a religiosidade. Se Tlon é uma recriação de algo, então, porque não imaginar que é uma recriação tendida a um aspecto religioso, como a hipotética recriação de Dorothy Sayers? Isso cairia como uma bomba no texto de Tlon, pois no texto os comentários acerca da religião limitam-se em:

Na seção histórica (página 920) soubemos que, por causa das perseguições religiosas do século XIII, os ortodoxos buscaram amparo nas ilhas, onde ainda perduram seus obeliscos e onde não é raro exumar seus espelhos de pedra.
(...)
Sua linguagem e as derivações de sua linguagem - a religião, as letras, a metafísica - pressupõem o idealismo.
(...)
Esses cones e muito pesados (feitos de um metal que não é deste mundo) são imagem da divindade, em certas religiões de Tlön.
(...)
Essa conjetura feliz afirmava que há um só sujeito, que esse sujeito indivizível é cada um dos seres do universo e que estes são os órgãos e máscaras da divindade. X é Y e é Z. Z decobre três moedas, porque se lembra que X as perdeu; X encontra duas moedas no corredor porque se lembra que foram recuperadas as outras... O décimo primeiro volume deixa entender que três razões capitais determinaram a vitória total desse panteísmo idealista (...) a terceira a possibilidade de conservar o culto dos deuses.
(...)
Deixar-lhes-á suas cordilheiras auríferas, seus rios navegáveis, suas várzeas pisadas pelo touro e pelo bizão, seus negros, seus prostíbulos e seus dólares, sob uma condição: "a obra não pactuará com o impostor Jesus Cristo". Buckley não acredita em Deus mas quer demonstrar ao Deus não existente que os homens mortais são capazes de conceber o mundo.


Vamos por partes, como diria Jack Estripador.

Os espelhos de pedra como forma de adoração aos deuses é uma abominação em relação à religião tloniana, o que soa um tanto quanto paradoxal... Uma recriação errônea? Pode ser que esse recriador de Tlon, ao considerar aspectos religiosos, os fez para com sua época, pois foi influenciado pelo tempo-geografia, e por isso distorceu a ideia...

A religião pressupondo o idealismo. A busca por Almostásim é ideal assim como a recriação menardiana também o é. Seriam estes, então, protótipos tlonianos? O fato é que esse idealismo anularia a possível abominação para com a recriação religiosa de Tlon, pois que esta teria um propósito ideal da recriação literal, logo, não constitui erro.

Os cones pesados não nos dizem nada por enquanto... Podem possuir alguma relação com a geometria tloniana, que fala da superfície... A superfície de um cone é um setor circular... Um setor circular é uma parte de um círculo que remete a um quantitativo em graus. Esse quantitativo é inexistente e abominável em Tlon, sendo que um setor circular é marcado com imprecisão... Seriam, então, as divindades de Tlon parciais ou imprecisas? A recriação literal de Tlon tendida à religiosidade ganha uma prova concreta de sua imprecisão...

A hipótese das moedas determina a teoria de Deus a partir da unidade. Almostásim é unidade com o narrador bem como Menard é com Cervantes. Talvez sem muitas dificuldades, mas talvez ressaltando que se uma divindade é unidade com um humano qualquer (X, Y ou Z), uma recriação tendida à religiosidade mostrar-se-ia inútil.

Se não se acredita em Cristo... Não parece estranho uma recriação literária que tenda à religiosidade? Não falo do cristianismo, mas este pode ser uma opção... Acima nós falamos da unidade, onde Amostásim, Deus, Cristo, Budda, whatever, é unidade com o narrador do texto em questão. Sendo assim, como Buckley não quer Cristo em Tlon se o mesmo é unidade com todo ser vivo em Tlon? Buckley queria, afinal Tlon povoado? Ou ele queria Tlon?

Bem... A fraqueza de espírito pode indicar uma explicação à criação de Tlon, mui bem observada se relermos a frase a seguir pensando que os criadores de Tlon estavam "fracos" e "cansados":

Buckley não acredita em Deus mas quer demonstrar ao Deus não existente que os homens mortais são capazes de conceber o mundo.

A barbárie pode remeter a talvez alguma guerra (uma guerra espelhada, segundo a concepção Menardiana, e não militaresca, segundo a concepção Cervantiana?) ou à barbárie de se criar um mundo que vai dissolver o nosso.

As buscas superficiais, a meu ver, encaixa-se com a geometria e a concepção espacial de Tlon... Mas também se encaixa com a óbvia criação de Tlon a partir de modelos pré-existentes na Terra... Afinal de contas, Tlon não é um doctor universalis, e não existe genialidade pessoal e etc.

Por fim, gostaria de salientar isso, no conto Tlon:

Lemos, por exemplo que as terras baixas de Tsai Jaldun e o Delta do Axa definem a fronteira do Sul, e que nas ilhas desse delta procriam os cavalos selvagens.

Esses cavalos tem alguma relação com os ladrões de cavalo de Almostásim? Ou eles se relacionam, de alguma forma, com o Roncinante quixotesco?

Brianstorm disse:
Mavericco disse:
Acho que ele percebeu, talvez por um reflexo ou algo assim, que conseguiria apenas sê-lo às custas de Cervantes... A "alegre fogueira" que ele fazia, quem sabe, tenha sido a prova disso...
Concordo.

Mavericco disse:
Mas é claro que toda obra de arte é inútil... Pra quê escrever Dom Quixote se daqui há X séculos vão reescrevê-lo literalmente? A arte é um game of shifting mirrors, com a diferença desses espelhos atingirem apenas a burguesia e vez outra mostrarem-se fidedignos...
Mas ele irá durar X séculos. O que o homem faz que dura tudo isso? Então tudo é inútil, melhor não fazer nada (estou lembrando do Schopenhauer :rofl:).

A arte não atinge apenas a burguesia, porém concordo que seja algo elitizado.

É, é... Bem lembrado essa dele durar X séculos... Quer dizer... Isso é apenas uma probabilidade. O universo pode muito bem ser eterno... A teoria das cordas mesmo diz que um big bang pode acontecer (ou estar acontecendo num ponto longínquo) e o universo recomeçar do zero...

Mesmo porque, o tempo não existe no universo, lembra?

Mencionei que os homens desse planeta concebem o universo como uma série de processos mentais que não se desenvolvem no espaço, mas de modo sucessivo no tempo.

Universo é espaço, e não tempo. Ao mesmo tempo que aqui Cervantes escreve Quixote, simetricamente Menard também o faz. Se esse universo for finito, temos um numero X de Quixotes simultâneos... Mas e se ele for infinito? Aí já viu, né... Vai ter sacanagem.

Kelvin disse:
Como as citações estão muito grandes não vai dar para respondê-las uma a uma. Aí vão minhas primeiras impressões. A referência a Don Quixote, obra em que o mundo fictício interfere no mundo real não é aleatória (Quixote fica louco ao ler livros ficcionais de Cavalaria= mais um exemplo do mundo fictício interferindo no mundo real) e parece refletir os demais contos anteriores na forma narrada pela Manu em post anterior (espelhos). Acho que a 4ª interpretação sobre o diálogo entre as Armas e as letras é a que melhor condiz com o conto. Nela é dito:

Bem lembrado essa da loucura do Quixote...

Kelvin disse:
"A essa terceira interpretação (que acho irrefutável) não sei se me atreverei a adicionar uma quarta, que condiz com a quase divina modéstia de Pierre menard: seu hábito resignado ou irônico de propagar idéias que eram o estrito reverso das preferidas por ele".

Durante todo o conto, Borges (=Menard) defende idéias que não condizem de forma alguma com sua biografia como "não há exercício intelectual que não resulte inútil" (isso soa estranho vindo de alguém que leu todas as obras de filosofia do seu tempo) ou "o quixote é um livro contingente, o Quixote é desnecessário" (Borges era fã do Quixote). Aliás, o item "p" da biografia parece ressoar essa idéia.

Será que ao propagar ideias que eram contra sua índole ele não estava tentando ser menos abominável? Ou será que ele tentava ser menos Menard? Ou mais Menard?

Kelvin disse:
Quanto a pergunta do Brian se existiriam outros Quixotes na literatura consigo me lembrar dos seguintes: a) o Quixote apócrifo (extremamente criticado pelo "Cavaleiro da Triste Figura" na segunda parte do livro Don Quixote de Cervantes), b) Emma Bovary (=um reflexo distorcido do Quixote de Cervantes que também enlouquece por ler livros de ficção e querer viver na vida real o que acontece nos livros de ficção); c) o Don Quixote de Strauss; d) o livro Don Quixote e Sancho de Unamuno que inclusive parece ser criticado no presente conto (como não li o livro de Unamuno não dá pra ter certeza se de fato há crítica). No mais, muito interessantes os últimos comentários do Brian, Manu e Mavericco.

Mais uma vez, muito bem lembrado o livro apócrifo do Quixote! Eu inclusive expando: a segunda parte do Dom Quixote só foi possível graças ao Livro Apócrifo... É como se o Cervantes tivesse tentando reescrever o Livro APócrifo mas não sendo o autor do livro apócrifo, mas sim Cervantes... Ou mais ainda:

O primeiro Quixote é o objeto. O apócrifo é a imagem, logo, é abominável. O segundo Quixote, espelho do apócrifo, anula toda a sentença, logo, não é abominável...

E digo mais ainda:

O apócrifo é o hron do primeiro Quixote. O segundo Quixote é o hron do apócrifo ou o hron do hron do primeiro.

Vamos relembrar o que Borges nos fala sobre sequências de hronirs?

Até há pouco os hrönir eram filhos fortuitos da distração e do esquecimento.
(...)
Fato curioso: os hrönir de segundo e de terceiro grau - os hrönir derivados de outro hrön, os hrönir do hrön de um hrön - exageram as aberrações do inicial; os de quinto são quase uniformes; os de nono confundem-se com o de segundo; nos de décimo-primeiro, há uma pureza de linhas que os originais não têm. O processo é periódico: o hrön de décimo-segundo grau já começa a decair.


Sendo assim, tanto a segunda parte quanto o apócrifo aberram o primeiro...

Manu M. disse:
Mas...
Tive um outro insight. Acho que Borges não estava só sendo irônico, não. Sabe o item "p" da bibliografia de Menard, que é "o reverso exato de sua verdadeira opinião sobre Válery"? Acho que o que Borges faz nesse conto é o mesmo. Ele "desdenha" do D. Quixote justamente por sua opinião sobre ele ser o oposto. É o causo do autor que desfigura os acontecimentos, etc. Acho que assim faz mais sentido, né? rs.

Realmente, bem pensado...

Manu M. disse:
Outra coisa que eu queria destacar, aprofundando um pouco o que eu disse antes, é que Borges brinca com essa coisa de significante/significado (faz sentido, já que o Menard era um simbolista), e achei isso o máximo. É mais ou menos o que o lindo do Kundera faz em A insustentável leveza do ser, ao criar o "pequeno léxico de palavras incompreendidas" (e grande parte da obra do Kundera gira em torno desse tema): como uma mesma coisa tem um significado para um e outro significado absurdamente diferente para o outro.

O próprio Borges já antecipa alguns desdobramentos para esse viés (fiquei tão empolgada que até fiz um desenho):

attachment.php


acho que esses desdobramentos dão mil coisas a que pensar, né?

Excelente tabela!

Manu M. disse:
Diante disso, fiquei pensando que o assunto principal do conto é mesmo esse doctor universalis, e que ele faz com que a genialidade individual, a glória pessoal, seja um equívoco. Como aparece nos parágrafos finais:

(...) recordar com ingênua estupefação o que o doctor universalis pensou, é confessar nossa fraqueza de espírito ou a nossa barbárie. Todo o homem tem de ser capaz de todas as ideias e entendo que no porvir será.

(Será que ele já imaginava a wikiculture? hihihi)
Não deixa de ser um cometário refinadamente ácido. Esse cara é um gênio, putz grila.

Apenas corrijo: Borges tornou-se gênio. Ele era quase cego assim como Milton ou Joyce mas enfiava a cara nos livros e lia pra caramba... Tenho certeza que ele está orgulhoso do nosso clube clandestino, em cima de uma torre sendo purificado com bosta de búfalo *-*

Mas...Porque a glória pessoal é um equívoco?

Ontem eu descobri que a Divina Comédia não é tão original quanto eu imaginava =D... Legal, né? Descobri que a Al-Isrá, do Alcorão, é o puro e íntegro molde da Divina Comédia, com direito a viagens infernais (que Virgílio mesmo já fazia) acompanhadas dum guia, viagens ao céu e até mesmo desenhos angelicais macrocéfalos...

Sendo assim, o que pode ser original hoje em dia? Algum dia já o foi? A arte é original?

Pouco a pouco vou digerindo o primeiro conto... É porque ele é de fato a chave. Está ficando mais do que claro que Borges não colocou o primeiro conto lá aleatoriamente. É claro que não.

Nos hábitos literários é também todo-poderosa a idéia de um sujeito único. É raro que os livros estejam assinados. Não existe conceito de plágio: estabeleceu-se que todas as obras são obra de um só autor, que é inteporal e é anônimo. A crítica costuma inventar autores, escolhe duas obras dissímeles - o "Tao Te King" e as "1001 Noites", digamos - atribui-as a um mesmo escritor e logo determina com probidade a psicologia desse interessante homme de lettres...

Também os livros são diferentes. Os de ficção abarcam um único argumento, com todas as permutações imagináveis. Os de natureza filosófica invariavelmente contém a tese e a antítese, o rigoroso pró e contra de uma doutrina. Um livro que não encerre seu contralivro é considerado incompleto.


Como dito anteriormente por alguém, não existe plágio em Tlon. Mas no nosso universo também é assim. O conhecimento que Homero tinha para escrever a Ilíada veio de coisas que ele ouviu e que fora contadas por alguém que também ouviu alguém falando... Seguiremos essa linha até chegar num hipotético Adão primordial, cercado duma terra que por si só é uma história e uma fonte de conhecimento fértil... E essa terra formou-se dum processo calado, junto com o universo, que algumas teorias julgam ser eterno... Logo, nada é original, tudo é uma cópia, uma releitura de algo..

O princípio do universo foi um ponto. Aí sim nós podemos dizer que foi tudo o que existiu foi original, não acham?

Mas zé zão, nosso falecido zé zão, rip rip urra! para ele, discorreu acerca do ponto em Tlon:

zé zão disse:
A geometria visual ter como base a superficie é genia, a nossa geometria tendo o ponto como base é falha pq o ponto em si não existe(é mais uma das ilusões multiplicadas. O que muitas vezes desenhamos ou vemos e chamamos de ponto é formado por inúmeros outros pontos. Ao invés de se admitir a infinitude tenta-se determinar o indeterminável).

Se o ponto em si não existe, se ele não pode ser calculável pois a base da geometria visual é a superfície, não o ponto. Essa geometria desconhece as paralelas e declara que o homem que se desloca modifica as formas que o circundam. O fundamento de sua aritmética é a noção de números indefinidos., então esse ponto primordial do universo não podia ser calculado, não podia ser mensurado... Ele não pode ser um ponto de partida.

Pois esse mesmo povo acreditava que o passado, o passado do universo, é uma memória do presente... Ou que todo tempo já foi transcorrido e nós somos uma memória, uma recriação plagiada duma era que já existiu, como se o Deus de outra teoria deles (a de que um deus subalterno escreveu o universo sob os atiçamentos dum demônio) que pode muito bem ser um Menard Sagrado, ou um Menard Almostásim...

A genialidade individual nada mais é que um compêndio de genialidades inúmeras, e o que antes considerávamos como sendo um ponto, trasladou-se de fato para uma superfície, pois o fantasmagórico Homero não é o ponto de saberes ocidentais que se expandiu e englobou o ocidente inteiro; ele é uma superfície de influências que vão desde tempos remotos até futuros remotos, como vamos ver mais tarde, onde tanto Joyce quanto Virgílio influenciaram Homero...
 
Só de floodagem:

Mavericco, quando vc vai publicar sua tese sobre Ficções, hein? Deixa a introdução pra mim. Hahaha

Gigio, bem-vindo ao clube (não patrocinado pela Nextel). Acho até que a gente devia mudar o título de usuário pra "Irmandade Tlöniana" mwa-ha-ha-ha XD
 
Acho que não é que seja fácil escrever o Quixote. É fácil se compararmos essa tarefa à tarefa de Pierre Menard. Como disse o Mavericco, a obra antes era inexistente. Menard, 300 anos depois, (aliás, meu livro da biblioteca borges contém um erro, está escrito 'Trezentos séculos depois") deve criar a mesmíssima obra, em uma época totalmente diferente ainda por cima. Ele não queria ser Cervantes, ele queria criar exatamente o Quixote sendo Pierre Menard, como a Manu disse. Isso sim é difícil.

Durante todo o conto, Borges (=Menard) defende idéias que não condizem de forma alguma com sua biografia como "não há exercício intelectual que não resulte inútil" (isso soa estranho vindo de alguém que leu todas as obras de filosofia do seu tempo) ou "o quixote é um livro contingente, o Quixote é desnecessário" (Borges era fã do Quixote). Aliás, o item "p" da biografia parece ressoar essa idéia.

Nossa, viajei agora. No final das contas, isso de virar só um nome não é meio que verdade? Fico pensando em quantos dos livros escritos entre 1800 e 1980 serão lembrados daqui a alguns séculos, mesmo os mais importantes... o que nós conhecemos de épocas remotas? Não muito mais que Shakespeare, Cervantes... indo mais remotamente ainda, algumas obras de filósofos gregos e mais umas poucas coisas. Imaginem quanta coisa não se perdeu com o tempo, sendo conhecidas (muitas vezes provavelmente só de nome) por apenas uns poucos acadêmicos...

Mas, se pensarmos assim (que não adianta escrever porque provavelmente seremos esquecidos no futuro) vamos realmente chegar à triste conclusão de que toda arte é inútil. Isso é meio deprimente =(

Mavericco, seu último post está dando um nó na mniha cabeça, rs. Parei de lê-lo pra escrever o meu e acho que vou ter que começar de novo pra entender por completo...
 
Gigio, seja bem vindo ao tópico! Agora, tome cuidado que esse tópico vicia :sim: Comecei a acompanhá-lo nas férias e agora que elas acabaram estou passando o maior aperto para conseguir continuar acompanhando, rssss. Mas vale muito a pena! O conto do Almostasin não está em todas as ficções (consegui lê-lo porque está nas obras completas em que foi incorporado ao livro "História da Eternidade"). A Manu até conseguiu uma versão na internet. Sobre o xadrez, na entrevista de Borges sobre a filosofia (Hedra) ele afirma:

"a ideia do sonhador sonhado e eu me esqueci de tê-lo escrito , e depois escrevi dois sonetos sobre o xadrez, que é o mesmo tema: as peças supõe que gozam de livre arbítrio,o jogador que as move supõe que goza de livre arbítrio. O deus que move o jogador supõe que goza de livre arbítrio (...)"


.Penny Lane. disse:
Nossa, viajei agora. No final das contas, isso de virar só um nome não é meio que verdade? Fico pensando em quantos dos livros escritos entre 1800 e 1980 serão lembrados daqui a alguns séculos, mesmo os mais importantes... o que nós conhecemos de épocas remotas? Não muito mais que Shakespeare, Cervantes... indo mais remotamente ainda, algumas obras de filósofos gregos e mais umas poucas coisas. Imaginem quanta coisa não se perdeu com o tempo, sendo conhecidas (muitas vezes provavelmente só de nome) por apenas uns poucos acadêmicos...

Mas, se pensarmos assim (que não adianta escrever porque provavelmente seremos esquecidos no futuro) vamos realmente chegar à triste conclusão de que toda arte é inútil. Isso é meio deprimente =(
Penny, pode ser meio deprimente mas vc pode ver de outra forma. Pode ser que o nome da arte ou autor deixem de existir mas a idéia subjacente à mesma permaneça, mesmo que não nominada. Afinal, a influência dessas obras perdidas, mesmo não existindo o seu original permanece. Não conhecemos a fonte original de muitas obras, mas continuamos a ser influenciados por ela sem que saibamos. A obra do pensador árabe citado pelo Mavericco sobrevive na Divina Comédia. Isso me lembra, aliás, a epígrafe do túmulo do pensador árabe Rumi:

"When we are dead, seek not our tomb in the earth, but find it in the hearts of men.” (aliás, as idéias principais dessa epígrafe estão no poema When I die, que está disponível na internet)

Coincidência ou não, a vida desse pensador árabe guarda impressionante similaridade com a peregrinação do Almostasin (para entender o que eu digo basta dar uma olhada no http://www.rumitour.co.uk/about.html )

Viajei, né!XD Mas fui contaminado pela sua viagem...rsss

Mavverico, ainda estou tentando absorver e entender todo o conteúdo da sua última resposta :sim: .
 
Agora vamos à bibliografia do Menard:

a) Um soneto simbolista que apareceu duas vezes (com variantes) na revista LaConque (números de março e outubro de 1899).

Será que foram dois sonetos reescritos literalmente? Essas variantes podem ter sido geográficas-temporais-de sentido...

b) Uma monografia sobre a possibilidade de construir um vocabulário poético de conceitos que não fossem sinônimos ou perífrases dos que formam a linguagem comum, "mas objetos ideais criados por uma convenção e essencialmente destinados às necessidades poéticas" (Nimes, 19O1).

Que não recriassem literalmente a linguagem comum, mas que atendessem as necessidades poéticas... Objetos ideais... Consigo apenas pensar em hrons para isso... O poeta procurando, ao criar um poema, um vocábulo que se encaixasse perfeitamente com o poema e, no final, acabasse por se deparar com um hron. Ou então um "vocábulo-Almostásim", que iria apenas ser possível a partir do "reflexo de outros vocábulos".

c) Uma monografia sobre "certas conexões ou afinidades" do pensamento de Descartes, de Leibniz e de John Wilkins (Nimes, 19O3).

Sinceramente, não me veio nada na cabeça...

d) Uma monografia sobre a Characteristica Universalis de Leibniz (Nimes, 19O4).

Estranho, não acham? O mesmo Menard que fala ser impossível existir um doctor universalis faz uma monografia sobre a característica universal de Leibniz... Se não me engano ele já deu as caras em Tlon, não?

e) Um artigo técnico sobre a possibilidade de enriquecer o xadrez eliminando um dos peões de torre. Menard propõe, recomenda, polemiza e acaba por rejeitar essa inovação.

Meus conhecimentos enxadrísticos conseguem relacionar o peão de torre como um daqueles que, no início do jogo, localizam-se em a2/h2 ou a7/h7... Mas como isso iria enriquecer o jogo? As torres, como nós sabemos, são uma peça bastante "burocratizada" de ser movida... Você precisa mover seus todos uma plêiade de peças para permitir que ela se movimente e saia da concentração do tabuleiro inicial... O roque é a forma mais fácil de jogá-la em campo, mas ainda assim a torre é complicada de ser movida rapidamente... Será que esse enriquecimento estaria justamente nessa desburocratização?

f )Uma monografia sobre a Ars Magna Generalis de Ramón Llull (Nimes, 19O6).

Repito o comentário em d, mas adicionando que essa Ars de Ramón pode muito bem ser a recriação literal de algo...

g) Uma tradução com prólogo e notas do Livro da Invenção Liberal e Arte do Jogo de Xadrez de Ruy López de Segura (Paris,1907.)

Isso sem dúvidas se relaciona com e, talvez com Menard tentando justificar suas mudanças enxadrísticas...

h) Os rascunhos de uma monografia sobre a lógica simbólica de George Boole.

Menard era simbolista e Boole também é. A lógica simbolista de Menard dá-se a partir de recriações literais visando a aplicação, a renovação de símbolosnuma obra. Com Boole também? Precisamos pesquisar.

i) Um exame das leis métricas essenciais da prosa francesa, ilustrado com exemplos de Saint-Simon ( Revue des Langues Romanes, Montpellier, outubro de 19O9).

Não consigo imaginar muita coisa... Talvez o advento da métrica facilite a recriação literal de uma poesia? Se pensarmos assim, o primeiro verso de Os Lusíadas poderia ter sido uma recriação literal da Eneida de Virgílio...

j) Uma réplica a Luc Durtain (que negara a existência de tais leis) ilustrada com exemplos de Luc Durtain ( Revue des Langues Romanes, Montpellier, dezembro de19O9).

Com os mesmos fins de p? É uma hipótese.

k) Uma tradução manuscrita da Aguja de Navegar Cultos, de Quevedo, intitulada LaBoussole des Précieux.

LaBussole? O primeiro objeto de Tlon a invadir o nosso mundo foi uma bússola...

l) Um prefácio ao catálogo da exposição de litografias de Carolus Hourcade (Nimes,1914).

Não consigo pensar em nada aqui...

m) A obra Les Problèmes d’un Problème (Paris, 1917) que discute em ordem cronológica as soluções do ilustre problema de Aquiles e a tartaruga. Duas edições desse livro apareceram até agora; a segunda traz como epígrafe o conselho de Leibniz "Ne craignez point, monsieur, la tortue", e renova os capítulos dedicados a Russell e a Descartes.

Kelvin já deu uma explanada nesse ítem m, mas creio talvez ser justo unir com d e tentar chegar a uma análise...

n) Uma obstinada análise dos "usos sintáticos" de Toulet (N. R. F.., março de 1921). Menard – lembro-me – declarava que censurar e louvar são operações sentimentais que nada têm a ver com a crítica.

Uma antecipação da possível crítica a seu possível Quixote? Ou simplesmente um paradoxo pessoal, ao passo que Menard "censura" e "louva"? Será que no quesito sentimental a obra menardiana tem esse paradoxo para com os sentimentos?

o) Uma transposição em alexandrinos do Cimetière marin de Paul Valéry (N. R. F., Janeiro de 1928).

Valéry, famoso simbolista. Apenas isso consigo ver...

p) Uma invectiva contra Paul Valéry, nas Folhas para a supressão da realidade de Jacques Reboul. (Esta invectiva, diga-se entre parêntesis, é o reverso exato da suaverdadeira opinião sobre Valéry. Este assim o entendeu e a amizade antiga entre osdois não correu perigo.)

Uma contradição de opiniões usada por Menard vez outra... Talvez na composição do Quixote ele tenha tido essa mesma dúvida na bipolaridade "Cervantes-Menard"...

q) Uma definição" da condessa de Bagnoregio, no "vitorioso volume" – a locução é de outro colaborador, Gabriele d'Annunzio – que anualmente publica esta dama para retificar os inevitáveis falseamentos do jornalismo e apresentar ao mundo e à Itália" uma autêntica imagem da sua pessoa, tão exposta (pela própria razão da sua beleza eda sua atuação) a interpretações errôneas ou apressadas.

Quis contradizer-se nessa definição? Utilizou-se de recursos simbólicos? Não vejo muita coisa aí...

r) Um ciclo de admiráveis sonetos para a baronesa de Bacourt (1934).

Provavelmente Menard amava a baronesa de Bacourt... Talvez a baronesa de Bacourt fosse uma Dulcinéia de Toboso... Talvez ela fosse excessivamente idealizada, e o comentário em q fosse demasiado falso...

s) Uma lista manuscrita de versos que devem sua eficácia à pontuação.

O Quixote de Menard também não deveria, eventualmente...?

1 Madame Henri Bachelier enumera também uma versão literal da versão literal que fez Quevedo da Introduction à la Vie Dévote de São Francisco de Sales. Na biblioteca de Pierre Menard não há vestígios de tal obra. Deve tratar-se de uma brincadeira de nosso amigo, mal-ouvida.

Novamente Quevedo... E novamente não sei o que enxergar...
 
Mavericco disse:
Brianstorm disse:
Mavericco disse:
Acho que ele percebeu, talvez por um reflexo ou algo assim, que conseguiria apenas sê-lo às custas de Cervantes... A "alegre fogueira" que ele fazia, quem sabe, tenha sido a prova disso...
Concordo.
Será que essa fogueira também não tem relação com a fogueira feita pelo Cura e pelo barbeiro no Quixote ? Da qual restaram apenas alguns livros de cavalaria (Amadis de Gaula, etc.)

Mavericco disse:
Mavericco disse:
Mas é claro que toda obra de arte é inútil... Pra quê escrever Dom Quixote se daqui há X séculos vão reescrevê-lo literalmente? A arte é um game of shifting mirrors, com a diferença desses espelhos atingirem apenas a burguesia e vez outra mostrarem-se fidedignos...
Mas ele irá durar X séculos. O que o homem faz que dura tudo isso? Então tudo é inútil, melhor não fazer nada (estou lembrando do Schopenhauer :rofl:).
A arte não atinge apenas a burguesia, porém concordo que seja algo elitizado.
Mais uma das contradições colocada pelo autor que incorre em inúmeras contradições. Se ele achasse que a arte era inútil porque escreveu ?

Mavericco disse:
É, é... Bem lembrado essa dele durar X séculos... Quer dizer... Isso é apenas uma probabilidade. O universo pode muito bem ser eterno... A teoria das cordas mesmo diz que um big bang pode acontecer (ou estar acontecendo num ponto longínquo) e o universo recomeçar do zero...

Mesmo porque, o tempo não existe no universo, lembra?

Mencionei que os homens desse planeta concebem o universo como uma série de processos mentais que não se desenvolvem no espaço, mas de modo sucessivo no tempo.

Universo é espaço, e não tempo. Ao mesmo tempo que aqui Cervantes escreve Quixote, simetricamente Menard também o faz. Se esse universo for finito, temos um numero X de Quixotes simultâneos... Mas e se ele for infinito? Aí já viu, né... Vai ter sacanagem.
Mavericco disse:
Se o universo são só processos mentais, não existiria separação entre um autor e outro. Isso parece concordar com aquela citação de Plotino do primeiro conto.


Mavericco disse:
Kelvin disse:
"A essa terceira interpretação (que acho irrefutável) não sei se me atreverei a adicionar uma quarta, que condiz com a quase divina modéstia de Pierre menard: seu hábito resignado ou irônico de propagar idéias que eram o estrito reverso das preferidas por ele".

Durante todo o conto, Borges (=Menard) defende idéias que não condizem de forma alguma com sua biografia como "não há exercício intelectual que não resulte inútil" (isso soa estranho vindo de alguém que leu todas as obras de filosofia do seu tempo) ou "o quixote é um livro contingente, o Quixote é desnecessário" (Borges era fã do Quixote). Aliás, o item "p" da biografia parece ressoar essa idéia.
Será que ao propagar ideias que eram contra sua índole ele não estava tentando ser menos abominável? Ou será que ele tentava ser menos Menard? Ou mais Menard?
Boa pergunta, será que a lógica não seria a mesma do discurso das armas contra as letras do Quixote ?

Mavericco disse:
Kelvin disse:
Quanto a pergunta do Brian se existiriam outros Quixotes na literatura consigo me lembrar dos seguintes: a) o Quixote apócrifo (extremamente criticado pelo "Cavaleiro da Triste Figura" na segunda parte do livro Don Quixote de Cervantes), b) Emma Bovary (=um reflexo distorcido do Quixote de Cervantes que também enlouquece por ler livros de ficção e querer viver na vida real o que acontece nos livros de ficção); c) o Don Quixote de Strauss; d) o livro Don Quixote e Sancho de Unamuno que inclusive parece ser criticado no presente conto (como não li o livro de Unamuno não dá pra ter certeza se de fato há crítica). No mais, muito interessantes os últimos comentários do Brian, Manu e Mavericco.

Mais uma vez, muito bem lembrado o livro apócrifo do Quixote! Eu inclusive expando: a segunda parte do Dom Quixote só foi possível graças ao Livro Apócrifo... É como se o Cervantes tivesse tentando reescrever o Livro APócrifo mas não sendo o autor do livro apócrifo, mas sim Cervantes... Ou mais ainda:

O primeiro Quixote é o objeto. O apócrifo é a imagem, logo, é abominável. O segundo Quixote, espelho do apócrifo, anula toda a sentença, logo, não é abominável...

E digo mais ainda:

O apócrifo é o hron do primeiro Quixote. O segundo Quixote é o hron do apócrifo ou o hron do hron do primeiro.

Vamos relembrar o que Borges nos fala sobre sequências de hronirs?

Até há pouco os hrönir eram filhos fortuitos da distração e do esquecimento.
(...)
Fato curioso: os hrönir de segundo e de terceiro grau - os hrönir derivados de outro hrön, os hrönir do hrön de um hrön - exageram as aberrações do inicial; os de quinto são quase uniformes; os de nono confundem-se com o de segundo; nos de décimo-primeiro, há uma pureza de linhas que os originais não têm. O processo é periódico: o hrön de décimo-segundo grau já começa a decair.


Sendo assim, tanto a segunda parte quanto o apócrifo aberram o primeiro...
Nossa, não tinha pensado nisso. De fato muito interessante :sim: .



Mavericco disse:
Manu M. disse:
Mas...
Tive um outro insight. Acho que Borges não estava só sendo irônico, não. Sabe o item "p" da bibliografia de Menard, que é "o reverso exato de sua verdadeira opinião sobre Válery"? Acho que o que Borges faz nesse conto é o mesmo. Ele "desdenha" do D. Quixote justamente por sua opinião sobre ele ser o oposto. É o causo do autor que desfigura os acontecimentos, etc. Acho que assim faz mais sentido, né? rs.
Realmente, bem pensado...
Também cheguei a mesma conclusão :sim: .

Mavericco disse:
Ontem eu descobri que a Divina Comédia não é tão original quanto eu imaginava =D... Legal, né? Descobri que a Al-Isrá, do Alcorão, é o puro e íntegro molde da Divina Comédia, com direito a viagens infernais (que Virgílio mesmo já fazia) acompanhadas dum guia, viagens ao céu e até mesmo desenhos angelicais macrocéfalos...
Interessante, essa referência sua. Está dentro do próprio Alcorão ? Se tiver como vc me falar o capítulo para eu procurar .... Não tinha reparado nisso.

Mavericco disse:
Sendo assim, o que pode ser original hoje em dia? Algum dia já o foi? A arte é original?
Pouco a pouco vou digerindo o primeiro conto... É porque ele é de fato a chave. Está ficando mais do que claro que Borges não colocou o primeiro conto lá aleatoriamente. É claro que não.
Nos hábitos literários é também todo-poderosa a idéia de um sujeito único. É raro que os livros estejam assinados. Não existe conceito de plágio: estabeleceu-se que todas as obras são obra de um só autor, que é inteporal e é anônimo. A crítica costuma inventar autores, escolhe duas obras dissímeles - o "Tao Te King" e as "1001 Noites", digamos - atribui-as a um mesmo escritor e logo determina com probidade a psicologia desse interessante homme de lettres...

Também os livros são diferentes. Os de ficção abarcam um único argumento, com todas as permutações imagináveis. Os de natureza filosófica invariavelmente contém a tese e a antítese, o rigoroso pró e contra de uma doutrina. Um livro que não encerre seu contralivro é considerado incompleto.


Como dito anteriormente por alguém, não existe plágio em Tlon. Mas no nosso universo também é assim. O conhecimento que Homero tinha para escrever a Ilíada veio de coisas que ele ouviu e que fora contadas por alguém que também ouviu alguém falando... Seguiremos essa linha até chegar num hipotético Adão primordial, cercado duma terra que por si só é uma história e uma fonte de conhecimento fértil... E essa terra formou-se dum processo calado, junto com o universo, que algumas teorias julgam ser eterno... Logo, nada é original, tudo é uma cópia, uma releitura de algo..

O princípio do universo foi um ponto. Aí sim nós podemos dizer que foi tudo o que existiu foi original, não acham?

Mas zé zão, nosso falecido zé zão, rip rip urra! para ele, discorreu acerca do ponto em Tlon:

zé zão disse:
A geometria visual ter como base a superficie é genia, a nossa geometria tendo o ponto como base é falha pq o ponto em si não existe(é mais uma das ilusões multiplicadas. O que muitas vezes desenhamos ou vemos e chamamos de ponto é formado por inúmeros outros pontos. Ao invés de se admitir a infinitude tenta-se determinar o indeterminável).

Se o ponto em si não existe, se ele não pode ser calculável pois a base da geometria visual é a superfície, não o ponto. Essa geometria desconhece as paralelas e declara que o homem que se desloca modifica as formas que o circundam. O fundamento de sua aritmética é a noção de números indefinidos., então esse ponto primordial do universo não podia ser calculado, não podia ser mensurado... Ele não pode ser um ponto de partida.

Pois esse mesmo povo acreditava que o passado, o passado do universo, é uma memória do presente... Ou que todo tempo já foi transcorrido e nós somos uma memória, uma recriação plagiada duma era que já existiu, como se o Deus de outra teoria deles (a de que um deus subalterno escreveu o universo sob os atiçamentos dum demônio) que pode muito bem ser um Menard Sagrado, ou um Menard Almostásim...

A genialidade individual nada mais é que um compêndio de genialidades inúmeras, e o que antes considerávamos como sendo um ponto, trasladou-se de fato para uma superfície, pois o fantasmagórico Homero não é o ponto de saberes ocidentais que se expandiu e englobou o ocidente inteiro; ele é uma superfície de influências que vão desde tempos remotos até futuros remotos, como vamos ver mais tarde, onde tanto Joyce quanto Virgílio influenciaram Homero...
Acho que sua conclusão está em plena consonância com a opinião de Borges, que aliás concebe essa genialidade de forma impessoal como pontos infinitesimais que se dissolvem. Aliás, na epígrafe do livro Fervor de Buenos Aires, logo após o prólogo, Borges afirma:

"Se as páginas deste livro consentem algum verso feliz, perdoe-me o leitor a descortesia de tê-lo usurpado eu, previamente. Nossos nadas pouco diferem; é trivial e fortuita a circunstância de que sejas tu o leitor destes exercícios, e eu seu redator."

Por falar em Zezão, alguém tem notícias dele ?
 
Kelvin disse:
Mavericco disse:
Ontem eu descobri que a Divina Comédia não é tão original quanto eu imaginava =D... Legal, né? Descobri que a Al-Isrá, do Alcorão, é o puro e íntegro molde da Divina Comédia, com direito a viagens infernais (que Virgílio mesmo já fazia) acompanhadas dum guia, viagens ao céu e até mesmo desenhos angelicais macrocéfalos...
Interessante, essa referência sua. Está dentro do próprio Alcorão ? Se tiver como vc me falar o capítulo para eu procurar .... Não tinha reparado nisso.

Quem começou com essas interpretações foi o historiador espanhol Miguel Asín Palácios no livro La Escatologia Musulmana en la Divina Comedia.

Nesse artigo dá pra dar uma ideia das teorias do Asín:

http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/viewArticle/15302

Teorias essas que eu considero como sendo perfeitamente plausíveis...
 
Mavericco disse:
Agora vamos à bibliografia do Menard:
a) Um soneto simbolista que apareceu duas vezes (com variantes) na revista LaConque (números de março e outubro de 1899).
Será que foram dois sonetos reescritos literalmente? Essas variantes podem ter sido geográficas-temporais-de sentido...

A Revue La Conque de fato existiu então acho que pra entender a referência é necessária a sua leitura. Segue o link que consegui, não cheguei a ler porque não vai dar tempo agora. http://fr.wikisource.org/wiki/La_Conque_(Revue)

Mavericco disse:
b) Uma monografia sobre a possibilidade de construir um vocabulário poético de conceitos que não fossem sinônimos ou perífrases dos que formam a linguagem comum, "mas objetos ideais criados por uma convenção e essencialmente destinados às necessidades poéticas" (Nimes, 19O1).
É impossível a construção desse vocabulário, porque só conseguimos chegar a uma palavra por meio de outra. Aliás, sobre isso acho que li alguma coisa no Borges sobre a existência que a definição era inútil pois para definir uma definição seria necessário definir os seus termos e assim sucessivamente de forma infinita....

Mavericco disse:
c) Uma monografia sobre "certas conexões ou afinidades" do pensamento de Descartes, de Leibniz e de John Wilkins (Nimes, 19O3).
Nunca li John Wilkins, mas afinidades entre Leibniz e Descartes que consigo lembrar no momento são: a) a defesa da existência de Deus (no caso de Leibniz inclusive bastante criticada no Candide de Voltaire); b) o uso da geometria analítica (criada pelo primeiro e utilizada pelo segundo para chegar ao cálculo dx/dy, concluindo que uma quantidade infinitesimal de curva poderia ser desprezada e considerada reta).

Mavericco disse:
d) Uma monografia sobre a Characteristica Universalis de Leibniz (Nimes, 19O4).
Não conheço essa obra de Leibniz. Pelo título parece ter relação com aquela idéia dos universais de Platão.

Mavericco disse:
e) Um artigo técnico sobre a possibilidade de enriquecer o xadrez eliminando um dos peões de torre. Menard propõe, recomenda, polemiza e acaba por rejeitar essa inovação.
Também não entendi qual seria o enriquecimento.

Mavericco disse:
f )Uma monografia sobre a Ars Magna Generalis de Ramón Llull (Nimes, 19O6).
Borges possui um artigo chamado "A máquina de pensar da Rammon Lull" que está nas obras completas. A única coisa que lembro dessa máquina da época em que li o artigo (alguns anos atrás) é sua incrível semelhança com a enigma.

Mavericco disse:
g) Uma tradução com prólogo e notas do Livro da Invenção Liberal e Arte do Jogo de Xadrez de Ruy López de Segura (Paris,1907.)
Esse livro existe e existe inclusive uma abertura de Xadrez com o nome do Ruy Lopez que é bastante comum e após o deslocamento do primeiro peão faz uso do cavalo.

Mavericco disse:
h) Os rascunhos de uma monografia sobre a lógica simbólica de George Boole.
Sempre tive curiosidade de compreender os fundamentos da lógica booleana, mas nunca parei pra ler de forma aprofundada a ponto de arriscar um comentário. Se tiver alguém da área de exatas talvez possa fazer um comentário que auxilie.

Mavericco disse:
i) Um exame das leis métricas essenciais da prosa francesa, ilustrado com exemplos de Saint-Simon ( Revue des Langues Romanes, Montpellier, outubro de 19O9).
Também não consegui pensar nada. A única coisa que me recordo é que o 10 volume da edição do Burton das Mil e Uma Noites citado pelo Borges no conto anterior fala bastante de métrica na poesia árabe.

Mavericco disse:
j) Uma réplica a Luc Durtain (que negara a existência de tais leis) ilustrada com exemplos de Luc Durtain ( Revue des Langues Romanes, Montpellier, dezembro de19O9).
Também não consegui pescar.

Mavericco disse:
k) Uma tradução manuscrita da Aguja de Navegar Cultos, de Quevedo, intitulada LaBoussole des Précieux.

Esse negócio de navegar cultos me lembra o próximo conto.

Mavericco disse:
l) Um prefácio ao catálogo da exposição de litografias de Carolus Hourcade (Nimes,1914).
Também não consigo pensar em nada aqui...

Mavericco disse:
m) A obra Les Problèmes d’un Problème (Paris, 1917) que discute em ordem cronológica as soluções do ilustre problema de Aquiles e a tartaruga. Duas edições desse livro apareceram até agora; a segunda traz como epígrafe o conselho de Leibniz "Ne craignez point, monsieur, la tortue", e renova os capítulos dedicados a Russell e a Descartes.

Essa da tartaruga será que não tem relação com a invenção do cálculo ? O que percebi das menções a Russel e a Descartes é que o mesmo fundamento (dúvida de segundo grau) justifica tanto a crença de um (Descartes), bem como o ceticismo do segundo (Russel). Aliás, que o levou ao cetiscimso de Russel tem enorme relação com os temas tratados no primeiro ou segundo conto (e no quarto), afinal Russel se tornou cético em decorrência da constatação de que a explicação de que Deus criou o homem levava necessariamente ao questionamento de quem criou Deus (e assim sucessivamente ad infinitum). (Parenteses: não tem como entrar num tema desses sem lembrar do Godel, Escher e Bach). Aliás, tem relação também com a questão das definições mencionadas no item "b".

Mavericco disse:
n) Uma obstinada análise dos "usos sintáticos" de Toulet (N. R. F.., março de 1921). Menard – lembro-me – declarava que censurar e louvar são operações sentimentais que nada têm a ver com a crítica.
Mavericco, acho que o Menard pensa o contário do que disse, ainda, mais tendo em vista os seus últimos comentários...

Mavericco disse:
o) Uma transposição em alexandrinos do Cimetière marin de Paul Valéry (N. R. F., Janeiro de 1928).
p) Uma invectiva contra Paul Valéry, nas Folhas para a supressão da realidade de Jacques Reboul. (Esta invectiva, diga-se entre parêntesis, é o reverso exato da suaverdadeira opinião sobre Valéry. Este assim o entendeu e a amizade antiga entre osdois não correu perigo.)
Uma contradição de opiniões usada por Menard vez outra... Talvez na composição do Quixote ele tenha tido essa mesma dúvida na bipolaridade "Cervantes-Menard"...
q) Uma definição" da condessa de Bagnoregio, no "vitorioso volume" – a locução é de outro colaborador, Gabriele d'Annunzio – que anualmente publica esta dama para retificar os inevitáveis falseamentos do jornalismo e apresentar ao mundo e à Itália" uma autêntica imagem da sua pessoa, tão exposta (pela própria razão da sua beleza eda sua atuação) a interpretações errôneas ou apressadas.
Quis contradizer-se nessa definição? Utilizou-se de recursos simbólicos? Não vejo muita coisa aí...
r) Um ciclo de admiráveis sonetos para a baronesa de Bacourt (1934).
Provavelmente Menard amava a baronesa de Bacourt... Talvez a baronesa de Bacourt fosse uma Dulcinéia de Toboso... Talvez ela fosse excessivamente idealizada, e o comentário em q fosse demasiado falso...
s) Uma lista manuscrita de versos que devem sua eficácia à pontuação.
O Quixote de Menard também não deveria, eventualmente...?
1 Madame Henri Bachelier enumera também uma versão literal da versão literal que fez Quevedo da Introduction à la Vie Dévote de São Francisco de Sales. Na biblioteca de Pierre Menard não há vestígios de tal obra. Deve tratar-se de uma brincadeira de nosso amigo, mal-ouvida.
Novamente Quevedo... E novamente não sei o que enxergar...
Bem, vou ter que dar uma saída agora. :tchauzim:
 

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.434,79
Termina em:
Back
Topo